A visualização de corpos muriformes no exame micológico direto ou anatomopatológico é considerada patognomônica da cromoblastomicose. O aspecto morfológico que essas estruturas fúngicas adquirem foram denominadas de “aranha de Borelli”. Relatos desta associação têm sido descritos há décadas, inicialmente relacionando a agentes mais patogênicos desta micose. Estudos mais recentes apresentam aspectos referentes à imunidade do hospedeiro na participação deste processo, bem como uma associação a pior prognóstico da doença. O presente estudo expõe os achados de exames complementares com a presença da “aranha de Borelli” em paciente com diagnóstico de cromoblastomicose.
Paciente do sexo masculino, de 58 anos de idade, natural do estado do Pará, referia lesão na região da coxa direita havia 15 anos, caracterizada por placa eritematosa, de limites bem delimitados, com superfície verrucosa e algumas áreas nodulares que media no maior eixo cerca de 13cm (fig. 1). O paciente negava história de trauma local. Foi realizado exame microscópico direto que evidenciou presença de corpos muriformes (CM – fig. 2). Além disso, o cultivo fúngico revelou crescimento de uma colônia enegrecida e aveludada, com morfologia macro‐microscópica compatível com Fonsecaea pedrosoi. Ao exame anatomopatológico foram visualizados CM, alguns associados a hifas demáceas, recebendo o nome de “aranha de Borelli” (AB). Esses achados confirmaram o diagnóstico de cromoblastomicose (CBM), e então foi iniciado o tratamento com itraconazol (200mg/dia durante seis meses), porém sem melhora significativa das lesões, com necessidade de associar outras terapias (crioterapia e exérese cirúrgica).
DiscussãoA CBM é uma micose de evolução crônica que afeta pele e tecido subcutâneo, causada por fungos demáceos filamentosos.1,2 Apresenta como principais agentes causadores Fonsecaea pedrosoi e Phialophora verrucosa, organismos geofílicos de alta prevalência em áreas úmidas de climas tropical e subtropical.1–3 O local mais frequentemente acometido é a extremidade dos membros inferiores por mecanismo traumático, pela inoculação de hifas e conídios fúngicos na pele do hospedeiro.2–4 Uma vez instalado no tecido, o fungo se adere às células epiteliais e se diferencia em estruturas chamadas corpos muriformes, fumagoides, escleróticos ou de Medlar (CM), os quais resistem à destruição pelas células efetoras do hospedeiro, favorecendo a progressão da infecção. As lesões cutâneas são polimórficas, incluindo nódulos, placas, tumores e cicatrizes.1–4 O diagnóstico da CBM é confirmado com a visualização dos CM, patognomônico da CBM, no exame micológico direto e histopatológico, independente da espécie implicada (figs. 2 e 3).1–3
Relatos de hifas demáceas encontradas em associação aos CM têm sido descritos há décadas, primeiramente por Borelli. O aspecto morfológico que as estruturas fúngicas adquirem foram denominadas de “aranha de Borelli” (AB), e seu achado relacionado inicialmente a espécies mais patogênicas dessa micose.5–8 Posteriormente, esse achado foi relacionado a formas mais resistentes à terapêutica, e é considerado indicativo de baixa resposta aos tratamentos clássicos, com necessidade de associações, mudanças posológicas ou abordagens cirúrgicas em muitos casos.1,6,7 Essas estruturas são evidenciadas tanto no exame micológico direto quanto no histopatológico, como no presente caso (figs. 4 e 5).
Em estudos sobre a imunologia da CBM notou‐se que os fungos são capazes de regular a resposta inflamatória do hospedeiro, evitando o processo inflamatório e contribuindo para o processo de adaptação e oportunismo.9 Os CM são capazes de alterar o padrão de expressão gênica dos macrófagos, resultando nas características histopatológicas observadas em CBM com infiltrados inflamatórios granulomatosos, por vezes supurativos e com a presença de microabscessos. A presença de hifas e células muriformes nos tecidos aumenta os níveis de citocinas inflamatórias fator de necrose tumoral‐alfa (TNF‐α), interleucina 1‐beta (IL‐1β) e IL‐6, tornando a doença mais duradoura e aumentando a persistência do patógeno no tecido.9 Essa resposta imune descontrolada e crônica não promove proteção do organismo contra o fungo, e acaba levando à manutenção da infecção.9 Contudo, ainda carecem na literatura estudos que correlacionem a fisiopatologia relacionada à AB e sua resposta imunológica.
O entendimento desses achados se torna de salutar importância para a terapêutica da CBM, considerada desafiadora, sobretudo nas formas clínicas mais exuberantes e severas.2,3 O tratamento da CBM é relacionado a baixas taxas de cura e a altas chances de recidiva.1–3 São necessários longos períodos de terapia com antifúngicos, que podem ser associados à cirurgia, crioterapia, termoterapia e imunoterapia.1,2,10
Esses dados levam a entender que o equilíbrio do binômio parasita/hospedeiro sofre interferências de ambos os lados, podendo favorecer o surgimento das AB que possivelmente atuariam cronificando a doença e dificultando a terapêutica. Com o avanço de medicamentos imunomoduladores, amplia‐se a possibilidade do achado dessas estruturas. Estudos futuros sobre a apresentação das expressões clínicas, laboratoriais e terapêuticas nesses casos podem auxiliar no melhor entendimento da doença e de seu manejo.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresGustavo de Sá Menezes Carvalho: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.
Karina Baruel de Camargo Votto Calbucci: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.
Rute Facchini Lellis: Obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
John Verrinder Veasey: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.