A dermatoscopia aumenta a acurácia diagnóstica em dermatologia. Não se conhecem aspectos ligados ao treinamento, perfil de uso ou percepções da utilidade relacionadas à dermatoscopia entre os dermatologistas no Brasil.
ObjetivosAvaliar o perfil de uso da dermatoscopia e a percepção do impacto da técnica na prática clínica.
MétodosA Sociedade Brasileira de Dermatologia convidou todos seus associados para preenchimento de formulário on‐line com 20 itens relacionados a dados demográficos, assistência dermatológica, uso da dermatoscopia e percepções do impacto da técnica na prática clínica. As proporções entre as categorias foram comparadas pela análise de resíduos da tabela de contingência, considerado significativo p<0,01.
ResultadosForam avaliadas as respostas de 815 associados (9,1% dos convidados), dos quais 84% eram do sexo feminino e 71% apresentavam idade menor do que 50 anos. A dermatoscopia foi referida na prática diária de 98% dos dermatologistas, dos quais 88% a empregam mais que uma vez ao dia. Dermatoscopia de luz polarizada foi a mais empregada (83%) e a análise de padrões foi o algoritmo mais usado (63%). Diagnóstico e seguimento das lesões melanocíticas são reconhecidos como principais utilidades da técnica, enquanto o proveito para o diagnóstico de lesões inflamatórias é reconhecido por menos da metade da amostra (42%).
Limitações do estudoInquérito não randomizado.
Conclusão A dermatoscopia é incorporada na prática clínica da quase totalidade dos dermatologistas brasileiros e reconhecida no aumento da certeza diagnóstica em diferentes contextos, especialmente para lesões pigmentadas.
A dermatoscopia é método não invasivo auxiliar que aumenta a acurácia do dermatologista para o diagnóstico do melanoma, desde que se tenha treinamento adequado na técnica.1–3 Seu uso comprovadamente reduz o número de biópsias desnecessárias de lesões benignas.1,4,5 Por essas razões, a dermatoscopia é considerada método padrão para condução do câncer da pele e monitoramento de grupos de alto risco e está incluída nas atuais diretrizes de prática clínica em diversos países.6–8 Além de sua aplicação primordial em neoplasias, é cada vez maior o número de indicações dessa técnica em dermatoses inflamatórias, infecciosas, onicopatias e alopecias.
Não se conhecem aspectos ligados ao treinamento, perfil de uso ou percepções do impacto da dermatoscopia na prática clínica entre os dermatologistas no Brasil. Este estudo teve como objetivo conhecer quanto e como os associados da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) usam e percebem os benefícios da dermatoscopia em sua prática diária e quais os fatores limitantes para uso dessa técnica no Brasil.
MétodosA SBD convidou todos seus associados a responderem, voluntariamente, uma pesquisa eletrônica (formulário on‐line) com 20 perguntas (tabela 1), configurou amostra não randomizada (por adesão). As perguntas foram elaboradas com base no trabalho feito no continente europeu pela Sociedade Internacional de Dermatoscopia, além de dados demográficos e de natureza assistencial dermatológica.9,10
Questionário submetido aos associados da Sociedade Brasileira de Dermatologia (2018)
Perguntas | Respostas |
---|---|
1. Qual o seu gênero? | Feminino |
Masculino | |
2. Qual a sua idade? | |
3. Em qual ambiente você exerce a dermatologia? | Consultório particular |
Hospital ou clínica privados | |
Hospital universitário | |
Serviço público | |
4. Há quanto tempo você exerce a dermatologia como especialista? | |
5. Número médio de pacientes atendidos por mês | |
6. Número médio de pacientes com câncer de pele (todos os tipos) atendidos por mês | |
7. Você recebeu treinamento de dermatoscopia como parte de sua residência ou pós‐graduação em dermatologia? | a) Sim |
b) Não | |
8. Além da sua formação durante a residência ou pós‐graduação, que tipo de treinamento em dermatoscopia você realizou? | a) Curso de dermatoscopia |
b) Curso de dermatoscopia on‐line | |
c) Conferências/congressos | |
d) Livros/atlas | |
e) Mentor/tutor | |
f) Nenhum treinamento | |
9. Você usa a dermatoscopia na sua prática diária? | a) Sim |
b) Não | |
10. Se você não usa a dermatoscopia, por favor, indique as razões por que não: | a) Eu não considero útil para minha prática |
b) O equipamento é muito caro | |
c) O dermatoscópio não está disponível no meu consultório | |
d) Eu não possuo treinamento em dermatoscopia | |
e) Eu não estou confiante o suficiente em minhas habilidades para diagnóstico dermatoscópico | |
f) É muito demorado | |
g) Não é bem reembolsado | |
h) Outros | |
11. Há quanto tempo você usa a dermatoscopia? | a) <2 anos |
b) 2‐5 anos | |
c)> 5 anos | |
12. Que tipo de dermatoscópio você usa? | a) Contato de imersão não polarizado (contato com a pele, líquido de interface, p.ex., óleo, álcool) |
b) Dermatoscópio de luz polarizada | |
c) Dermatoscópio com câmera digital | |
d) Videodermatoscopia digital (p.ex., Fotofinder, Molemax etc.) | |
13. Na sua prática diária, com que frequência você utiliza a dermatoscopia? | a) Menos de uma vez/mês |
b) 1‐4 vezes/mês | |
c) Mais de uma vez/semana | |
d) Ao menos uma vez/dia | |
14. Na sua opinião, qual a utilidade da dermatoscopia para o seguinte? | a) Diagnóstico do melanoma: útil/pouco útil/não é útil |
b) Acompanhamento de lesões melanocíticas: útil/pouco útil/não é útil | |
c) Diagnóstico de tumores pigmentados: útil/pouco útil/não é útil | |
d) Diagnóstico de tumores não pigmentados: útil/pouco útil/não é útil | |
e) Diagnóstico de lesões inflamatórias: útil/pouco útil/não é útil | |
f. Acompanhamento de lesões cutâneas não melanocíticas: Útil / Pouco útil / Não é útil | |
g) Acompanhamento de lesões cutâneas não melanocíticas: útil/pouco útil/não é útil | |
15. Ao examinar pacientes com os seguintes problemas de pele, em que porcentagem de casos você usa dermatoscopia: | a) Tumores pigmentados: <10%/11%‐30%/31%‐50%/51%‐70%/> 70% de casos |
b) Tumores não pigmentados: <10%/11%‐30%/31%‐50%/51%‐70%/> 70% de casos | |
c) Lesões inflamatórias: <10%/11%‐30%/31%‐50%/51%‐70%/> 70% de casos | |
16. Que algoritmo para o diagnóstico dermatoscópico de lesões pigmentadas você usa regularmente? | a) ABCD regra |
b) CASH | |
c) Algoritmo de Menzies | |
d) Regra dos sete pontos | |
e) Análise de padrões | |
f) Eu não uso sistematicamente qualquer algoritmo particular | |
17. Quão confiante você está em suas habilidades de dermatoscopia para a avaliação dos seguintes tipos de lesões? | a) Tumores pigmentados: confiante/pouco confiante/não confiante |
b) Tumores não pigmentados: confiante/pouco confiante/não confiante | |
c) Lesões inflamatórias: confiante/pouco confiante/não confiante | |
18. Na sua opinião, as principais vantagens do uso da dermatoscopia incluem: concordo totalmente/concordo parcialmente/discordo/indiferente | a) Diagnóstico de melanoma em estágio inicial |
b) Permite o monitoramento de lesões | |
c) Reduz o número de biópsias ou excisões desnecessárias | |
d) Aumenta a confiança no meu diagnóstico clínico | |
e) Melhora a forma de armazenamento das imagens | |
f) Reduz a ansiedade do paciente | |
g) Melhora a documentação para fins legais | |
h) Aumenta a remuneração | |
19. Você acha que o uso da dermatoscopia aumentou o número de melanomas detectados por você em comparação com o exame a olho nu? | a) Sim |
b) Não | |
20. Na sua prática, como o uso da dermatoscopia influenciou o número de excisões de lesões benignas que você realizou? | a) Diminuição do número de excisões de lesões benignas |
b) Aumentou o número de excisões de lesões benignas | |
c) Nenhuma alteração no número de excisões de lesões benignas |
O questionário ficou disponível on‐line de 27 de junho a 11 de julho de 2018. Caso o participante respondesse NÃO à questão 9, o questionário era interrompido na questão 10.
As respostas foram tabuladas em MsExcel 2013 e avaliadas quanto a duplicações, valores anômalos e padrões de ausência.11
Os dados de respostas completas foram resumidos como porcentagem de respostas (variáveis qualitativas). Os intervalos de confiança (95% IC) foram calculados a partir de 10.000 reamostragens (bootstrap).12 As variáveis quantitativas foram representadas pelas médias e desvio‐padrão (DP) ou mediana e quartis (p25‐p75), se a normalidade não fosse verificada pelo teste de Kolmogorov‐Smirnov.13
As proporções foram comparadas entre os subgrupos pelo teste do qui‐quadrado e qui‐quadrado de tendência. As análises multinomiais foram testadas a partir da análise de resíduos da tabela de contingência. Foi considerado significativo p‐valor<0,01.
ResultadosO questionário foi enviado para todos os 8.884 associados da SBD e foi respondido de maneira completa por 9,1% (n=815) voluntários concordantes. Os principais dados demográficos de atuação profissional estão na tabela 2. Destacam‐se a predominância feminina, idade menor do que 50 anos, menos de 20 anos de profissão e maior representatividade dos estados do Sudeste e Sul.
Dados demográficos e de assistência dermatológica da amostra (n=815)
Variável | Resultado |
---|---|
Sexo – n (%) | |
Feminino | 681 (84) |
Masculino | 134 (16) |
Faixa etária – n (%) | |
≤ 35 anos | 261 (32) |
36‐50 anos | 321 (39) |
> 50 anos | 233 (29) |
Tempo de profissão – n (%) | |
≤ 10 anos | 392 (48) |
11‐20 anos | 184 (23) |
21‐30 anos | 139 (17) |
> 30 anos | 100 (12) |
Região do país – n (%) | |
Sudeste | 501 (62) |
Sul | 136 (17) |
Nordeste | 98 (12) |
Centro‐Oeste | 47 (6) |
Norte | 23 (3) |
Atendimentos por mês – média (DP) | 224 (141) |
Atendimentos oncológicos por mês – mediana (p25‐p75) | 15 (8‐30) |
Tipo de atuação – n (%) | |
Consultório privado | 720 (88) |
Hospital privado | 274 (34) |
Ambulatório público | 243 (30) |
Hospital universitário | 169 (21) |
Os principais resultados relacionados ao treinamento e perfil de uso da dermatoscopia estão apresentados na tabela 3. O emprego de dermatoscopia na prática dermatológica foi referido pela extensa maioria dos entrevistados (97,7%) e com alta frequência diária. As razões alegadas pelos que não a usam foram falta de confiança na técnica 26% (n=5), não ser bem reembolsado pelos planos de saúde 26% (n=5), indisponibilidade de equipamento no consultório 26% (n=5), falta de treinamento 21% (n=4), por considerar inútil 16% (n=3), por considerar o equipamento caro 16% (n=3), por ser muito demorado 5% (n=1), por não ser necessário para estabelecer o diagnóstico 5% (n=1), por achar que a lupa é suficiente 5% (n=1) e por receber os pacientes já encaminhados para exérese 5% (n=1).
Dados relacionados ao treinamento e perfil de uso da dermatoscopia (n=815)
Variável | Resultado | 95% ICa |
---|---|---|
Usa dermatoscopia – n (%) | 796 (98) | 97‐99 |
Frequência do uso – n (%) | ||
≥ 1× ao dia | 723 (88) | 87‐90 |
≥ 1× por semana | 60 (7) | 6‐9 |
≥ 1× por mês | 20 (3) | 2‐3 |
<1 vez por mês | 12 (2) | 1‐2 |
Técnica de dermatoscopia – n (%) | ||
Luz polarizada | 677 (83) | 81‐85 |
Contato | 320 (39) | 36‐42 |
Dermatoscópio acoplado a câmera digital | 162 (20) | 17‐22 |
Videodermatoscopia | 87 (11) | 9‐13 |
Treinamento de dermatoscopia durante a residência médica – n (%) | 489 (60) | 57‐63 |
Treinamento na residência em relação ao tempo de profissão – n (%) | ||
≤ 10 anos | 355 (91) | 88‐93 |
11‐20 anos | 90 (49) | 42‐55 |
21‐30 anos | 29 (21) | 14‐26 |
> 30 anos | 15 (15) | 8‐21 |
Tipo de atualização em dermatoscopia – n (%) | ||
Livro/atlas | 712 (87) | 85‐89 |
Congresso/conferência | 669 (82) | 79‐84 |
Cursos presenciais | 662 (81) | 78‐83 |
Cursos online | 113 (14) | 12‐16 |
Mentor/tutor | 95 (12) | 10‐14 |
Nenhum | 9 (1) | 1‐2 |
Algoritmo de diagnóstico em lesões pigmentadas – n (%) | ||
Análise de padrões | 515 (63) | 60‐66 |
Nenhum algoritmo em particular | 143 (18) | 15‐20 |
ABCD | 125 (15) | 13‐17 |
Menzies | 18 (2) | 1‐3 |
Sete‐pontos | 14 (2) | 1‐3 |
A frequência de treinamento em dermatoscopia na residência médica foi maior em função do menor tempo de atuação na especialidade (p<0,01).
Os meios formais de atualização em dermatoscopia (livros, cursos presenciais e congressos) foram os mais usados entre os pesquisados. E o algoritmo de diagnóstico de lesões pigmentadas mais empregado foi o de análise de padrões.
A percepção da utilidade da dermatoscopia entre os dermatologistas amostrados está apresentada na tabela 4. Os dermatologistas brasileiros valorizam a utilidade da dermatoscopia para o diagnóstico do melanoma, acompanhamento de lesões melanocíticas e diagnóstico de tumores pigmentados e subvalorizam o diagnóstico de lesões inflamatórias e o seguimento de lesões não melanocíticas (p<0,01).
Percepção dos dermatologistas brasileiros quanto à utilidade da dermatoscopia (n=815)
Variável – n (%) | Útil | Pouco útil | Não é útil |
---|---|---|---|
Diagnóstico do melanoma | 809 (99)a | 5 (1)b | 1 (−)b |
Acompanhamento de lesões melanocíticas | 804 (99)a | 10 (1)b | 1 (−)b |
Diagnóstico de tumores cutâneos pigmentados | 801 (99)a | 12 (1)b | 2 (−)b |
Diagnóstico de tumores cutâneos não pigmentados | 711 (87) | 96 (12)b | 8 (1)b |
Acompanhamento de lesões não melanocíticas | 532 (65)b | 244 (30)a | 39 (5)a |
Diagnóstico de lesões inflamatórias | 345 (42)b | 407 (50)a | 63 (8)a |
Análise de resíduos da tabela de contingência:
ap <0,01 acima do esperado;
bp <0,01 abaixo do esperado.
Valores esperados: útil (90%), pouco útil (9%), não é útil (1%).
A tabela 5 apresenta o percentual de uso da dermatoscopia em tumores e lesões inflamatórias. A frequência de uso de dermatoscopia em tumores pigmentados e não pigmentados foi superior ao das dermatoses inflamatórias (p<0,01).
Porcentagem do uso da dermatoscopia em situações específicas (n=815)
Variável – n (%) | > 70% | 31%‐70% | 11%‐30% | <10% |
---|---|---|---|---|
Tumores pigmentados | 583 (72)a | 192 (24)b | 20 (3)b | 20 (3)b |
Tumores não pigmentados | 464 (57)a | 252 (31)b | 52 (6)b | 47 (6)b |
Lesões inflamatórias | 138 (17)b | 321 (39)a | 169 (21)a | 187 (23)a |
Análise de resíduos da tabela de contingência
Em relação ao grau de confiança no uso da técnica para o diagnóstico de tumores pigmentados, não pigmentados e doenças inflamatórias (tabela 6), observou‐se menor grau de confiança no uso da dermatoscopia nas lesões inflamatórias (p<0,01).
Grau de confiança no uso da dermatoscopia para o diagnóstico de tumores pigmentados, não pigmentados e doenças inflamatórias (n=815)
Variável – n (%) | Confiante | Pouco confiante | Não confiante |
---|---|---|---|
Tumores pigmentados | 630 (77)a | 172 (21)b | 13 (2)b |
Tumores não pigmentados | 516 (63)a | 261 (32)b | 38 (5)b |
Lesões inflamatórias | 209 (26)b | 445 (55)a | 161 (20)a |
Análise de resíduos da tabela de contingência
Em relação à percepção dos associados quanto às vantagens do uso da dermatoscopia em diversas aplicações, os resultados podem ser observados na tabela 7. Quando comparados entre si, há aumento na confiança no diagnóstico clínico, reconhecimento do diagnóstico precoce do melanoma inicial, no monitoramento de lesões, porém parcial percepção da documentação para fins legais, armazenamento de imagens e redução da ansiedade dos pacientes. O aumento de remuneração não foi percebido pelos dermatologistas como uma vantagem do uso da dermatoscopia.
Percepção das vantagens do uso da dermatoscopia segundo as afirmações abaixo (n=815)
Variável – n (%) | Concordo totalmente | Concordo parcialmente | Sou indiferente | Não concordo |
---|---|---|---|---|
Diagnóstico de melanoma em estágio inicial | 730 (90)a | 81 (10)b | 1 (−)b | 3 (−)b |
Permite o monitoramento de lesões | 758 (93)a | 53 (7)b | 1 (−)b | 3 (−)b |
Reduz biópsias ou excisões desnecessárias | 641 (79)a | 158 (19) | 2 (−)b | 14 (2)b |
Aumenta a confiança no diagnóstico clínico | 747 (92)a | 66 (8)b | 1 (−)b | 1 (−)b |
Melhora a forma de armazenamento das imagens | 573 (70) | 173 (21)a | 50 (6) | 19 (2)b |
Reduz a ansiedade do paciente | 498 (61)b | 248 (30)a | 38 (5) | 31 (4)b |
Melhora a documentação para fins legais | 543 (67) | 191 (23)a | 53 (7) | 28 (3)b |
Aumenta a remuneração | 72 (9)b | 215 (26)a | 200 (25)a | 328 (40)a |
Análise de resíduos da tabela de contingência
Ademais, 724 (88%) dos entrevistados acreditam que a dermatoscopia promoveu aumento no número de melanomas diagnosticados em comparação ao exame a olho nu; e 660 (81%) referem que reduziu a excisão de lesões benignas.
DiscussãoEssa foi uma pesquisa estimulada e não randomizada por meio do envio de comunicados eletrônicos a todos os associados da SBD. Apesar disso, houve adequada representação dos associados quanto a sexo, faixa etária e distribuição das regiões do país. Segundo levantamento de 2017, o sexo feminino representa 78% dos associados, a idade mediana é de 43 anos e as regiões Sudeste e Sul do Brasil concentram mais de 75% dos associados.14
De acordo com o total aferido no quesito ambiente em que exerce a dermatologia, percebe‐se que muitos tinham mais do que um único tipo de atuação; a grande maioria (88%) trabalhava em consultórios particulares. Mais de 55% da amostra exerciam a dermatologia havia menos de 15 anos, reflexo de uma sociedade jovem; 27% dos participantes exerciam a especialidade havia menos de cinco anos.
A quantidade total de pacientes atendidos por mês foi bastante heterogênea entre os entrevistados, com uma média de 224 casos. Chama a atenção o fato de metade da amostra ter referido atender menos de 15 casos oncológicos por mês. Com esses dados, temos que o câncer da pele representa apenas 6,6% do total das dermatoses vistas mensalmente pelo dermatologista, o que reflete o interesse por outras áreas da dermatologia que não a oncologia. A personalização da prática dermatológica como cosmiatria, dermatologia pediátrica ou hansenologia pode representar os diferentes impactos da dermatoscopia na realidade individual de cada profissional.
Apenas 60% dos participantes tiveram algum tipo de treinamento em dermatoscopia durante sua formação em dermatologia. Se avaliarmos de uma perspectiva histórica, a dermatoscopia é método relativamente novo. Apesar de ser usada desde 1663 para observação de capilares ungueais, só teve seu uso difundido no fim dos anos 1980, com a descrição da análise de padrões e o desenvolvimento do dermatoscópio manual portátil.15–17 O primeiro consenso sobre a terminologia usada na língua inglesa foi publicado em 1990 e só recentemente tivemos um trabalho que avaliou a reprodutibilidade desses termos na língua portuguesa.18,19 Apesar disso, a frequência do treinamento em dermatoscopia na residência foi maior entre os participantes com menos tempo de formados, evidenciou a gradual incorporação da técnica na formação dos novos especialistas.
As principais razões alegadas pelos que não usam a dermatoscopia foram a falta de confiança em suas habilidades e a falta de treinamento. A grande maioria procurou formação complementar em congressos, conferências, cursos e livros. Tratando‐se de método padrão para condução do câncer da pele e incluído nas atuais diretrizes de prática clínica em diversos países, é fundamental a melhoria do ensino formal dessa técnica nos serviços credenciados da SBD. Todavia, os cursos de atualização oferecidos em simpósios e congressos têm papel importante na atualização principalmente dos que exercem a especialidade há mais tempo.
Entre as razões alegadas pelos que não usam a dermatoscopia, merecem destaque o fato de não ser um procedimento bem reembolsado pelos planos de saúde (26%) e o preço elevado dos equipamentos (16%). Apesar de serem argumentos desprezíveis do ponto de vista científico, refletem uma realidade brasileira e podem sugerir maior atuação da SBD enquanto órgão de classe na valorização de seus procedimentos diagnósticos junto aos órgãos competentes.
O tipo de dermatoscópio predominantemente usado foi o de luz polarizada (83%), o que era esperado dada a portabilidade e a capacidade de ser usado de maneira híbrida (luz polarizada e não polarizada) dos aparelhos atuais.
Quanto à utilidade da dermatoscopia para o dermatologista brasileiro, fica nítida a preferência e o maior grau de confiança no uso em lesões tumorais, principalmente as pigmentadas, e o uso bem menos frequente em quadros inflamatórios. De fato, a dermatoscopia foi alavancada pelo aumento da acurácia no diagnóstico do melanoma; entretanto, o crescente emprego da técnica na tricologia, onicologia e diagnóstico de lesões infecciosas e inflamatórias deve ser promovido para melhorar a assistência dermatológica da população.
Mais de 80% dos entrevistados empregam a análise de padrões ou não usam algoritmos em sua prática diária, o que provavelmente reflete o grau de expertise e um viés de seleção na amostra estudada. Algoritmos simplificados foram desenvolvidos para que não experts também fossem capazes de diagnosticar o melanoma, mesmo à custa de uma baixa especificidade. Para o dermatologista, a análise de padrões é o método que melhor reflete a maneira de interpretar as imagens, além de comprovadamente ser o melhor método para ensinar dermatoscopia para o diagnóstico do melanoma para residentes.20,21
As limitações do estudo referem‐se principalmente à falta de randomização decorrente da adesão espontânea dos dermatologistas convidados, o que pode prejudicar a generalização dos dados; entretanto, isso não impediu que obtivéssemos resultados consistentes.
Estudos de perfis de atendimento e do uso de tecnologias devem ser repetidos periodicamente a fim de subsidiar ações de educação médica dermatológica e compreender as demandas assistenciais dos membros das sociedades dermatológicas.
ConclusãoA dermatoscopia é incorporada na prática clínica da quase totalidade dos dermatologistas brasileiros, principalmente os que têm menos de 50 anos e menos de 20 anos de profissão. Apenas 60% dos dermatologistas brasileiros tiveram treinamento formal em dermatoscopia durante sua formação. O dermatoscópio mais usado no Brasil é o de luz polarizada e o algoritmo diagnóstico mais empregado é a análise de padrões. Na percepção do dermatologista brasileiro, a dermatoscopia traz maior benefício para o diagnóstico de lesões neoplásicas e em especial do melanoma.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresCarlos Baptista Barcaui: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Helio Amante Miot: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.
Julio Costa, do Departamento de TI da SBD.