O pavilhão auricular é alvo frequente de neoplasias malignas. Metade dos tumores localizam‐se na hélice e muitos defeitos envolvem tanto pele quanto cartilagem, o que torna a reconstrução cirúrgica um desafio.1 Neste artigo, descrevemos três casos de carcinomas queratinocíticos em hélice reparados com retalho de avanço condrocutâneo de Antia e Buch.2 A tabela 1 descreve o passo a passo da técnica.
Etapas para execução do retalho de Antia e Buch
1) Antissepsia |
2) Demarcação da margem cirúrgica |
3) Anestesia local e exérese da lesão |
4) Desenho do retalho marcando uma linha no limite anterior à hélice, inferiormente ao defeito, estendendo‐se até o lóbulo, e do triângulo de compensação retroauricular |
5) Incisão linear na face anterior da orelha, ao longo da curvatura da hélice até o lóbulo, incluindo cartilagem, sem transfixar a pele retroauricular. Pode ser desenhado um triângulo de compensação no lóbulo |
6) Descolamento retroauricular sobre a cartilagem com tesoura romba (pedículo do retalho) |
7) Hemostasia |
8) Movimento de avanço do retalho condrocutâneo através da sutura da cartilagem |
9) Ressecção do triângulo de compensação retroauricular |
10) Sutura da pele |
11) Curativo compressivo |
O primeiro paciente apresentava carcinoma espinocelular (CEC) in situ, com 13mm no maior diâmetro, submetido à cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) e removido no primeiro estágio. Já o segundo, tratava‐se de carcinoma basocelular (CBC) infiltrativo, com 8mm no maior diâmetro, removido em dois estágios por meio da CMM. Por fim, o terceiro era um CEC bem diferenciado, com 10mm no maior diâmetro, ressecado pela técnica convencional (fig. 1).
(A), Lesão clínica e delimitação da margem. Desenho do retalho, com triângulo de compensação ao nível do lóbulo auricular. (B), Defeito cirúrgico composto (pele e cartilagem) e incisão linear na face anterior da orelha. (C), Visão posterior do movimento de avanço, após ressecção do triângulo de compensação retroauricular. (D‐E), Sutura por planos e pós operatório imediato. (F), Pós‐operatório tardio.
O planejamento cirúrgico é essencial para a obtenção de bons resultados na abordagem dos tumores da região auricular. Dentre suas peculiaridades, observamos quantidade expressiva de cartilagem, que pode não resistir a distorções secundárias à contratura da cicatriz. Além disso, há risco maior de necrose em decorrência da natureza fina da pele auricular. No caso da hélice, a escolha do reparo é feita com base na localização, no tamanho do defeito e na quantidade de perda cartilaginosa. Pequenos defeitos (< 1‐1,5 cm) são facilmente reconstruídos com excisão em cunha e fechamento primário, diferente dos defeitos maiores, que exigem o emprego de enxertos ou retalhos.
Os enxertos demandam estrutura cartilaginosa preservada, com pericôndrio viável ou perfurações na cartilagem para possibilitar irrigação pelo leito contralateral. Já nos defeitos compostos, a perda estrutural da margem da hélice requer cartilagem e pele para seu reparo, que pode ser realizada pelas seguintes técnicas: enxerto composto proveniente do pavilhão auricular contralateral; retalhos interpolados com utilização de cartilagem; retalho condrocutâneo.1,3‐5 O último é frequentemente utilizado e pode ser realizado por meio da incisão da pele em apenas uma superfície da orelha e cartilagem, como descrito por Antia e Buch, ou por incisão de espessura total incluindo pele das duas superfícies e cartilagem (fig. 2).
(A), Retalho condrocutâneo clássico. (A.1), Defeito helicoidal, linhas tracejadas indicam incisões na pele e cartilagem. (A.2), Incisão na face anterior da orelha, incluindo cartilagem, sem transfixar a pele retroauricular. (A.3), Movimento de avanço e sutura da cartilagem. (A.4), Sutura da pele. (B), Retalho condrocutâneo de espessura total. (B.1), Defeito helicoidal. (B.2), Incisão na face anterior e posterior da orelha, incluindo cartilagem, transfixando pele retroauricular. (B.3), Movimento de avanço. (B.4), Sutura por planos.
O retalho condrocutâneo foi retratado pela primeira vez por por Antia e Buch, em 1967. O princípio do procedimento é um avanço de pele e cartilagem da porção intacta da hélice adjacente ao defeito, com base em um pedículo retroauricular amplo e seguro, com maior preservação da vascularização da artéria auricular posterior.2 No entanto, a forma clássica perdeu destaque, pois desde o relato inicial diversas modificações foram realizadas ‐ inclusive com a incisão da linha de transição da hélice ao dorso da orelha, limitando a irrigação por restringir o pedículo apenas à porção inferior do retalho, com risco de comprometimento da vascularização local.
Portanto, o retalho de Antia e Buch, apesar de descrito há mais de 50 anos, mantém seu papel em meio às técnicas de reconstrução da hélice, e seu conhecimento é importante ao cirurgião dermatológico. Trata‐se de método eficaz, seguro, executado em uma única etapa e com a vantagem adicional de manter a vascularização local, diminuindo o risco de necrose.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresPaula Hitomi Sakiyama: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Thiago Augusto Ferrari: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Raíssa Rigo Garbin: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Roberto Gomes Tarlé: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Sakiyama PH, Ferrari TA, Garbin RR, Tarlé RG. Old but gold – Antia and Buch chondrocutaneous advancement flap for helical reconstruction: a series of cases. An Bras Dermaol. 2022;97:835–7.
Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital Santa Casa de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil.