Relatamos o caso de uma criança de 4 anos, em acompanhamento havia três anos, portadora de placas normocrômicas encimadas por agrupamento de aberturas foliculares preenchidas de ceratina, comedo‐símiles, ao longo de grande extensão do dimídio direito: região cervical, retroauricular, tronco, região glútea, membro inferior e pé.
As lesões se dispunham ao longo das linhas de Blaschko (figs. 1 e 2). À dermatoscopia, tampões ceratóticos agminados evidenciaram‐se com maior nitidez (fig. 3). As lesões estavam presentes ao nascimento; as da região cervical eram frequentemente acometidas por inflamação e infecção secundária, demandando recorrentes ciclos de antibioticoterapia oral durante o seguimento e remoção cirúrgica da porção inflamada. A criança apresentava desenvolvimento neuropsicomotor adequado para a idade, sem queixas relacionadas a outros sistemas e sem história familiar de doenças relevantes. Não apresentava acometimento ocular, neurológico ou esquelético.
O nevo comedônico é um tipo de nevo epidérmico raro, caracterizado por alteração de desenvolvimento envolvendo a unidade pilossebácea. As regiões mais frequentemente afetadas são a face, o pescoço e o tronco. Acomete ambos os sexos igualmente, pode ser congênito e, na maioria dos casos, apresenta‐se em crianças antes dos 10 anos de idade.1 Desperta interesse pela escassez de casos relatados na literatura e a variedade de apresentações clínicas, seja como lesão isolada ou casos extensos.
O primeiro relato de nevo comedônico foi descrito em 1875 por Kofmann e cerca de pouco mais de 200 casos foram reportados na literatura desde então.2 Alguns autores dividem os nevos comedônicos em dois grupos: não inflamatório, constituído por lesões comedonianas assintomáticas, com repercussão puramente estética, e inflamatório, mais raro, com quadros mais exuberantes, cistos inflamatórios e infecções de repetição, como no caso apresentado.3
O diagnóstico do nevo comedônico é usualmente clínico, podendo ter o auxílio da dermatoscopia, principalmente para a diferenciação com outros nevos epidérmicos, como o nevo sebáceo.1 Na histologia, evidenciam‐se infundíbulos foliculares dilatados e alongados com conteúdo córneo lamelar e basófilo.
Essa afecção hamartomatosa rara pode estar associada a síndromes genéticas com repercussões em outros sistemas; é importante investigar alterações esqueléticas, oculares e do sistema nervoso central, as quais, se presentes, configuram a síndrome do nevo comedônico.4 Apesar da extensão das lesões no paciente reportado, ao longo das linhas de Blaschko, sugerindo padrão mosaico, não se identificou nenhuma alteração sistêmica associada.
O tratamento pode ser tópico com uso de emolientes, corticoides em lesões inflamatórias e agentes ceratolíticos. O uso de tretinoína tópica tem sido relatado, porém com dados limitados em relação à eficácia.4 A isotretinoína oral mostrou‐se ineficaz na maioria dos pacientes, mas pode ser uma opção em casos disseminados.3 Há também alguns relatos esporádicos de tratamentos com laser com resposta parcial.5 A exérese cirúrgica é opção excelente em lesões localizadas. Embora no caso apresentado as lesões fossem extensas, acometendo o dimídio direito, apenas as localizadas na região cervical se comportavam com inflamação e infecção, o que possibilitou abordagem cirúrgica dessa área sintomática e mais restrita, com boa resposta.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresGessica Ramos Barroso Diniz: Obtenção dos dados; redação do artigo ou revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; aprovação final da versão a ser submetida.
Flávia Vasques Bittencourt: Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; aprovação final da versão a ser submetida.
Conflito de interessesNenhum.