A necrobiose lipoídica (NL) é dermatose granulomatosa rara, de origem ainda desconhecida, frequentemente relacionada ao diabetes mellitus (DM).1,2 A forma perfurante da necrobiose lipoídica (NLP) é ainda mais infrequente e afeta principalmente adultos entre 30 e 60 anos, particularmente mulheres. A lesão clínica consiste em placas coalescentes, de vários diâmetros, na clássica localização da NL. A presença de plugs queratóticos, que deixam pequenas depressões no tecido quando removidos, é característica.2 Histologicamente, há a eliminação do material necrobiótico pelo canal folicular, além dos granulomas “em paliçada” com necrobiose do colágeno.
Relatamos o caso de um paciente masculino de 65 anos, que referia surgimento de pápulas e placas inicialmente no antebraço direito havia um ano e, três meses depois, na região escapular e perna direita, com pústulas, edema e eritema até terço proximal de perna direita, acompanhadas por discreto prurido e desconforto no local. Paciente com hipertensão arterial e transtorno depressivo, em uso de losartana, fluoxetina e diosmina. Ex‐tabagista, negava etilismo e demais comorbidades. Ao exame dermatológico, apresentava placas eritematosas, infiltradas, de aspecto anular, com áreas ulcerada e fibrina em seu interior, em ambas as pernas, pé direito e braço direito (fig. 1). Exames sorológicos negativos, glicemia de jejum dentro da normalidade. Baciloscopia para hanseníase negativa. Pesquisa e cultura para Histoplasma capsulatum, Paracoccidioides brasiliensis e demais fungos negativas. Radiografia de tórax, perna e pé direitos sem alterações. No exame histopatológico, observou‐se granuloma em paliçada, constituído por histiócitos epitelioides e células gigantes multinucleadas, centrados por necrose fibrinoide com alguns neutrófilos e sinais de dano vascular na derme. Na amostra da região escapular esquerda, havia área de perfuração epidérmica que se comunicava à área do granuloma (fig. 2). A pesquisa para fungos e BAAR pelas colorações histoquímicas de PAS, Grocott e Ziehl‐Neelsen e de M. tuberculosis por reação em cadeia da polimerase (PCR) resultou negativa. O paciente fazia uso de rifampicina 300mg de 12/12 horas e clindamicina 300mg 12/12 horas por 10 semanas, apresentou melhoria parcial das lesões. Com isso, optou‐se por iniciar prednisona 20mg ao dia, metotrexato 20mg/semana, ácido fólico 10mg/semana e curativo hidratante com alginato de cálcio e sódio e clobetasol diariamente. Em dois meses de evolução, o paciente apresentou pouca melhoria; optou‐se por iniciar injeções de adalimumabe 40mg semanalmente. Após cinco meses de evolução, o paciente apresentou melhoria significativa das lesões, permaneceu apenas com aspecto cicatricial (fig. 3).
O tratamento da NL e da NLP é difícil e muitas vezes frustrante,2 baseado no relato de poucos casos pela raridade da doença. A literatura descreve um arsenal terapêutico amplo, que vai desde tratamentos locais, como tacrolimus, a PUVA, terapia fotodinâmica e medicamentos anti‐inflamatórios sistêmicos e imunomoduladores; nesse contexto, os inibidores do TNF‐α mostram boa efetividade ao controlar a formação dos granulomas.1,2 O adalimumabe é um anticorpo monoclonal que se liga ao TNF‐α solúvel para impedir sua interação com os receptores do TNF nas superfícies celulares; com isso, fixa o complemento e induz a apoptose em células que expressam TNF in vitro.3 Um estudo de caso de Zhang et al. tratou NL em uma mulher de 29 anos por 12 meses com etanercepte e adalimumabe injetáveis, porém registrou melhoria mais significativa com etarnercepte, sem efeitos colaterais relatados. Já Chung et al. apresentaram caso de paciente com artrite reumatoide que desenvolveu lesão de NL, mesmo em uso de adalimumabe, tratada com corticoide tópico e intralesional, e optaram por manter a medicação, com melhoria das lesões.4 Leister et al. também demostraram o caso de um paciente de 71 anos com NL com melhoria completa após 12 semanas de uso do adalimumabe, que fez 15 meses de tratamento e obteve resposta sustentada até cinco meses após o término desse, quando foram publicados os resultados.5 Nosso paciente apresentou melhoria após cinco meses em uso do adalimumabe sem efeitos colaterais até o momento, um ano e meio após o início da medicação. Diante desses casos, juntamente com nosso relato, é possível compreender o papel complexo do TNF‐α no recrutamento de histiócitos e na formação de granulomas, o que poderá ajudar a concentrar futuros tratamentos prospectivos de NL nesse subconjunto de pacientes.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresAlexandra Brugnera Nunes de Mattos: Elaboração e redação do manuscrito, participação efetiva na orientação da pesquisa, revisão crítica do manuscrito.
Carolina Finardi Brummer: Concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, participação efetiva na orientação da pesquisa.
Gabriela Di Giunta Funchal: Revisão crítica da literatura, revisão crítica do manuscrito.
Daniel Holthausen Nunes: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.
Ao paciente.
Como citar este artigo: Nunes de Mattos AB, Brummer CF, Funchal GDG, Nunes DH. Perforating necrobiosis lipoidica: good response to adalimumab. An Bras Dermatol. 2019;94:769–71.
Trabalho realizado no Hospital Universitário Polyodoro Ernani de São Thiago, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.