A localização peniana da doença de Bowen pigmentada foi raramente relatada e tem sido principalmente relacionada à infecção pelo papilomavírus humano. O diagnóstico e o tratamento precoces são importantes para prevenir a progressão para carcinoma de células escamosas invasivo. Entretanto, o diagnóstico pode ser desafiador, pois pode ser difícil distingui‐lo do melanoma, mesmo utilizando a dermatoscopia. A microscopia confocal de reflectância pode ser útil para sugerir o diagnóstico in vivo antes da confirmação histopatológica. Um caso de doença de Bowen peniana pigmentada é descrito juntamente com os achados de dermatoscopia e microscopia confocal de reflectância e sua correlação com a histopatologia.
Um homem caucasiano de 34 anos de idade apresentou‐se com uma lesão acastanhada na haste peniana que havia aparecido cerca de dois anos antes e que aumentou lentamente. O exame clínico revelou a presença de uma mácula arredondada, irregularmente pigmentada, medindo 1,8 × 1,2cm (fig. 1A). A dermatoscopia de luz polarizada (Illuco IDS‐1100®, Tre T Medical, Camposano, Itália) mostrou pigmentação acastanhada irregular, múltiplos pontos marrom‐acinzentados, glóbulos e áreas esbranquiçadas sem estrutura (fig. 1B). A microscopia confocal de reflectância (MCR) com aparelho portátil (Vivascope 3000®, Mavig GmbH, Munique, Alemanha) mostrou paraceratose, um padrão em favo de mel irregular e desordenado e células dendríticas brilhantes esparsas na camada granulosa; além disso, várias células nucleadas arredondadas e brilhantes com aparência targetoide eram visíveis em toda a epiderme (fig. 2A). A junção dermoepidérmica (JDE) estava preservada, com a presença de papilas dérmicas bem definidas, circundadas por anéis hiper‐refráteis (“papilas bem definidas”). Na derme papilar, um aumento do fluxo sanguíneo e múltiplas células roliças e brilhantes foram detectadas (fig. 2B).
Microscopia confocal de reflectância mostrando (A), um padrão em favo de mel irregular e desordenado e várias células nucleadas arredondadas e brilhantes com aparência targetoide (setas) na epiderme, e (B), papilas bem definidas e múltiplas células brilhantes e roliças na derme papilar.
A lesão foi excisada e o exame histopatológico revelou hiperceratose, paraceratose, acantose, maturação anormal dos ceratinócitos, nucléolos proeminentes e células disceratóticas em todos os níveis do epitélio. Na derme superficial foram observados vasos ectásicos, infiltrado linfo‐histiocitário moderado e melanófagos (fig. 3A). A análise imuno‐histoquímica mostrou que as células dendríticas brilhantes observadas na MCR eram células de Langerhans CD1a positivas, enquanto a imunomarcação com Melan‐A não mostrou melanócitos atípicos mas sim hiperpigmentação dos ceratinócitos da camada basal (fig. 3B e C). A imunomarcação para p16, indicativa de infecção por papilomavírus humano (HPV) de alto risco, foi positiva.
(A), Histopatologia mostrando características atípicas na epiderme que consistem em maturação anormal dos ceratinócitos, nucléolos proeminentes e muitas células disceratóticas (setas). Na derme superficial, vasos ectásicos, infiltrado linfohistiocítico moderado e melanófagos podem ser observados (Hematoxilina & eosina, 150×). (B), Na análise imuno‐histoquímica, células de Langerhans CD1a+ podem ser observadas (imuno‐histoquímica, 200×). (C), A imunomarcação com Melan‐A não mostrou melanócitos atípicos. A hiperpigmentação dos ceratinócitos da camada basal é evidente (imuno‐histoquímica, 150×).
O diagnóstico final foi doença de Bowen pigmentada associada ao HPV.
DiscussãoA doença de Bowen representa uma variante in situ do carcinoma de células escamosas cutâneo. A doença de Bowen pigmentada é um subtipo raro, responsável por 2% a 5% de todos os casos.1,2 Ela se manifesta como uma mácula hiperpigmentada, bem definida e de crescimento lento, com superfície plana, lisa ou escamosa, e é reconhecida como um simulador de melanoma.1,2 A localização peniana da doença de Bowen pigmentada raramente foi relatada e está principalmente relacionada à infecção por HPV.
As características dermatoscópicas da doença de Bowen pigmentada peniana são semelhantes às observadas fora da área genital: pigmentação acastanhada irregular, áreas sem estrutura (azuis/pretas, hipopigmentadas, rosa‐acinzentadas ou cor da pele) e pontos/glóbulos marrom‐acinzentados.3–6 Vasos glomerulares também podem ser observados. A dermatoscopia pode ajudar no diagnóstico diferencial com outras lesões que simulem a doença de Bowen pigmentada, como melanose, ceratose seborreica plana e carcinoma basocelular superficial, mas nem sempre pode descartar o melanoma, pois podem compartilhar características semelhantes.
Alguns estudos relataram as características da doença de Bowen pigmentada não genital na MCR e suas correlações histopatológicas.2,7–9 Elas consistem principalmente em paraceratose, padrão em favo de mel irregular (indicativo de atipia e pleomorfismo nuclear de ceratinócitos), papilas “bem definidas” (devido à hiperpigmentação dos ceratinócitos da camada basal) e vasos em espiral nas papilas dérmicas. Outros achados observados são representados por células nucleadas arredondadas, muitas vezes com aparência targetoide em toda a epiderme (correspondendo a ceratinócitos disceratóticos), células dendríticas fusiformes, hiper‐refráteis intraepidérmicas (correspondendo a células de Langerhans na imunomarcação) e células brilhantes roliças na derme papilar (correspondendo aos melanófagos).2,7–9 Deve‐se destacar que as células dendríticas podem representar um achado confundidor, pois também podem corresponder a melanócitos atípicos e podem levar ao diagnóstico incorreto de melanoma,9 e que o diagnóstico diferencial de melanófagos com células pigmentadas da doença de Bowen pode não ser fácil por causa da desorganização da epiderme e da forte pigmentação das células tumorais.
Em um caso de carcinoma de células escamosas in situ não pigmentado do pênis relatado anteriormente, a MCR mostrou um padrão desordenado do epitélio, com muitas células dendríticas hiper‐refráteis.10 Que seja de nosso conhecimento, o presente caso representa a primeira descrição de MCR da doença de Bowen pigmentada no pênis. Foram observadas as mesmas características descritas anteriormente na doença de Bowen pigmentada não genital, confirmando, assim, o valor da MCR para o diagnóstico correto, estreitando o diagnóstico diferencial com lesões pigmentadas benignas e malignas clinicamente semelhantes, incluindo melanoma.2
O diagnóstico precoce e o tratamento da doença de Bowen peniana são importantes para prevenir a progressão para carcinoma de células escamosas invasivo, o que pode ocorrer em até 30% dos casos, e a necessidade de cirurgia mutiladora extensa.5 Entretanto, o diagnóstico pode ser desafiador, pois pode ser difícil distingui‐lo do melanoma, mesmo utilizando a dermatoscopia. A MCR pode ser útil para sugerir o diagnóstico in vivo antes da confirmação histopatológica, embora mais estudos em séries maiores sejam necessários para validar a sensibilidade e a especificidade desse método.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresFrancesco Lacarrubba: Contribuição intelectual na concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; redação ou revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Anna Elisa Verzì: Contribuição intelectual na concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; redação ou revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Rosario Caltabiano: Contribuição intelectual na concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; redação ou revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Giuseppe Micali: Contribuição intelectual na concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; redação ou revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Lacarrubba F, Verzì AE, Caltabiano R, Micali G. Bowen's disease of the penile shaft presenting as a pigmented macule: dermoscopy, reflectance confocal microscopy and histopathological correlation. An Bras Dermatol. 2021;96:609–12.
Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia, University of Catania, Catania, Itália.