A homocisteína é um aminoácido intermediário derivado do metabolismo da metionina em cisteína com demonstrada associação ao estresse oxidativo e dano endotelial.1
A hiper‐homocisteinemia pode ser causada por distúrbios genéticos em vias metabólicas, deficiência nutricional, insuficiência renal, hipotireoidismo, diabetes e tabagismo.1–3 Representa um importante fator de risco para mortalidade cardiovascular em pacientes com história de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, angina, diabetes ou hipertensão.2
Paciente do sexo masculino, negro, 60 anos de idade, iniciou acompanhamento com a Dermatologia em 2011 em decorrência de sintomas de xerose e edema de membros inferiores nos últimos oito anos. Na ocasião, foi realizada biópsia que evidenciou espessamento da epiderme, acantose, alongamento dos sulcos e depósitos de mucina dérmica. A impregnação com ferro coloidal foi positiva, e a coloração para vermelho do Congo se demonstrou negativa; o diagnóstico clínico‐patológico foi de mixedema pré‐tibial.
O paciente evoluiu com tromboflebite no membro inferior esquerdo, com ausência de trombose venosa profunda. Optou‐se pelo início de antibioticoterapia terapêutica para erisipela e, posteriormente, foi prescrita penicilina benzatina intramuscular profilática a cada 21 dias. Cuidados tópicos foram realizados com o uso de curativos à base de colagenase e cloranfenicol.
Durante a evolução, houve períodos de cicatrização intercalados com piora. Em 2018, após a disponibilização dos testes de trombofilia na instituição de saúde, realizou‐se um painel de estados hipercoaguláveis: dosagens de proteína C e S, antitrombina, complemento total e C3, gene da protrombina, mutação do fator de Leiden, anticorpos anticardiolipina e lúpico, eletroforese de proteínas e FAN, os quais estavam todos dentro da faixa de normalidade. Dentro dos resultados séricos alterados, foram observados níveis séricos de homocisteína de 17,8μmoL/L (faixa normal: 5 e 12μmoL/L) e a heterozigotia nos segmentos C677T e A1298C para mutação metilenotetra‐hidrofolato redutase (MTHFR).
Nova biópsia cutânea (fig. 1) e ultrassonografia com Doppler do membro inferior esquerdo foram realizados. Em termos histopatológicos, apresentaram‐se com fibroplasia, vasos neoformados associado a infiltrado linfocítico inflamatório com exsudato de neutrófilos na derme. Ao exame ultrassonográfico, foram identificadas varizes, incontinência da veia safena magna e poplítea associada a tromboflebite recanalizada da veia safena magna.
O início do tratamento deu‐se com o uso de complexo de vitamina B e ácido fólico por via oral, além da manutenção dos curativos diários.
Em seis meses, observou‐se melhora dos níveis séricos de homocisteína para 16,2μmoL/L e cicatrização das lesões dermatológicas (figs. 2 e 3).
No seguimento posterior de um ano, o paciente não apresentou novas úlceras.
As alterações vasculares induzidas pela hiper‐homocisteinemia são multifatoriais, incluindo dano ao endotélio, aumento da peroxidação lipídica e da agregação plaquetária.1 O dano ao vaso é resultado de um processo inflamatório que causa a adesão de neutrófilos e células T às células endoteliais, com liberação posterior da citocina IL‐8 e proteína quimioatrativa de monócitos‐1.1
A enzima MTHFR catalisa a etapa de metiltetra‐hidrofolato necessário para a ressíntese de metionina a partir de homocisteína.3 Essa via metabólica tem a participação do cofator vitamina B12 e ácido fólico.4
O gene MTHFR tem pelo menos dois polimorfismos funcionais, 677CT e 1298AC.3 O primeiro alelo está associado à redução da atividade enzimática, concentrações no soro, plasma e glóbulos vermelhos e aumento da concentração de homocisteína no plasma.3
A hiper‐homocisteinemia é encontrada nos casos de dermatite e úlcera por estase, mostrando que pode estar associada à patogênese.1,5 A suplementação com vitamina B6, B12 e ácido fólico pode diminuir os níveis de homocisteína, mesmo em pacientes com concentrações séricas normais de vitamina.1,3
O presente caso deve alertar os médicos sobre estados hipercoaguláveis em pacientes com úlcera de pernas com menos de 50 anos de idade, bem como a necessidade de abordagem diferenciada na progressão de úlceras de extremidades inferiores.
Os autores defendem que a investigação laboratorial de homocisteína deve ser lembrada no diagnóstico diferencial em casos de úlceras de membros inferiores.4
A redução da homocisteína utilizando a reposição de certos suplementos vitamínicos selecionados pode ser a direção futura da prevenção do desenvolvimento da doença.1,3
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresBeatrice Abdalla: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Renan Tironi Giglio de Oliveira: Elaboração e redação do manuscrito.
Rafaela Issa Afonso: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Paulo Ricardo Criado: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.