A resina toluenossulfonamida‐formaldeído (RTS‐F), utilizada nos esmaltes de unha desde 1939, tem como função promover durabilidade, aderência e aumento do brilho. Representa, no entanto, um potente alérgeno, já que sua estrutura química não é alterada com a mudança de estado físico. Dessa maneira, a RTS‐F no esmalte seco pode continuar sensibilizando localmente, além de produzir dermatite alérgica de contato (DAC) ectópica, principalmente na face (pálpebras, perioral e mento) e na região cervical. Em décadas anteriores, a RTS‐F mostrou‐se frequente e relevante nos testes de contato em todo o mundo. Dados de 2001 a 2016 do North American Contact Dermatitis Group (NACDG) revelaram que 2% dos 38.775 pacientes submetidos a testes de contato no período resultaram de dermatite de contato alérgica ou irritativa a produtos usados nas unhas. Entre esses casos, 273/755 (36,2%) eram por RTS‐F.1
No Brasil, embora a RTS‐F não esteja entre as 30 substâncias da série padrão, está presente na bateria complementar de cosméticos, usada em nosso meio há cerca de 20 anos. Além disso, a RTS‐F também consta como um dos alérgenos da mais recente bateria brasileira ampliada.
Trabalhos nacionais mostraram frequências de positividade da RTS‐F de 14% a 29% entre todos os testes de contato realizados concomitantemente com a bateria padrão e a de cosméticos.2 Isso poderia ser justificado pelo grande consumo de esmaltes no mercado brasileiro, que ocupa o segundo lugar no mundo nessa categoria, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, segundo a Anvisa.3 Pesquisas mostram que em torno de 27% das mulheres brasileiras mudam a cor do esmalte de unhas pelo menos uma vez por semana.3
No entanto, estudos de outros países têm demonstrado que a frequência de sensibilização pela RTS‐F tem decaído nos últimos anos e, paralelamente, outras substâncias presentes nos esmaltes têm se tornado alérgenos comuns. Para demonstrar a relevância desse fato em nosso meio, foi realizado o presente estudo, com a pesquisa retrospectiva dos dados referentes aos testes de contato positivos para RTS‐F entre janeiro de 2011 e dezembro de 2022, os quais foram coletados a partir das planilhas utilizadas no serviço. Os resultados foram submetidos à análise estatística por meio do teste do Qui‐Quadrado Mantel‐Haenszel (para demonstrar se houve tendência linear de queda dos valores obtidos).
No período foram realizados 1.280 testes de contato, dos quais 681 foram testados para RTS‐F (53,2%) por suspeita de DAC por cosméticos. Para a realização dos testes foram usadas, até o ano de 2021, a bateria padrão brasileira associada à série complementar de cosméticos e, a partir de 2022, a bateria brasileira ampliada (esta última utilizada em todos os pacientes submetidos a testes de contato no serviço durante o ano).
Entre os pacientes do grupo testado para RTS‐F, 65 (9,5%) apresentaram testes positivos. Desses, 58 (89,2%) apresentavam relevância no momento do teste de contato e sete (10,8%) tinham relevância prévia. Entretanto, ao analisar os dados da tabela 1 e da figura 1, nota‐se o número decrescente de testes positivos para essa substância no decorrer dos anos. A análise dos resultados demonstrou a alteração significante das reações positivas nos anos analisados, com tendência linear de queda das proporções dos percentuais estudados (p <0,0001).
Distribuição dos testes de contato para RTS‐F entre os anos de 2011 e 2022
Ano | Pacientes testados para RTS‐F (n) | Reações positivas (n/%) | Reações relevantes atuais (n/%) | Reações com relevância anterior (n/%) |
---|---|---|---|---|
2011 | 42 | 16 (38) | 16 (38) | 0 (0) |
2012 | 32 | 5 (15,6) | 5 (100) | 0 (0) |
2013 | 25 | 10 (40,0) | 10 (100) | 0 (0) |
2014 | 74 | 11 (14,9) | 11 (100) | 0 (0) |
2015 | 92 | 6 (6,5) | 5 (83,4) | 1 (20) |
2016 | 43 | 4 (9,3) | 3 (75) | 1 (33,4) |
2017 | 40 | 2 (5,0) | 2 (100) | 0 (0) |
2018 | 17 | 2 (11,8) | 2 (100) | 0 (0) |
2019 | 52 | 2 (3,8) | 1 (50) | 1 (50) |
2020 | 30 | 1 (3,4) | 0 (0) | 1 (100) |
2021 | 94 | 3 (3,2) | 0 (0) | 3 (100) |
2022 | 140 | 3 (2,1) | 3 (2,1) | 0 (0) |
Total | 681 | 65 (9,5) | 58 (89,2) | 7 (10,8) |
Qui‐Quadrado Mantel‐Haenszel, p <0,0001.
RTS‐F, resina toluenosulfonamida‐formaldeído.
Esse fato poderia ser atribuído a algumas hipóteses: 1) maior conhecimento das características da DAC ao esmalte de unha por médicos e população leiga, o que levaria ao rápido “diagnóstico” e, portanto, cura da dermatite, sem realizar os testes de contato; 2) maior variedade de esmaltes de unha sem RTS‐F disponíveis no mercado, como observado pelos autores com a prática de checar todos os rótulos dos produtos trazidos pelos pacientes.
Um estudo semelhante realizado na Austrália em 2018 revelou frequência decrescente de testes positivos para RTS‐F, porém com porcentagens menores que as encontradas em nosso meio. É evidente que esse alérgeno ainda é relevante no Brasil, mesmo com as quedas em frequência nos últimos anos, provavelmente pelo hábito cultural de esmaltar as unhas semanalmente. A incorporação da RTS‐F na série brasileira ampliada, que deverá ser usada em todos os pacientes submetidos a teste de contato, possibilitará a real dimensão de sua frequência de sensibilização na população geral.4
Embora as dermatites de contato que ocorrem na face e na região cervical classicamente sejam associadas aos esmaltes, há outros diagnósticos diferenciais. Estudo retrospectivo realizado sobre dermatites de contato nas pálpebras revelou outros alérgenos, como a metilisotiazolinona e as fragrâncias, presentes em cosméticos variados (p. ex., xampus). Clinicamente, as lesões causadas por DAC a esmaltes são comumente unilaterais, localizadas nas pálpebras, mento e região cervical, enquanto as causadas por xampu e cosméticos aplicados diretamente na face são bilaterais e simétricas. De qualquer modo, o diagnóstico nem sempre é óbvio, sendo necessária a confirmação pelos testes de contato.5
Além disso, outros sensibilizantes em potencial presentes nos esmaltes podem ser causadores de DAC, como ftalatos, acrilatos e nitrocelulose, o que também reforça a necessidade de investigação adequada dos casos.
Outra questão a ser pontuada é sobre as rotulagens dos produtos, que nem sempre seguem uma padronização. Uma publicação brasileira mostrou que muitos esmaltes ditos “hipoalergênicos” continham substâncias potencialmente alergênicas na composição.6 Outro estudo americano de 2018 evidenciou que não havia uniformidade nos rótulos dos esmaltes hipoalergênicos entre as marcas avaliadas.7
O presente estudo, apesar de mostrar resultados de um único centro, sugere tendência de queda na frequência de testes positivos para RTS‐F nos últimos 10 anos (de 16% para 2,1%), embora essas porcentagens ainda sejam altas se comparadas às de outros países. Assim, evidencia‐se a necessidade de mais estudos para determinar a real importância da RTS‐F como alérgeno a ser acrescentado na série padrão ou permanecer como parte de uma complementar.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresRosana Lazzarini: Conceito do estudo, análise e interpretação dos dados; participação intelectual na propedêutica e terapêutica dos casos; revisão crítica do conteúdo; aprovação final do manuscrito.
Bruna Barravieira Masselli: Coleta de dados; revisão crítica do conteúdo; aprovação final do manuscrito.
Mariana de Figueiredo da Silva Hafner: Análise e interpretação dos dados; participação intelectual na propedêutica e terapêutica dos casos; revisão crítica do conteúdo; aprovação final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.