Embora a pandemia da COVID‐19 significantemente induza a mortalidade, muitos dos pacientes que se recuperam apresentam outros problemas médicos, como alopecias. O eflúvio telógeno é uma alopecia comum que geralmente está relacionada a eventos anteriores, como doenças febris agudas, incluindo a COVID‐19.
ObjetivoAvaliar as características do eflúvio telógeno na COVID‐19.
MétodoEste estudo transversal foi realizado em 526 pacientes com eflúvio telógeno documentado que se recuperaram da COVID‐19. Dados demográficos, alopecia concomitante, distúrbios associados e gravidade da COVID‐19 foram registrados. Os dados foram analisados por métodos estatísticos apropriados.
ResultadosA média de idade dos 526 pacientes (410 mulheres, 116 homens) foi de 30,97 ±9,592 anos, com média de 7,65±1,739 semanas de início da alopecia. A deficiência de vitamina D (24,3%), presença de alopecia androgenética (78,2%) e gravidade de COVID‐19 grau III foram os achados mais comuns. O início da alopecia foi significantemente mais rápido em indivíduos mais jovens, do sexo feminino, com hipotireoidismo e infecção por coronavírus mais grave. A infecção por coronavírus de grau mais elevado foi observada significantemente em indivíduos do sexo masculino, mais idosos, de início precoce e com alopecia androgenética.
Limitações do estudoEstudo unicêntrico considerando variáveis limitadas.
ConclusãoEmbora a infecção pelo SARS‐CoV‐2 possa ser um fator importante na indução do eflúvio telógeno, outros fatores, como doenças associadas, ingestão de medicamentos e estresse emocional também podem estar envolvidos. Nos casos de início precoce da alopecia, doenças concomitantes como hipotireoidismo e infecções graves pelo coronavírus podem ocorrer. Portanto, a presença de vários fatores na indução do eflúvio telógeno deve ser considerada.
No final de 2019, um coronavírus, isto é, a síndrome respiratória aguda grave causada pelo coronavírus 2 (SARS‐CoV‐2), causou a doença do coronavírus‐2019 (COVID‐19). Essa doença gerou crises de saúde pública em todo o mundo, acarretando uma pandemia em curso na maioria dos países, com taxa de mortalidade de 3 a 4%.1,2
Embora a COVID‐19 geralmente esteja associada a doenças respiratórias leves a graves na fase aguda, alguns pacientes que se recuperam da doença queixam‐se de sinais e sintomas dermatológicos, como alopecia, várias semanas após a fase de recuperação.3–6
O eflúvio telógeno (ET) é uma forma comum de alopecia, na qual muitos fatores estão implicados. Doenças febris agudas, como infecções virais, incluindo a COVID‐19, ocasionalmente estão envolvidas na patogênese do ET.6–11
Além da doença febril aguda, outros fatores podem estar envolvidos na indução do ET na COVID‐19, como estresse emocional, ingestão de alguns medicamentos, hospitalização, doenças associadas, problemas nutricionais e perda ponderal.
Em razão do surto pandêmico de COVID‐19 e sua correlação com ET, avaliamos as características do ET nos pacientes que se apresentaram em nossa clínica dermatológica após melhorarem da COVID‐19.
MétodoPopulação do estudoTrata-se de estudo transversal, realizado em 526 pacientes com ET documentado, que se recuperaram da COVID‐19, na clínica de dermatologia Hajdaie em Kermanshah, Irã, durante 12 meses em 2020.
Os pacientes com ET clinicamente documentado após recuperação da COVID‐19 foram incluídos em nosso estudo. Aqueles com problemas psicológicos, doenças sistêmicas graves, consumo recente de medicamentos diferentes dos usados no tratamento da COVID‐19, pacientes em fase de pós‐parto e os recuperados de COVID‐19 há mais de 6 meses foram excluídos do estudo.
Após obter o consentimento informado por escrito, foram registrados no questionário os dados demográficos, a Duração do Início da Queda de Cabelo Após Melhora (DIQCAM), a gravidade da COVID‐19, outros tipos concomitantes de alopecia e a avaliação laboratorial.
O comitê de ética da Kermanshah University of Medical Sciences aprovou nosso estudo (IR.KUMS.REC.1398.674). As informações de todos os pacientes foram mantidas em sigilo.
Documentação da COVID‐19 e classificação de gravidadeForam incluídos no estudo os pacientes com COVID‐19 diagnosticados por avaliação de PCR ou que apresentaram sintomas respiratórios e contato próximo com pacientes com COVID‐19. A COVID‐19 foi classificada de acordo com a gravidade dos sinais e sintomas como Grau I (pacientes que apresentaram sinais ou sintomas leves a moderados consistentes com doença semelhante à influenza), Grau II (pacientes que apresentaram sinais ou sintomas moderados a graves consistentes com doença semelhante à influenza sem hospitalização), Grau III (pacientes que apresentaram sinais ou sintomas moderados a graves consistentes com doença semelhante à influenza e hospitalização em uma enfermaria comum), Grau IV (pacientes que apresentaram sinais ou sintomas graves consistentes com doença semelhante à influenza e internação em enfermaria de unidade de tratamento intensivo [UTI], sem intubação respiratória), e Grau V (pacientes internados em enfermaria de UTI com intubação respiratória e conexão a ventilador).
Análise dos dadosA análise dos dados foi feita com o software SPSS 16.0. As tabelas de frequência (frequência e porcentagem) foram utilizadas para resumir os dados qualitativos. A média e o desvio padrão foram utilizados para resumir as variáveis quantitativas com distribuição normal, e a mediana e o intervalo (máximo‐mínimo) foram utilizados para as variáveis quantitativas com distribuição não normal.
Em seguida, tabelas de contingência, gráficos de barras bidimensionais e teste do qui‐quadrado de Pearson foram utilizados para determinar a relação entre as variáveis qualitativas.
O teste de Kruskal‐Wallis foi usado para comparar as classificações medianas de variáveis quantitativas com distribuição não normal entre as categorias de variáveis qualitativas multinominais. O nível de significância foi definido como p <0,05.
ResultadosNeste estudo, 526 pacientes, incluindo 410 (77,9%) mulheres e 116 (22,1%) homens, foram recrutados. A faixa etária dos participantes foi de 8 a 62 anos, com média de 30,97±9,592 anos e 7,65±1,739 semanas de média de DIQCAM da COVID‐19 (tabela 1).
Características demográficas e outras características dos pacientes
Variáveis | |
---|---|
Média da idade (anos) | 30,97 ± 9,592 |
Duração média do início da doença (semanas) | 7,65 ± 1,739 |
Sexo n (%) | |
Feminino | 410 (77,9%) |
Masculino | 116 (22,1%) |
Doenças associadas n (%) | |
Sim | 181 (34,4%) |
Não | 345 (65,6%) |
Tipos de doenças associadas ou achados laboratoriais n (%) | |
Deficiência de Vitamina D | 44 (24,3%) |
VHS elevada | 38 (21,0%) |
Hipotireoidismo | 38 (21,0%) |
Diabetes | 36 (19,9%) |
Anemia ferropriva | 25 (13,8%) |
Tabagismo n (%) | |
Sim | 57 (10,8%) |
Não | 469 (89,2%) |
Etilismo n (%) | |
Sim | 43 (8,2%) |
Não | 483 (91,8%) |
Alopecia concomitante n (%) | |
Sim | 147 (27,9%) |
Não | 379 (72,1%) |
Tipo de alopecia concomitante n (%) | |
Alopecia androgenética | 115 (78,2%) |
Alopecia areata | 28 (19,0%) |
Alopecia cicatricial | 4 (2,7%) |
Grau da COVID‐19 n (%) | |
Grau I | 100 (19,0%) |
Grau II | 150 (28,5%) |
Grau III | 193 (36,7%) |
Grau IV | 83 (15,8%) |
Grau V | 0 (0,0%) |
Total, número de pacientes | 526 (100,0%) |
Além disso, 100 (19%), 150 (28,5%), 193 (36,7%), 83 (15,8%) e 0 (0,0%) pacientes apresentaram COVID‐19 de Grau I a V, respectivamente (tabela 1).
Outros tipos concomitantes de doenças associadas à alopecia, achados laboratoriais anormais e outras características dos pacientes são apresentados na tabela 1.
COVID‐19 de alto grau foi observada significantemente em pacientes do sexo masculino, pacientes com DIQCAM mais curta, idades mais avançada e pacientes com alopecia androgenética (AAG; P <0,05) (tabela 2).
Associação entre a gravidade da COVID‐19 e a duração média do início da alopecia após a melhora da doença com algumas variáveis
Variávies | Grau da COVID‐19 | P valor | DMIPCAM | P valor | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
I | II | III | IV | ||||
Sexo | |||||||
Feminino | 83(20,2%) | 119(29,9%) | 156(38,0%) | 52(12,7%) | 0,03 | 252,3 | 0,001 |
Masculino | 17(14,7%) | 31(26,6%) | 37(31,9%) | 31(26,7%) | 303,2a | ||
DAAL | |||||||
Deficiência de vitamina D | 6(13,6%) | 11(25,0%) | 21(47,7%) | 6(13,6%) | 0,250 | 15,89±3,384 | 0,000 |
Hipotireoidismo | 7(18,4%) | 8(21,1%) | 16(42,1%) | 7(18,4%) | 13,79±2,361 | ||
VHS elevada | 6(15,8%) | 6(15,8%) | 16(42,1%) | 10(26,3%) | 15,26±2,777 | ||
Diabetes | 3(8,3%) | 9(25,0%) | 16(44,4%) | 8(22,2%) | 15,81±2,703 | ||
Anemia ferropriva | 4(16,0%) | 6(24,0%) | 10(40,0%) | 5(20,0%) | 15,52±3,137b | ||
Tipo de alopecia concomitante | |||||||
Alopecia androgenética | 23(20%) | 33(28,7%) | 39(33,9%) | 20(17,4%) | 0,038 | 15,90±3,115 | 0,568 |
Alopecia areata | 2(7,1%) | 10(35,7%) | 11 (39,3%) | 5 (17,9%) | 15,71±3,196 | ||
Alopecia cicatricial | 1(25,0%) | 2(50,0%) | 1(25,0%) | 0(0,0%) | 13,75±3,304b | ||
Tabagismo | 7(12,3%) | 18(31,6%) | 19(33,3%) | 13(22,8%) | 0,269 | 259,1 vs 264,0a | 0,816 |
Etilismo | 3(7,0%) | 12(27,9%) | 17(39,5%) | 11(25,6%) | 0,089 | 264,9 vs 248,2a | 0,489 |
TIPCAM (semanas)(Média±DP) | 8,89±2,039 | 7,98±1,693 | 7,12±1,315 | 6,81±1,273 | 0,000 | ||
MPC (semanas)Mediana (IIQ) | 9,0(3,0) | 8,0(2) | 7,0(2) | 7,0(2) | 0,000 |
DMIPCAM, Duração média do início da alopecia após a melhora; TIPCAM, Tempo de início da alopecia após a melhora; MPC, Mediana da Alopecia; IIQ, Intervalo Interquartil; DAAL, doença associada ou achados laboratoriais.
A DIQCAM foi significantemente menor nos pacientes mais jovens, do sexo feminino e com hipotireoidismo e grau mais alto de COVID‐19 (P <0,05).
A correlação entre a gravidade da COVID‐19 e outras variáveis, bem como a DIQCAM e outras variáveis, são apresentadas na tabela 2.
A mediana e o intervalo quartil para o início da alopecia de acordo com a gravidade da COVID‐19 também estão mostradas na tabela 2.
O modelo de regressão logística ordinal para classificação da COVID‐19 e suas variáveis associadas são mostrados na tabela 3.
Modelo de regressão logística ordinal para classificação da COVID‐19 e suas variáveis associadas
Variáveis | Coeficiente | E.P. | P‐valor | IC 95% |
---|---|---|---|---|
COVID‐19 Grau I | 2,749 | 0,825 | 0,001 | (1,13; 4,36) |
COVID‐19 Grau II | 4,778 | 0,834 | 0,000 | (3,14; 6,41) |
COVID‐19 Grau III | 7,542 | 0,885 | 0,000 | (5,8; 9,27) |
Sexo | 0,904 | 0,216 | 0,000 | (0,48; 1,32) |
Idade | 0,140 | 0,012 | 0,000 | (0,11; 0,16) |
Alopecia concomitante | 0,508 | 0,120 | 0,000 | (0,27; 0,74) |
DIPCAM | ‐1,819 | 0,221 | 0,000 | (‐2,25; ‐1,38) |
DIPCAM, duração do início da alopecia após a melhora; E.P., Erro Padrão; IC, Intervalo de Confiança.
Embora a COVID‐19 cause ET de modo semelhante a outras doenças febris agudas, nosso estudo mostrou que a DIQCAM foi significantemente menor em pacientes mais jovens, em mulheres e em pacientes com hipotireoidismo. Além disso, a COVID‐19 grave foi significantemente mais prevalente em homens, idade mais avançada, em pacientes com AAG e quando houve início precoce da alopecia.
A maioria dos pacientes era do sexo feminino, geralmente na terceira e quarta décadas de vida, não fumantes, não etilistas e não viciadas em drogas; a maioria teve COVID‐19 grau III; a AAG foi o tipo de alopecia concomitante mais comum, com 7,65±1,739 semanas de DIQCAM após a doença.
No presente estudo, 77,9% dos pacientes eram do sexo feminino, com apresentação mais precoce da alopecia e, em sua maioria, tiveram COVID‐19 de grau inferior ao dos homens. Acreditamos que as mulheres se dirigem mais cedo aos médicos por causa de sua sensibilidade à beleza12 e aos cabelos longos, o que torna a alopecia mais evidente. Por outro lado, a alta prevalência de alguns transtornos, como estresse emocional,6 anormalidades da tireoide7,8 e anemia no sexo feminino, torna‐as propensas ao início precoce do ET. A média de idade dos pacientes foi de 31 anos. No entanto, um estudo relatou três mulheres em idade avançada com ET, com relação à infecção por SARS‐CoV‐2.6 Além disso, Moreno‐Arrones et al.12 encontraram uma média de idade de 47,4 anos para os pacientes que apresentaram ET após COVID‐19. Embora os idosos sejam especialmente afetados na epidemia global de COVID‐19, a doença pode ser mais prevalente em algumas faixas etárias em cada área geográfica. Parece que, em nossa região, os pacientes com COVID‐19 são mais jovens e mais sensíveis à alopecia, de modo que a média de idade dos pacientes em nossa região é menor do que em outras áreas.
Deficiência de vitamina D (24,3%) e hipotireoidismo (21%) foram os achados mais comuns. Ambos os distúrbios são a principal causa de alopecia e ET;6,7 portanto, podem exacerbar ou tornar a alopecia crônica em associação com a infecção por COVID‐19.
O hipotireoidismo resultou em início precoce de alopecia após melhora da infecção por COVID‐19. Portanto, o hipotireoidismo é um fator muito importante, que acelera a progressão do folículo piloso da fase anágena para a fase telógena.
Em um estudo, o DIQCAM da COVID‐19 foi de 58,6 dias,4 quase semelhante ao início da alopecia nos pacientes do presente estudo. Nossos achados também mostraram que pacientes com infecção grave por COVID‐19 e pacientes do sexo feminino e jovens tiveram encaminhamento significantemente mais precoce. Isso pode estar relacionado à multiplicidade de fatores associados, como estresse emocional, ingestão de vários medicamentos, febre alta e distúrbios sistêmicos concomitantes na COVID‐19 grave.
Mais de 50% desses pacientes desenvolveram Graus III e IV da COVID‐19, ou seja doença grave, e apresentaram início precoce da alopecia. A infecção grave por COVID‐19 pode resultar em alta produção de citocinas pró‐inflamatórias e estado pró‐inflamatório. Além disso, nessa situação, a cascata de coagulação é ativada e a circulação de agentes anticoagulantes diminui. Esses aspectos podem estar associados a microtrombos e oclusão de microvasos do folículo piloso. Adicionalmente, a multiplicidade dos fatores de risco associados à infecção grave por COVID‐19 leva ao início precoce do ET.13
A maioria dos pacientes do presente estudo era não fumante, não etilista e não era viciada em drogas; portanto, esses fatores tiveram um impacto mínimo na alopecia. Entretanto, essas variáveis podem levar à alopecia por efeitos secundários, como desnutrição, falta de higiene e distúrbios sistêmicos.
Wambier et al.14 mostraram que a maioria dos pacientes com COVID‐19 grave ou hospitalizados apresentava AAG. A AAG também foi o tipo mais comum de alopecia concomitante nos pacientes do presente estudo. A importância da coexistência de ET e AAG é o mau prognóstico, com baixa possibilidade de melhora na densidade dos cabelos.15 Por outro lado, a alta frequência da coexistência de ET e AAG observada nos pacientes deste estudo está associada ao maior estresse emocional, o que pode, consequentemente, agravar a alopecia.
Em relação aos presentes achados, consistentes com outros estudos, idade mais avançada e sexo masculino geralmente estão associados à COVID‐19 grave;2,3 portanto, estão associados a hospitalização e a diversas complicações secundárias da infecção viral como outros fatores de risco para a indução do ET. Essas razões justificam a possibilidade de maior incidência de ET e início precoce de alopecia em homens e casos graves de infecção por COVID‐19.
ConclusãoA infecção por COVID‐19 pode induzir ET, tal como outras infecções virais agudas. Entretanto, diversos fatores, como outras doenças associadas, ingestão de vários medicamentos, estresse emocional, hospitalização, problemas nutricionais e algumas complicações secundárias de infecções virais (como outros fatores de risco associados) podem estar envolvidos na ativação do ET. Nos casos de início precoce da alopecia, deve‐se considerar a possibilidade de doenças concomitantes, como hipotireoidismo e infecção grave por coronavírus. Assim, a presença de vários fatores deve ser considerada na indução do ET.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresKhaled Babaei: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura.
Hossein Kavoussi: Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; concepção e planejamento do estudo; revisão crítica do manuscrito.
Mansour Rezaei: Obtenção, análise e interpretação de dados; análise estatística.
Reza Kavoussi: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; elaboração e redação do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.