Artéria labial de calibre persistente é uma anomalia vascular em que um ramo arterial primário penetra no tecido submucoso sem redução do diâmetro. A maioria das lesões é benigna e não requer tratamento, exceto das complicações e/ou por exigência do paciente. Desse modo, prefere‐se o uso de ferramenta diagnóstica não invasiva, como a ultrassonografia Doppler em cores e de alta resolução, que propicia a observação direta da lesão, avaliando sua exata localização e diâmetro em cada eixo, bem como a velocidade do fluxo sanguíneo. Uma biópsia excisional dessas lesões ou mesmo sua extirpação cirúrgica pode ter um desfecho fatal com sangramento abundante.
Relatamos três casos de artéria labial de calibre persistente (ALCP) com apresentações clínicas distintas, diagnosticados clinicamente no presente serviço ao longo de um período de 12 meses, utilizando ferramentas diagnósticas não invasivas, evitando a biópsia e suas complicações.
Relato do caso 1Um homem de 58 anos, sem história médica anterior relevante, apresentou queixa de tumoração de partes moles assintomática, eritemato‐violácea, não ulcerada, de crescimento progressivo (nos últimos 8 meses) no lado esquerdo do lábio inferior. O paciente relata história de traumatismo no lábio.
O exame clínico revelou um nódulo ligeiramente elevado medindo 3cm, pulsátil à palpação. A dermatoscopia mostrou vasos sanguíneos lineares e tortuosos, e microulcerações superficiais.
Com a suspeita clínica de ALCP versus malformação arteriovenosa, foi realizada uma ultrassonografia com Doppler colorido, na faixa de frequência de 8‐12MHz, que revelou uma artéria submucosa de 15 × 4,7mm de espessura com um canal transversal subjacente. O fluxo pulsátil da artéria era claramente visível no Doppler colorido em tempo real (fig. 1).
(A), Fotografia clínica mostrando tumoração eritemato‐violácea, não ulcerada, de partes moles no lado esquerdo do lábio inferior. (B), Fotografia dermatoscópica da lesão mostrando vaso sanguíneo linear e tortuoso com microulcerações superficiais. (C), Uma artéria submucosa de 15 × 4,7mm de espessura com um canal transversal subjacente é observada nessa imagem de Doppler colorido. (D), O fluxo pulsátil da artéria era claramente visível no Doppler colorido em tempo real.
Um homem de 25 anos, com o hábito de mordiscar os lábios, tinha conhecimento da existência de um nódulo azul‐avermelhado, translúcido e pulsátil, de crescimento lento, no lado direito do lábio inferior, medindo 7mm Ele também relatava história de microulcerações recorrentes nos lábios inferiores há anos. O Doppler colorido e a curva espectral confirmaram a suspeita de ALCP (fig. 2).
(A), Fotografia clínica mostrando um nódulo expansivo, azul‐avermelhado, translúcido e pulsátil no lado direito do lábio inferior, medindo 7mm. (B), A análise espectral e colorida simultânea usando ultrassom com Doppler mostra um fluxo direto de alta resistência em um ramo da artéria labial inferior de grande diâmetro no lábio inferior.
Um jovem de 24 anos notou, pela primeira vez, a presença de dois nódulos assintomáticos, translúcidos e pulsáteis de 1cm cada, no lado esquerdo do lábio superior. O diagnóstico clínico foi ALCP, confirmado pela ultrassonografia com Doppler colorido (fig. 3).
DiscussãoA ALCP é uma anomalia vascular na qual um ramo arterial primário penetra no tecido submucoso sem arborização e sem redução do diâmetro.1
A incidência de ALCP é de aproximadamente 3%, sem diferenças entre homens e mulheres, mas parece ser uma anomalia subdiagnosticada. Ocorre mais frequentemente com o envelhecimento, sugerindo que um processo degenerativo da parede vascular possa estar envolvido.2
Clinicamente, a ALCP apresenta‐se como uma lesão solitária, mole, elevada, de cor azulada, localizada próxima à mucosa labial do lábio superior ou inferior, papular ou linear e visivelmente pulsátil. Em alguns casos, a isquemia do tecido celular subcutâneo relacionada com o diâmetro do vaso e a distância entre a artéria e a superfície da mucosa, pode levar a uma ulceração crônica simulando um carcinoma espinocelular, embora nenhuma associação tenha sido demonstrada entre eles.3
Assim, o diagnóstico clínico é fácil se a lesão apresentar essas características. O problema ocorre quando a lesão aparece como uma pápula assintomática, não pulsátil e incolor, tornando necessária a realização de um diagnóstico diferencial com outras lesões como varicosidades, hemangiomas, lagos venosos, mucoceles, fibroma de irritação ou anomalias vasculares.4 Uma biópsia excisional dessas lesões ou mesmo sua extirpação cirúrgica pode ter um desfecho fatal, com sangramento abundante.
Como a maioria das lesões de ALCP é benigna e não requer tratamento, exceto em casos de complicações e/ou por exigência do paciente, é preferível utilizar uma ferramenta de diagnóstico não invasiva em vez de métodos invasivos. A principal delas é a ultrassonografia com Doppler colorido de alta resolução, que propicia a observação direta da lesão, avaliando sua localização exata e diâmetro em cada eixo, bem como a velocidade do fluxo sanguíneo.5
É importante que os médicos estejam cientes da ALCP na prática clínica diária, incluindo‐a no diagnóstico diferencial das pápulas da mucosa labial. A pulsação lateral na pápula é o sinal característico dessa anomalia, ainda que o diagnóstico deva ser confirmado com ferramentas diagnósticas não invasivas como a ultrassonografia com Doppler colorido, colocando a biópsia a um segundo plano, em razão do risco de complicações.
Contribuição dos autoresJosé Antonio Llamas Carmona: Elaboração e redação do manuscrito em consulta com os demais autores.
Ángela Rivera Mercado: Concepção e planejamento do estudo.
Miguel Lova Navarro: Revisão crítica do manuscrito.
Elisabeth Gómez Moyano: Versão final do manuscrito.
Suporte financeiroNenhum.
Conflito de interessesNenhum.