Paciente do sexo masculino, 32 anos, relata que, ao acordar, percebeu lesões na perna direita, com ardor local, sem outros sintomas e que havia um “embuá” sobre a cama (figs. 1‐3). Foi ao pronto‐atendimento, onde foi medicado com anti‐histamínico. Não houve melhora e o paciente procurou o dermatologista. Ao exame, apresentava três manchas eritematoacastanhadas, em forma de espiral, mediam cerca de 3 cm cada, localizadas na face anterolateral da coxa direita. Foi prescrito clobetasol 0,05% em pomada com melhoria do ardor e das lesões.
Milípedes, popularmente conhecidos como embuás, são animais do filo Arthropoda, grupo onde está o maior número de espécies de invertebrados. Pertencentes à classe Diplopoda, apresentam corpos cilíndricos, segmentados, com exoesqueleto rígido e dois pares de apêndices ou membros (miriápodes) articulados em cada segmento que se movem de maneira simétrica e lenta, diferentemente das centopeias ou Chilopoda, que têm apenas um par de membros por segmento para apoio e empuxo, que lhes confere maior rapidez na locomoção.1
Os milípedes têm atividade noturna, habitam lugares escuros e úmidos e apresentam dois mecanismos de defesa: a enrodilhação, curvando‐se em espiral, com a cabeça no centro, dando maior resistência ao exoesqueleto, e a descarga de secreção irritante, que flui de glândulas existentes nas laterais de cada segmento do corpo, quando sob ameaça ou esmagados. A secreção também pode ser ejetada a distância.2,3
Na ordem Spirobolida, na qual está inserida a espécie relacionada a acidentes com humanos no Brasil, a Rhinocricus padbergi (família Rhinocricidae), a secreção é composta principalmente por benzoquinona (2‐metil‐1,4‐benzoquinona), compostos fortemente irritantes.2
Os milípedes são inofensivos, porém, ao se defender, podem eliminar toxinas que causam reações químicas irritantes e pigmentantes na pele.3,4 Acidentes em crianças e adultos ocorrem geralmente quando encontram‐se desacordados, deitados no chão ou em contato com roupas e sapatos, principalmente em períodos de chuvas, quando os milípedes invadem a área urbana e as casas em busca de um local escuro para abrigo.5 Quase imediatamente após o contato, ocorre uma sensação de dormência e ardor na pele.4 O local acometido torna‐se eritematoso, com pigmentação inicialmente amarelo‐acastanhado, escurece após 24 horas e torna‐se marrom‐avermelhado a negro, de aspecto cianótico, coloração que pode persistir por vários meses.3 A depender da quantidade de secreção e do tempo de exposição, a lesão pigmentada pode secar e descamar em aproximadamente sete dias ou pode haver formação de bolha que, ao romper, deixa a superfície erosada.2
Na maioria dos relatos de casos são observadas lesões pigmentares, sem forma definida, resultantes do esmagamento do milípede. O presente caso é particularmente interessante pelo fato de as lesões reproduzirem o formato do corpo do milípede, na posição de defesa, como uma impressão do animal na pele, exatamente no local em que estão as glândulas secretoras.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresSilmara Navarro Pennini: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Paula Frassinetti Bessa Rebello: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Maria das Graças Vale Barbosa Guerra: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Sinésio Talhari: Aprovação da versão final do manuscrito; participação e planejamento no design do estudo; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.
Como citar este artigo: Pennini SN, Rebello PFB, Guerra MGVB, Talhari S. Millipede accident with unusual dermatological lesion. An Bras Dermatol. 2019;94:765–7.
Trabalho realizado na Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, AM, Brasil.