A colagenose reacional perfurante adquirida (CRPA) é afecção difícil de tratar, caracterizada por pápulas umbilicadas recorrentes cuja histopatologia mostra colágeno dérmico degenerado com subsequente eliminação transepidérmica.1 Diabetes e insuficiência renal podem ser os principais antecedentes precipitantes,2 e a doença manifesta‐se como erupção distribuída por todo o corpo. O presente relato descreve um caso de CRPA recalcitrante com distribuição unilateral segmentar ao longo de trajeto neural que respondeu com sucesso ao tratamento com dapsona oral. Também foram revisados oito casos semelhantes relatados anteriormente para discutir a compreensão atual dessa apresentação clínica extremamente rara.
Uma mulher japonesa saudável, de 71 anos, apresentou histórico de dois meses de lesões eruptivas endurecidas com prurido intenso na região lombar esquerda, que aumentaram rapidamente em número. Esteroides tópicos e anti‐histamínicos não foram eficazes. O exame revelou papulonódulos avermelhados, endurecidos e não confluentes, distribuídos zonalmente do abdome inferior esquerdo até a região dorsal, afetando os segmentos nervosos unilaterais T12‐L3 (fig. 1A‐C). As lesões tinham tampão central bem demarcado, consistente com os achados dermatoscópicos (fig. 1D‐E). O teste do esfregaço de Tzanck abaixo dos tampões foi negativo, e o exame microscópico repetido das crostas foi negativo para escabiose. Os exames laboratoriais, incluindo marcadores diabéticos e funções renal e tireoidiana, estavam todos dentro da faixa de normalidade. Os testes sorológicos para os vírus varicela‐zóster e herpes‐simplex mostraram padrão de infecção latente. A histopatologia da pele mostrou erosão central preenchida por tampão em forma de taça contendo fragmentos de queratina, fibras de colágeno e numerosas células inflamatórias consistindo principalmente em linfócitos e eosinófilos na derme (fig. 2A‐B). Fibras de colágeno orientadas verticalmente, observadas na coloração pelo método de van Gieson, eram eliminadas da derme subjacente através do tampão (fig. 2C). A imunomarcação com anticorpos anti‐panqueratina AE1/AE3 não evidenciou elementos dos anexos cutâneos dentro do tampão (fig. 2D). Esses aspectos sugerem o diagnóstico de CRPA.
Achados clínicos. As imagens clínicas mostraram pápulas e nódulos avermelhados no abdome inferior esquerdo até o aspecto dorsal do quadril, com arranjo metamérico (A‐C). Observe que não há erupções do centro para a pele contralateral. Visão mais próxima das lesões cutâneas mostrando papulonódulos vermelhos, sem fusionamento, com tampões centrais em cada um (D), consistentes com o achado dermatoscópico (E).
Achados histopatológicos e de imuno‐histoquímica. A histopatologia mostrou erosão central preenchida com tampão de queratina em forma de taça contendo numerosas células inflamatórias e fibras de colágeno, e infiltrados perivasculares de linfócitos e eosinófilos na derme (A, Hematoxilina & eosina, 40×; B, Hematoxilina & eosina, 200×). Coloração van Gieson para fibras elásticas demonstrando fibras de colágeno com eliminação transepidérmica desde a derme subjacente através do tampão (C, 200×). A imunomarcação com anticorpo anti‐panqueratina AE1/AE3 não revelou restos de anexos cutâneos dentro do tampão (D, 40×).
Enquanto a paciente continuava utilizando corticosteroide tópico ultrapotente e anti‐histamínico, minociclina oral 200mg/dia foi adicionada, mas foi ineficaz. Então, a minociclina foi descontinuada e imediatamente foi iniciado tratamento com dapsona oral 50mg/dia, 2×/dia, o que aliviou imediatamente o prurido acentuado com diminuição da induração das erupções. Após seis semanas, as erupções apresentaram achatamento e quase desapareceram deixando discreta pigmentação (fig. 3A‐B) e não houve recorrência depois disso.
Até o momento, houve apenas nove casos de CRPA unilateral,2–9 incluindo o presente caso (tabela 1). Em virtude de sua aparência única, é descrito como “zosteriforme” quando a erupção ocorre ao longo de segmento nervoso unilateral.6 As características clínicas não mostraram predominância de gênero (quatro homens e cinco mulheres) ou especificidade do local da região anatômica afetada, embora tenha apresentado tendência a ser mais comum em indivíduos de meia‐idade e idosos (67,0±15,0 anos, mediana±DP), com média de idade de 62,4 anos. O tratamento e sua resposta variaram de acordo com a idade e comorbidades. Dos nove casos, seis (66,7%) apresentaram erupções pelo menos cinco meses após desenvolverem herpes‐zóster ou mesmo durante o curso do tratamento nos mesmos locais da pele, implicando possível envolvimento da resposta isotópica de Wolf vista em alguns casos de CRPA e outras dermatoses perfurantes, como a doença de Kyrle. Em um dos casos a doença ocorreu na pele tatuada. Curiosamente, diabetes e/ou doenças renais crônicas, ambas doenças precedentes comuns em CRPA, foram pouco comuns, com um total de quatro casos (44,4%); apenas um caso tinha diabetes (1/9, 11,1%) e os três restantes tinham insuficiência renal crônica (3/9, 33,3%).
Características clínicas dos casos de CRPA unilateral
Caso n° | F/M (anos) | Lesões cutâneas | Herpes‐zóster preexistente | Doenças sistêmicas | Referência n° |
---|---|---|---|---|---|
1 | M (81) | Região abdominal esquerda (T10) | 5M | DMNID | 3 |
2 | M (63) | Região torácica esquerda ∼ dorso | 3M | (‐) | 4 |
3 | F (67) | Região torácica esquerda (T9) | 4M | (‐) | 5 |
4 | F (66) | Região cervical direita, ombro | 2M | (‐) | 5 |
5 | M (71) | Braço direito | 1M | DRC | 6 |
6 | F (68) | Região torácica esquerda | Em andamento | DRC | 7 |
7 | F (37) | Perna direita | (‐) | DRC | 8 |
8 | M (38) | Antebraço esquerdo | (‐) *Tatuagem | (‐) | 9 |
9 | F (71) | Região abdominal esquerda ∼ região lombar (T11‐L2) | (‐) | (‐) | Presente caso |
DMNID, diabetes mellitus não insulinodependente; DRC, doença renal crônica.
As estratégias de tratamento padrão para CRPA ainda precisam ser estabelecidas, mas o manejo apropriado de condições internas e oncológicas associadas pode ajudar a aliviar a atividade da doença.10 Que seja de conhecimento dos autores, este caso é o primeiro relato de CRPA unilateral e neurossegmentar sem quaisquer condições médicas preexistentes ou mesmo trauma menor e, portanto, pode fornecer uma perspectiva diferente sobre uma patogênese ainda pouco reconhecida para CRPA, e não apenas coincidência.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresYudai Yamauchi: concepção e planejamento do estudo; obtenção dos dados; elaboração e redação do manuscrito; análise dos dados; aprovação da versão final do manuscrito.
Noritaka Oyama: Obtenção dos dados; análise dos dados; elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Minoru Hasegawa: Elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Yamauchi Y, Oyama N, Hasegawa M. A case of segmental acquired reactive perforating: literature review of the unique presentation. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/10.1016/j.abd.2024.03.010.
Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas, University of Fukui, Eiheiji‐Fukui, Japão.