Objetivou‐se descrever a tendência da detecção da hanseníase no Brasil no período de 1990 a 2016. Foi utilizado o modelo de regressão segmentada. Observou‐se tendência de redução significativa da detecção no país (Average Annual Percent Change=−1,8%) e regiões Sul (Average Annual Percent Change=−3,5) e Sudeste (Average Annual Percent Change=−4,5). O Nordeste (Average Annual Percent Change=0,2), o Centro‐Oeste (Average Annual Percent Change=−1,5) e o Norte (Average Annual Percent Change=−2,6) apresentaram tendência estacionária (p>0,05). Onze estados apresentaram tendência decrescente. Alagoas (Average Annual Percent Change=2,1) e Rio Grande do Norte (Average Annual Percent Change=1,4) apresentaram crescimento significativo (p<0,001). O padrão heterogêneo da tendência entre as regiões e os estados mostra que são necessários esforços para a eliminação da doença.
A hanseníase é uma doença tropical negligenciada, que se configura como um problema de saúde pública em muitos países em desenvolvimento. O Brasil ocupa uma posição indesejável no cenário global; ele é um dos 13 países que concentraram 94% de todos os casos novos registrados no mundo em 2014.1 Somente em 2016, foram notificados 25.218 novos pacientes, expressando uma taxa de detecção de 12,23/100 mil habitantes.2
A taxa de detecção de hanseníase reflete a magnitude da doença no território. Sua relevância é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um instrumento que possibilita o monitoramento sistemático da eficiência dos programas de controle, bem como o cumprimento das metas estabelecidas. Nesse sentido, o estudo da tendência das taxas de detecção está em consonância com o primeiro pilar da iniciativa global que visa fortalecer o controle, a coordenação e a parceria com o governo.1,2
Desse modo, este trabalho objetivou descrever o comportamento temporal das taxas de detecção de casos novos de hanseníase na população geral no Brasil, regiões e estados no período de 1990 a 2016.
Foram analisadas as taxas de detecção de casos novos de hanseníase na população geral: nacional, regionais e estaduais. Para a análise, adotou‐se um modelo de regressão segmentada (joinpoint regression).3,4 Calculou‐se a variação percentual anual (Annual Percent Change – APC) e a variação média do período (Average Annual Percent Change – AAPC) com intervalo de confiança de 95% (95% IC) e significância de 5%. A tendência foi classificada em crescente, estacionária ou decrescente. Além disso, foi calculada a taxa média do período estudado (razão entre a soma das taxas anuais e total de anos da série temporal).
Observou‐se tendência estatisticamente significativa de redução da taxa de detecção a nível nacional (AAPC=−1,8%; p<0,001), decrescendo de 19,96 para 12,23 casos novos/100 mil habitantes (fig. 1). A diminuição tem sido observada não apenas no Brasil, mas também em todo o mundo, fruto do empenho da OMS, materializado em estratégias e ações voltadas para o controle da doença, com destaque para a poliquimioterapia, recomendada pela OMS no início da década de 1980 e implantada no Brasil em 1991.1,5 Embora os avanços sejam uma realidade, a taxa média de detecção do período analisado (1990–2016) foi de 22,13/100 mil habitantes, classificando o país como de endemicidade muito alta (fig. 2 e tabela 1).
Tendência da taxa de detecção de casos novos de hanseníase/100 mil habitantes no Brasil, 1990–2016
Brasil, regiões, estados | Taxa/100 mil habitantes | AAPC | 95% IC | Tendência | ||
---|---|---|---|---|---|---|
1990 | 2016 | Média | ||||
Brasil | 19,96 | 12,23 | 22,13 | −1,8a | −2,3 a−1,4 | Decrescente |
Norte | 56,81 | 28,70 | 58,92 | −2,6 | −4,6 a 0,5 | Estacionária |
Rondônia | 53,38 | 26,63 | 75,71 | −2,0a | −3,9 a 0,0 | Decrescente |
Acre | 87,63 | 14,20 | 54,30 | −6,7a | −7,9 a−5,5 | Decrescente |
Amazonas | 76,33 | 11,20 | 40,11 | −6,9a | −7,8 a−5,9 | Decrescente |
Roraima | 49,52 | 16,34 | 54,19 | −4,7a | −7,8 a−1,4 | Decrescente |
Pará | 45,48 | 30,43 | 61,92 | −1,3 | −4,8 a 2,4 | Estacionária |
Amapá | 33,43 | 11,50 | 31,57 | −3,7 | −11,6 a 4,8 | Estacionária |
Tocantins | 72,06 | 88,13 | 85,05 | 0,5 | −3,4 a 4,6 | Estacionária |
Nordeste | 19,60 | 19,30 | 28,40 | 0,2 | −0,3 a 0,7 | Estacionária |
Maranhão | 44,29 | 47,43 | 67,15 | 0,4 | −0,5 a 1,2 | Estacionária |
Piauí | 32,18 | 27,64 | 45,78 | −0,6 | −1,6 a 0,5 | Estacionária |
Ceará | 24,10 | 18,94 | 28,42 | −0,9a | −1,5a a−0,2 | Decrescente |
Rio Grande do Norte | 4,40 | 5,70 | 8,23 | 1,4a | 0,1 a 2,7 | Crescente |
Paraíba | 9,56 | 9,63 | 17,99 | 0,6 | −1,7 a 2,8 | Estacionária |
Pernambuco | 26,20 | 19,72 | 33,56 | −0,2 | −1,5 a 1,0 | Estacionária |
Alagoas | 5,89 | 8,13 | 10,62 | 2,1a | 0,1 a 4,2 | Crescente |
Sergipe | 11,46 | 13,73 | 22,48 | 1,0 | −1,6 a 3,6 | Estacionária |
Bahia | 9,92 | 13,60 | 16,46 | 1,7 | −0,6 a 4,1 | Estacionária |
Centro‐Oeste | 49,79 | 30,02 | 55,22 | −1,5 | −3,0 a 0,9 | Estacionária |
Mato Grosso do Sul | 28,37 | 15,21 | 27,70 | 0,3 | −2,3 a 3,0 | Estacionária |
Mato grosso | 101,65 | 80,62 | 113,33 | −0,5 | −3,0 a 2,0 | Estacionária |
Goiás | 44,34 | 21,69 | 54,07 | −2,3 | −5,3 a 0,7 | Estacionária |
Distrito Federal | 21,80 | 5,91 | 13,96 | −5,1a | −5,8 a−4,3 | Decrescente |
Sudeste | 14,47 | 4,17 | 11,50 | −4,5a | −5,1 a−4,0 | Decrescente |
Minas Gerais | 12,42 | 5,34 | 13,00 | −4,3a | −5,1 a−3,4 | Decrescente |
Espírito santo | 36,40 | 10,97 | 33,54 | 0,6 | −9,5 a 11,8 | Estacionária |
Rio de Janeiro | 21,88 | 4,333 | 17,99 | −6,3a | −9,5 a−3,0 | Decrescente |
São Paulo | 10,67 | 3,95 | 6,63 | −4,8a | −5,4 a−4,1 | Decrescente |
Sul | 7,25 | 2,84 | 6,49 | −3,5a | −5,7 a−1,2 | Decrescente |
Paraná | 3,43 | 5,20 | 12,95 | −3,6a | −6,4 a−0,8 | Decrescente |
Santa Catarina | 6,63 | 2,13 | 3,90 | −4,1a | −7,3 a−0,7 | Decrescente |
Rio Grande do Sul | 1,82 | 0,92 | 1,77 | −2,3a | −3,2 a−1,5 | Decrescente |
AAPC, average annual percent change (variação percentual anual). Média, taxa média do período 1990–2016.
Na análise regional, o Norte apresentou a maior taxa média (58,92/100 mil), seguido do Centro‐Oeste (55,22/100 mil). Paralelamente, o Sul apresentou a menor taxa (6,49/100 mil). No último ano da série, nas regiões Norte, Nordeste e Centro‐Oeste, a endemia foi classificada como muito alta. Além disso, Sudeste e Sul registraram endemicidade média. Na análise pelo joinpoint, tendências de redução foram observadas no Sul (AAPC=−3,5%; p<0,001) e no Sudeste (AAPC=−4,5%; p<0,001) (figs. 1 e 2) (tabela 1).
Considerando os estados brasileiros, a maior taxa média foi observada no Tocantins (85,05/100 mil), elevando‐se de 72,06/100 mil em 1990 para 88,13/100 mil em 2016. Em outros sete estados, as taxas em 2016 foram maiores do que as observadas no início da série temporal: Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia e Paraná. Paralelamente, no último ano de série, juntamente com o Tocantins, a condição de hiperendemia foi registrada no Mato Grosso (80,62/100 mil) e no Maranhão (47,43/100 mil) (fig. 2 e tabela 1).
Verificaram‐se tendências de redução em 11 estados e no Distrito Federal: quatro na região Norte, um no Nordeste, três no Sudeste, três no Sul e o DF no Centro‐Oeste. O Amazonas foi o que apresentou a maior redução (AAPC=−6,9%; p<0,001), decrescendo de 76,33/100 mil em 1990 para 11,12/100 mil em 2016, mantendo uma taxa média de 40,11/100 mil (fig. 2 e tabela 1).
Alagoas e Rio Grande do Norte apresentaram tendências estatisticamente significativas de crescimento. Em Alagoas, a taxa passou de 5,89/100 mil em 1990 para 8,13/100 mil em 2016 (AAPC=2,1%; p<0,001) e no Rio Grande do Norte elevou‐se de 4,40/100 mil em 1990 para 5,7/100 mil em 2016 (AAPC=1,4%; p<0,001). Vale salientar que nesses dois estados a hanseníase já atingiu o patamar de eliminação (prevalência<1 caso/10 mil habitantes) (fig. 2 e tabela 1). Esse achado indica que a cadeia de transmissão nesses estados encontra‐se ativa, sugerindo problemas operacionais e apontando para uma prevalência oculta.
As assimetrias observadas na detecção da doença no Brasil sinalizam para a complexidade do problema. Recentemente, pesquisadores têm alertado para a elevada prevalência oculta da doença e subdiagnóstico no país.6,7 As tendências de crescimento observadas em Alagoas e Rio Grande do Norte e o padrão estacionário em 13 unidades federativas e nas regiões Norte, Nordeste e Centro‐Oeste sinalizam a necessidade de intervenções nessas áreas, objetivando a interrupção da cadeia de transmissão.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresCarlos Dornels freire de Souza: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Franklin Gerônimo Bispo Santos: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Thiago Cavalcanti Leal: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
João Paulo Silva de Paiva: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.