Poroma écrino é o termo que congrega as neoplasias benignas do ducto terminal das glândulas sudoríparas écrinas, que podem assemelhar‐se clínica e dermatoscopicamente a outros tumores de pele, melanoma e não melanoma. Localizam‐se frequentemente nas extremidades (especialmente nas regiões palmo‐plantares), apresentando‐se como pápulas e nódulos normocrômicos ou eritematosos, de até 2cm. Variantes pigmentadas são incomuns, representando menos de 20% dos casos. Apresentamos um homem de 37 anos que desenvolveu poroma écrino pigmentado de grande tamanho no ombro direito, acarretando dificuldade diagnóstica. O exame histopatológico revelou neoplasia nodular composta de células pequenas, monomórficas, cuboidais, com citoplasma amplo, eosinofílico e limites bem definidos, além de pontes intercelulares conspícuas, com depósitos de melanina distribuídos difusamente em seu interior. Ausência de atipia citológica, pleomorfismo celular, atividade mitótica aumentada e focos de necrose corroboraram a exclusão diagnóstica de porocarcinoma, que pode se desenvolver a partir de lesões de poroma écrino.
Poromas écrinos (PE) são neoplasias benignas das glândulas sudoríparas compostos por células epiteliais com diferenciação tubular distal (acrossiríngio), representando cerca de 10% de todos os tumores sudoríparos. São localizados frequentemente nas regiões acrais, especialmente palmas e plantas, em decorrência da grande densidade de glândulas écrinas nessas áreas; no entanto, podem acometer qualquer região do tegumento.1 Clinicamente, PEs apresentam‐se como pápulas e nódulos normocrômicos ou eritematosos, mas, raramente, como tumorações vegetantes e ulceradas. As variantes pigmentadas são incomuns e podem mimetizar outros tumores pigmentados, como melanoma e carcinoma basocelular pigmentado.2
Neste relato, apresentamos um paciente adulto jovem com uma lesão atípica de PE pigmentado no ombro cuja apresentação clínica se assemelhava a outras neoplasias pigmentadas, ressaltando a relevância do exame histopatológico para sua confirmação diagnóstica.
Paciente do masculino, 37 anos, pardo, referia tumoração de crescimento progressivo na região posterior do ombro direito (fig. 1A) há um ano e meio. Ao exame clínico, evidenciava‐se tumoração vegetante, de coloração acastanhada, com superfície crostosa e base eritematosa infiltrada, medindo 4 × 3cm. A dermatoscopia da lesão mostrava imagem homogênea, sem estruturas que sugerissem carcinoma basocelular, e também não evidenciava critérios de lesão melanocítica.
Poroma écrino pigmentado no ombro direito. (A) Tumoração acastanhada de base infiltrada, áreas enegrecidas lobuladas, e superfície com crostas, no primeiro atendimento. (B) Um ano depois, aumento do volume da tumoração (5 × 4cm), enegrecida, aspecto multilobulado, com evidente vegetação e áreas exulceradas.
Em razão da pandemia de COVID‐19, a exérese cirúrgica foi atrasada em um ano, levando ao aumento da lesão. Na reavaliação, apresentava tumoração vegetante, eritemato‐violácea com superfície de coloração castanho‐enegrecida, infiltrada, com base discretamente eritematosa, medindo 5 × 4cm (fig. 1B), que exalava odor fétido. Não foram identificadas linfonodomegalias palpáveis ou outras alterações relevantes ao exame físico.
A lesão foi submetida à exérese total, com margem de segurança, com as hipóteses de melanoma nodular, cisto triquilemal proliferante, carcinoma basocelular pigmentado e dermatofibrossarcoma protuberans pigmentado (tumor de Bednar).
O exame histopatológico revelou neoplasia nodular bem delimitada, em conexão com a epiderme composta de células pequenas, monomórficas, cuboidais, com citoplasma amplo, eosinofílico e limites bem definidos, além de pontes intercelulares conspícuas, com depósitos de melanina distribuídos difusamente no interior da neoplasia. Além disso, notam‐se em algumas células tumorais cuboidais lumens intracitoplasmáticos e formações ductulares delineadas por cutícula (figs. 2‐4). Os blocos tumorais não apresentavam fendas ou paliçada nuclear periférica (fig. 3).
Poroma écrino pigmentado (Hematoxilina & eosina, 100×). Neoplasia formada por células cuboidais com citoplasma amplo, pequenas (menores que os queratinócitos), com depósito de melanina difusamente distribuído no interior da neoplasia. A neoplasia tem conexão com a epiderme, mas não forma paliçada periférica.
Ausência de atipia citológica, pleomorfismo celular, atividade mitótica aumentada e focos de necrose corroboraram a exclusão diagnóstica de porocarcinoma. A imunomarcação por CEA (antígeno carcinoembrionário) policlonal resultou negativa (fig. 5).
A primeira descrição de PE foi relatada por Pinkus et al. (1956), em que foram descritos cinco casos de tumorações cutâneas benignas plantares cuja histologia apontava para uma neoplasia que acometia o ducto terminal das glândulas sudoríparas.3
Histologicamente, PE constitui um tumor benigno que se origina na porção intraepidérmica do ducto sudoríparo. Sua etiologia ainda é incerta e seu crescimento é lento, com características heterogêneas; porém, é associada a traumatismos, radiação e aparecimento sobre cicatrizes.4 A ocorrência acral implica no diagnóstico diferencial, principalmente com mirmécia, carcinoma espinocelular (epitelioma cuniculatum), granuloma piogênico e melanoma nodular amelanótico. A exérese cirúrgica com remoção completa da neoplasia é o tratamento de escolha, que remete à cura completa da lesão.
A variante pigmentada do PE é incomum, correspondendo a apenas 17% dos casos, e já fora descrita em indivíduos de diferentes fototipos. Seu diagnóstico é desafiador em virtude de sua raridade e por se confundir com outros tumores pigmentados como melanoma, queratose seborreica, carcinoma basocelular pigmentado e tumor de Bednar.5,6 Essas características tornam a análise histopatológica fundamental para a confirmação diagnóstica e a exclusão de malignidade. Nesses casos, observam‐se inúmeros melanócitos dendríticos dispersos entre as células tumorais, conferindo a aparência pigmentada da neoplasia. Porém, formas pigmentadas não implicam em prognóstico ou comportamento local diferentes das formas não pigmentadas do PE.
O porocarcinoma écrino, que também pode ser pigmentado, é o principal diagnóstico diferencial ao exame histopatológico, até porque apresenta crescimento lento, e biópsias incisionais podem revelar componentes com aparente benignidade, retardando o diagnóstico.7,8 A transformação maligna de PE é aventada por esses achados intratumorais dos porocarcinomas, o que indica a remoção de toda a lesão suspeita, sempre que possível, para o estudo anatomopatológico com avaliação extensa da neoplasia, quanto a atipias celulares, arquitetura circunscrita, atividade mitótica, focos de necrose, pleomorfismo celular.9,10 A pesquisa da imunomarcação pelo CEA policlonal, presente no citoplasma das células tumorais e nas formações luminais glandulares, auxilia na diferenciação de outras neoplasias epiteliais. Destaque‐se que a marcação negativa pelo CEA pode ocorrer em até 23% dos porocarcinomas, especialmente se for utilizado anticorpo monoclonal.5,11
Os dermatologistas devem estar atentos ao diagnóstico de tumorações pigmentadas de crescimento lento, mesmo fora das palmas e plantas, pela possibilidade de representar um PE pigmentado, cujo prognóstico é favorável após exérese cirúrgica ampla.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresMelissa de Almeida Corrêa Alfredo: Concepção e planejamento do estudo; aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Mariana Righetto de Ré Lai: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Luciane Donida Bartoli Miot: Concepção e planejamento do estudo; aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Gabriela Roncada Haddad: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Aline Lutz Garcia: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Hélio Amante Miot: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Alfredo MAC, Lai MRR, Miot LDB, Haddad GR, Garcia AL, Miot HA. Pigmented eccrine poroma in an atypical location. An Bras Dermatol. 2022;97:624–7.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.