Um dos principais métodos de prevenção contra o câncer de pele é o uso de protetor solar; no entanto, a incidência dessa doença não diminuiu apesar das campanhas de prevenção.
ObjetivoInvestigar a prevalência de indivíduos que não usam protetor solar e fatores associados na população adulta e idosa de um município do extremo sul do Brasil.
MétodosEstudo de base populacional em indivíduos maiores de 18 anos que residem na área urbana. Conduzido entre abril e julho de 2016. Os participantes foram entrevistados sobre questões socioeconômicas, demográficas e comportamentais. A não utilização de filtro solar foi considerada como o resultado. Para análise multivariada, foi utilizada a regressão de Poisson com ajuste robusto para variância.
ResultadosEntre os 1.300 participantes, a prevalência de não uso de filtro solar foi de 38,2% (95% IC: 34,6‐41,8). As variáveis independentemente associadas ao desfecho foram do sexo masculino, mais velhas, com cor da pele parda ou negra, menor renda, menor tempo de estudo, sem atividade física no lazer, sem consulta médica no último ano e com autopercepção de saúde regular ou pobre.
Limitações do estudoA prevalência pode estar subestimada pelo relato de maior uso de protetor solar do que realmente usaram, o que poderia aumentar o número no desfecho.
ConclusãoEstima‐se que cerca de 4:10 adultos e idosos não usam protetor solar. Estratégias de prevenção são necessárias para avançar a política em saúde e garantir que opções de proteção solar sejam facilmente acessíveis.
A exposição excessiva à radiação ultravioleta (UV) pode gerar estresse oxidativo grave em células da pele, resultando em danos diretos nos ácidos nucleicos e nas proteínas, podendo levar à mutação genética ou morte celular (apoptose).1–3 Em vista disso, esse comportamento é um fator de risco estabelecido para o câncer de pele.1,2 Com a finalidade de proteger a pele contra a radiação UV, foram desenvolvidos produtos formulados, chamados de protetor solar.4,5
Os protetores solares (ou filtros solares) são de dois tipos: orgânicos ou inorgânicos. Os orgânicos absorvem a radiação UV,5–8 enquanto os inorgânicos dispersam e refletem, bloqueando os raios UVA e UVB, tais como óxido de zinco (ZnO) e dióxido de titânio (TiO2), conhecidos como filtros solares físicos, que apresentam partículas dez vezes maiores (intervalo de 200‐500nm), e, por esse motivo conseguem melhor reflexão e dispersão da luz.6–8 Entretanto, deve‐se salientar que esses componentes têm sido investigados por induzir a formação de peróxidos, radicais livres e outras espécies reativas de oxigênio (ROS) quando irradiados à luz UV, promovendo danos no DNA.9–11 Apesar disso, o protetor solar ainda é uma medida primária para a prevenção de câncer de pele, o que foi evidenciado no ensaio clínico de Green e colaboradores, no qual a incidência de melanoma reduziu com o uso regular de protetores solares.12
Estudos epidemiológicos investigam o comportamento de uso do protetor solar como um método de prevenção contra o câncer de pele.13–19 As prevalências quanto ao não uso do protetor solar variam entre 9,9% e 68%.13–19 No Brasil, um estudo feito na cidade de Pelotas (RS) observou prevalências entre indivíduos que nunca fazem uso do protetor solar: 39,2%, 69,8% e 86,3% na praia, durante os esportes e no trabalho, respectivamente.20 Na cidade de Carlos Barbosa (RS) foi encontrada uma prevalência de 25,7% nesse comportamento.21 Outro estudo conduzido em 15 capitais do Brasil mostrou prevalências em torno de 92% em homens e 76% em mulheres.22
Apesar de muitas campanhas de conscientização para proteção contra o câncer de pele, sua incidência não reduziu.23 No Brasil, há poucos estudos de base populacional que investigam a prevalência sobre o uso de protetor solar.20–22 Este estudo tem como objetivo investigar a prevalência de indivíduos que não usam protetor solar e os fatores associados a esse comportamento na população adulta e idosa de um município do extremo sul do Brasil.
MétodosEstudo de base populacional com delineamento transversal. Foi realizada em 2016 na área urbana da cidade do Rio Grande (RS), uma cidade litorânea no extremo sul do Brasil. Esse município tem aproximadamente 200 mil habitantes (96% urbano), com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,744. As estações são bem definidas e a faixa de temperatura média varia entre 12,9°C a 23,6°C.24,25 A radiação UV varia ao longo do ano. Nos meses de inverno, o índice UV fica em torno de 4 (moderado), enquanto nos meses mais quentes chega a 13 (extremo).26 Este estudo fez parte de uma pesquisa maior intitulada “Saúde da População Riograndina”, cujo objetivo foi avaliar diferentes aspectos de saúde da população residente na cidade do Rio Grande.
O cálculo descritivo do tamanho de amostra foi realizado considerando os seguintes parâmetros: nível de confiança de 95%, frequência esperada de 10%, margem de erro de dois pontos percentuais. Foram considerados o efeito de design (deff) e perdas/recusas, adicionando 50% e 10%, respectivamente, resultando em 1.420 indivíduos. O cálculo do tamanho amostral dos fatores associados foi realizado considerando os seguintes parâmetros: 80% de poder estatístico, 95% de nível de confiança, 10% prevalência esperada, e razão de prevalência de 2,0. Foi adicionado 15% ao tamanho amostral para estimar as relações múltiplas na análise ajustada, onde se tem a variável independente, a variável dependente e algumas variáveis intervenientes, que são os potenciais fatores de confusão e 10% para perdas e recusas. A partir desses parâmetros, este estudo deveria incluir pelo menos 1.423 indivíduos.
A estratégia de amostragem em múltiplos estágios foi usada para obter uma amostra representativa da população urbana da cidade, com base nos dados do Censo Populacional de 2010.24 Primeiramente, foram amostrados setores censitários, segundo domicílios e, por último, indivíduos.
Para a primeira etapa, a fim de compor uma amostra de 1.423 indivíduos, seria necessária a amostragem de 710 domicílios (média de dois indivíduos por domicílio), correspondendo a 72 setores censitários (considerando que se esperava pesquisar pelo menos 10 domicílios por setor censitário).24 Portanto, foi criada uma lista com todos os domicílios do Rio Grande (77.835). Essa lista foi organizada em ordem decrescente de acordo com a renda mensal do chefe da família. Posteriormente, foi selecionado aleatoriamente o primeiro domicílio como ponto de partida. Após essa etapa, sistematicamente foi selecionado um em cada 1.080 domicílios (77.835/72). Ao final desse processo, foi obtida uma lista de 72 domicílios, dos quais apenas foram salvas as informações sobre os setores censitários em que foram colocados, resultando em uma lista de 72 setores censitários.
Na segunda etapa, foram selecionados aleatoriamente os domicílios da lista de 72 setores censitários, anteriormente criada. Semelhante à primeira etapa, esses 72 setores censitários foram decompostos em uma lista de 23.439 domicílios que pertenciam àquele setor. Primeiramente, foi selecionado aleatoriamente um primeiro agregado familiar como ponto de partida. Posteriormente, foi selecionado sistematicamente um em cada 32 domicílios (23.439/710). Esse processo acabou com 711 domicílios amostrados. Finalmente, todos os indivíduos dos domicílios selecionados que preencheram os critérios de elegibilidade compuseram a amostra do estudo.
Os dados foram coletados entre abril e julho de 2016. Os entrevistadores utilizaram um questionário pré‐codificado com perguntas fechadas. Os supervisores de campo realizaram entrevistas por telefone com 10% da amostra, a fim de controlar a qualidade das informações e superar possíveis fraudes na aplicação do instrumento. O coeficiente Kappa foi de 0,80; considerado suficiente. Os dados foram revisados, codificados e depois digitados em duplicata usando o software EpiData, versão 3.1.
Os critérios de inclusão foram ter idade igual ou superior a 18 anos e ser residente da zona urbana. Os critérios de exclusão foram indivíduos institucionalizados em asilos, hospitais e presídios, e com incapacidade física e/ou mental, o que impede a resposta ao questionário.
O desfecho foi investigado por meio da pergunta “O(a) Sr.(a) costuma utilizar protetor ou filtro solar?” Os entrevistados tinham três opções de resposta: “não”, “sim, somente no verão” e “sim, durante todo o ano”. Os entrevistados que responderam negativamente foram considerados o numerador para o cálculo da prevalência do desfecho.
As variáveis independentes foram: sexo (masculino; feminino), faixa etária em anos (18‐39; 40‐59; ≥ 60), cor da pele (branca; parda; preta), estado civil (solteiro; casado; separado; viúvo), tempo em que mora no bairro (< 5 anos; 5‐10 anos; > 10 anos), escolaridade em anos (0 a 8; 9‐11; ≥ 12), índice de bens em tercis (do menor ao maior), tabagismo (não fumante; fumante), atividade física no lazer (não; sim), índice de massa corporal (normal; excesso de peso), consulta médica no último ano (não; sim), autopercepção da saúde (excelente, muito boa; boa; regular, ruim), história de câncer de pele (não; sim).
A variável “Índice de bens” foi utilizada como indicador de nível socioeconômico.27 Essa variável levou em consideração características do domicílio (origem da água utilizada para beber, número de peças usadas para dormir e número de banheiros na casa) e alguns bens domésticos (carro, computador, internet, telefone fixo, micro‐ondas, máquina de lavar roupa, máquina de secar roupa e DVD). A partir desses 11 itens, foi realizada uma análise de componentes principais, da qual se extraiu o primeiro componente, que explicou 30,1% da variabilidade de todos os itens (autovalor = 3,31).
A variável de exposição “História de câncer de pele” foi criada a partir da seguinte pergunta: “Algum médico já lhe disse que o(a) Sr.(a) tem câncer?”. Quando a resposta fosse “sim”, havia outra pergunta: “Onde (que tipo de câncer)?”. Aqueles que responderam algum tipo de câncer de pele foram incluídos nessa variável. A variável “Índice de Massa Corporal (IMC)” foi obtida por meio do cálculo do peso e altura autorreferidos, considerando IMC 18,5‐24,9kg/m2 normal e IMC 25‐30,0kg/m2 como excesso de peso.
A variável “Tempo na vizinhança” foi usada no modelo como uma representação de quanto tempo eles residem na cidade, já que é uma cidade portuária com uma intensa migração.
Os procedimentos estatísticos foram realizados utilizando o software STATA versão 11.2 (StataCorp LP, College Station, Texas). A análise univariada foi realizada para descrever a amostra em relação a todas as variáveis de interesse. A análise bivariada foi utilizada para calcular a prevalência do desfecho de acordo com as variáveis independentes. A análise multivariada foi realizada de acordo com um modelo hierárquico ou modelo conceitual de análise para determinar a ordem de entrada das variáveis na análise.28 Foi composto por quatro níveis: o primeiro nível compreendeu variáveis sociais (sexo, idade, cor da pele e estado civil); o segundo continha variáveis econômicas e demográficas (tempo no bairro, índice de educação e nível econômico); o terceiro foi composto por variáveis comportamentais (tabagismo, atividade física no lazer, excesso de peso) e o quarto, por variáveis de saúde (consulta médica, autopercepção de saúde e histórico de câncer de pele). Variáveis com p‐valor ≤ 0,20 foram mantidas no modelo como estratégia para controle de confundimento. Regressão de Poisson com ajuste robusto para variância foi utilizada para calcular a razão de prevalência (RP) bruta e ajustada e seus correspondentes intervalos de confiança de 95% (95% IC) e valores de p. Foi utilizado o teste de Wald para heterogeneidade (exposições dicotômicas ou nominais) e para tendência linear (exposições ordinais). O nível de confiança foi estabelecido em 95% e nível de significância em 5%.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Área de Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (n° de registro 20/2016). Todos os princípios éticos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Saúde na Resolução 466/12 foram respeitados. Os participantes foram informados sobre seu direito de recusar a participação e sobre os procedimentos de confidencialidade. Aqueles que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
ResultadosDos 1.423 indivíduos elegíveis, 1.300 participaram do estudo, uma taxa de resposta de 91,0% e 9,0% de perdas (recusa de 6,9% e 2,1% não encontrados). A tabela 1 apresenta a descrição da amostra. A proporção de indivíduos do sexo feminino foi ligeiramente maior (56,6%), enquanto a cor da pele branca foi predominante (83%). Quase metade (42%) tinha oito anos ou menos de escolaridade; 82% eram não fumantes, 66,6% referiram não praticar atividade física no lazer e 61,6% tinham excesso de peso. A autopercepção de saúde foi descrita como boa por 44,7% e regular ou ruim por 33,9%. A maioria dos participantes (79,9%) realizou uma consulta médica no último ano. A prevalência de não uso de protetor solar foi de 38,2% (95% IC: 34,6%‐41,8%), deff e coeficiente de correlação intraclasse foram 1,79 e 0,038, respectivamente. Algumas variáveis como escolaridade, cor da pele, índice de bens, atividade física no lazer e consulta médica durante o ano apresentaram faltas.
Distribuição da amostra de adultos e idosos da cidade do Rio Grande (RS), Brasil, 2016 (n = 1.300)
Variável | n | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 564 | 43,4 |
Feminino | 736 | 56,6 |
Faixa etária (anos) | ||
18‐39 | 508 | 39,1 |
40‐59 | 477 | 36,7 |
≥ 60 | 315 | 24,2 |
Cor da pelea | ||
Branca | 1.077 | 83,0 |
Parda | 103 | 7,9 |
Preta | 108 | 8,3 |
Estado civil | ||
Solteiro | 602 | 46,3 |
Casado, separado, viúvo | 698 | 53,7 |
Tempo em que mora no bairro | ||
< 5 anos | 335 | 25,8 |
5‐10 anos | 500 | 38,4 |
> 10 anos | 465 | 35,8 |
Escolaridade (anos) | ||
0‐8 | 543 | 41,8 |
9‐11 | 400 | 30,8 |
≥ 12 | 355 | 27,4 |
Índice de bens (tercis) | ||
1° (menor) | 447 | 34,4 |
2° | 419 | 32,3 |
3° (maior) | 433 | 33,3 |
Tabagismo | ||
Não fumante | 1.066 | 82,0 |
Fumante | 234 | 18,0 |
Atividade física no lazer | ||
Não | 862 | 66,6 |
Sim | 433 | 33,4 |
Índice de massa corporal (IMC)b | ||
Normal | 477 | 38,4 |
Excesso de peso | 765 | 61,6 |
Consulta médica no último ano | ||
Não | 260 | 20,1 |
Sim | 1.037 | 79,9 |
Autopercepção da saúde | ||
Excelente/muito boa | 278 | 21,4 |
Boa | 582 | 44,7 |
Regular/ruim | 440 | 33,9 |
História de câncer de pele | ||
Não | 1.292 | 99,4 |
Sim | 8 | 0,6 |
Usa protetor solar | ||
Não | 496 | 38,2 |
Sim | 804 | 61,8 |
Total | 1.300 | 100,0 |
A tabela 2 mostra a prevalência do desfecho de acordo com as variáveis independentes e os resultados da análise multivariada. Os homens apresentaram maior probabilidade de não usar o protetor solar em comparação às mulheres (RP = 1,82; 95% IC: 1,59‐2,07). Idade, cor da pele e autopercepção de saúde foram positivamente associadas ao desfecho, de modo que os participantes acima de 40 anos (RP = 1,26; 95% IC: 1,07‐1,98), cor parda (RP = 1,34; 95% IC: 1,12‐1,61) e cor da pele preta (RP = 1,57; 95% IC: 1,32‐1,88) e com autopercepção de saúde regular ou ruim (RP = 1,60; 95% IC: 1,24‐2,06) apresentaram maior probabilidade de não usar o protetor solar.
Análise do não uso de protetor solar em adultos e idosos na cidade do Rio Grande (RS), Brasil, 2016 (n = 1.300)
Variável | % que não usa protetor solar | Análise bruta | Análise ajustada | ||
---|---|---|---|---|---|
RP (IC95%) | Valor p | RP (95% IC) | Valor p | ||
Sexo | < 0,001 | < 0,001 | |||
Masculino | 50,9 | 1,79 (1,57‐2,04) | 1,82 (1,59‐2,07) | ||
Feminino | 28,4 | 1,00 | 1,00 | ||
Faixa etária (anos) | < 0,001a | < 0,001a | |||
18‐39 | 31,3 | 1,00 | 1,00 | ||
40‐59 | 35,9 | 1,15 (0,98‐1,34) | 1,26 (1,07‐1,98) | ||
≥ 60 | 52,7 | 1,68 (1,42‐1,99) | 1,96 (1,67‐2,31) | ||
Cor da pele | < 0,001 | < 0,001 | |||
Branca | 35,5 | 1,00 | 1,00 | ||
Parda | 49,5 | 1,40 (1,14‐1,71) | 1,34 (1,12‐1,61) | ||
Preta | 53,7 | 1,51 (1,26‐1,81) | 1,57 (1,32‐1,88) | ||
Estado civil | 0,210 | 0,105 | |||
Solteiro | 36,2 | 1,00 | 1,00 | ||
Casado, separado, viúvo | 39,8 | 1,10 (0,95‐1,28) | 1,14 (0,97‐1,33) | ||
Tempo em que mora no bairro | <0,001 | 0,327 | |||
< 5 anos | 34,6 | 1,00 | 1,00 | ||
5‐10 anos | 33,4 | 0,97 (0,77‐1,21) | 0,96 (0,77‐1,20) | ||
> 10 anos | 45,8 | 1,32 (1,11‐1,58) | 1,07 (0,90‐1,28) | ||
Escolaridade (anos) | < 0,001a | < 0,001a | |||
0‐8 | 55,8 | 3,14 (2,35‐4,21) | 2,51 (1,86‐3,39) | ||
9‐11 | 32,0 | 1,80 (1,32‐2,46) | 1,61 (1,18‐2,21) | ||
≥ 12 | 17,8 | 1,00 | 1,00 | ||
Índice de bens (tercis) | < 0,001a | 0,006 | |||
1 (menor) | 51,2 | 1,79 (1,48‐2,16) | 1,27 (1,06‐1,52) | ||
2 | 34,1 | 1,19 (0,95‐1,50) | 1,03 (0,84‐1,27) | ||
3 (maior) | 28,6 | 1,00 | 1,00 | ||
Tabagismo | 0,001 | 0,289 | |||
Não fumante | 36,4 | 1,00 | 1,00 | ||
Fumante | 46,2 | 1,27 (1,10‐1,46) | 1,09 (0,93‐1,27) | ||
Atividade física no lazer | < 0,001 | 0,002 | |||
Não | 43,0 | 1,52 (1,26‐1,83) | 1,31 (1,10‐1,55) | ||
Sim | 28,4 | 1,00 | 1,00 | ||
Índice de Massa Corporal | 0,183 | 0,347 | |||
Normal | 35,4 | 1,00 | 1,00 | ||
Excesso de peso | 39,2 | 1,11 (0,95‐1,29) | 1,07 (0,93‐1,22) | ||
Consulta médica no último ano | < 0,001 | 0,008 | |||
Não | 49,6 | 1,40 (1,21‐1,63) | 1,25 (1,06‐1,48) | ||
Sim | 35,4 | 1,00 | 1,00 | ||
Autopercepção da saúde | < 0,001a | < 0,001a | |||
Excelente/muito boa | 23,0 | 1,00 | 1,00 | ||
Boa | 36,9 | 1,61 (1,19‐2,17) | 1,23 (0,93‐1,62) | ||
Regular/ruim | 49,3 | 2,14 (1,64‐2,79) | 1,60 (1,24‐2,06) | ||
História de câncer de pele | 0,246 | 0,319 | |||
Não | 38,3 | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 12,5 | 3,07 (0,46‐20,7) | 2,72 (0,37‐19,8) |
95% IC, intervalo de confiança de 95%; RP, razão de prevalência.
Os entrevistados que não tiveram consulta com médico no último ano (RP = 1,25; 95% IC: 1,06‐1,48) e que não praticavam atividade física no lazer (RP = 1,31; 95% IC: 1,10‐1,55) também tinham uma maior probabilidade de não usar protetor solar. No entanto, identificou‐se que quanto menor a escolaridade (p < 0,001) e menor o índice de bens (p = 0,006), maior a probabilidade de não usar de filtro solar. As variáveis “tempo em que mora no bairro”, “tabagismo”, “estado civil”, “IMC” e “história de câncer de pele” não foram associadas ao desfecho.
DiscussãoEste é o primeiro estudo de base populacional em adultos na cidade do Rio Grande que buscou avaliar a prevalência sobre o não uso do protetor solar e fatores associados nessa população. Foi encontrada uma prevalência do não uso de protetor solar (38,2%), mostrando que os homens apresentaram maior probabilidade de terem esse comportamento comparado às mulheres. A literatura científica aponta que os homens são menos preocupados com os efeitos nocivos da radiação UV e que as mulheres usam mais frequentemente o protetor solar, provavelmente devido a um maior senso de cuidado com saúde e estética.13,15–17,22
As análises mostraram que quanto maior a idade, maior a probabilidade de não aplicar protetor solar (p < 0,001). Uma provável explicação seria porque essa geração preconizava a exposição à radiação UV como um benefício para a saúde, não havendo, portanto, o hábito de usar protetor solar, já que no Brasil esse comportamento começou a ser introduzido na década de 1980, quando surgiram os primeiros protetores solares no país.29,30 Apesar disso, esses indivíduos podem ter procurado outros meios de proteção como chapéu, vestuário e sombra, já que não apresentaram histórico de casos de câncer de pele nesta amostra.16,18
Peles pardas e pretas também se mostraram associadas ao desfecho positivamente. Quanto mais escura é a cor da pele, maior a probabilidade de não usar o protetor solar. É sabido que quanto maior o nível de melanina na pele, maior será sua proteção natural contra a radiação UV.31 Apesar dessa proteção natural, há evidências de que peles mais escuras podem desenvolver um tipo de câncer de pele, o carcinoma espinocelular.32 O câncer de pele é menos prevalente em pessoas de cor de pele mais escura do que na população branca, mas geralmente se apresenta em um estágio mais avançado, visto que esse grupo não tem um comportamento de proteção adequado como foi observado nessa população, podendo aumentar a morbimortalidade associada a essa patologia.33
A atividade física no lazer é voltada à prática de esportes ao ar livre, promovendo uma exposição à radiação UV, o que requer cuidados específicos.22 A prevalência de não uso de protetor solar entre os fisicamente ativos no lazer foi de 28,4%, menor do que naqueles não considerados fisicamente ativos (43%). Um estudo realizado na cidade de Pelotas (RS) mostrou que pouco mais de 60% dos indivíduos não aplicaram protetor solar durante a prática de esportes, indicando o dobro de prevalência em relação aos encontrados na cidade do Rio Grande.20 Assim, a prática dessas atividades deve ser o momento para se estabelecer uma estratégia de prevenção primária.22
A população estudada apresentou alto índice de indivíduos não fisicamente ativos (66,6%) e com excesso de peso (61,6%). A prevalência entre aqueles que têm excesso de peso e que não usam protetor solar foi de 39,2%, semelhante àqueles com IMC normal (35,4%; p = 0,347). Além disso, Szklo e colaboradores,22 em sua pesquisa domiciliar realizada em 15 capitais brasileiras, mostraram que em Porto Alegre a prevalência de não uso de protetor solar foi de 21% entre aqueles com IMC < 25kg/m2 comparado a 25,9% com IMC ≥ 25kg/m2. As prevalências do não uso do protetor solar na cidade de Porto Alegre e na cidade do Rio Grande não mostraram diferenças entre pessoas com IMC normal e excesso de peso, embora a cidade do Rio Grande apresente maiores prevalências.
Essa população mostrou uma baixa proporção de fumantes (18%), subgrupo que teve uma prevalência de 46,2% que não aplicavam protetor solar, ainda que sem significância estatística quando comparados aos não fumantes (p = 0,289). Outra característica dessa população foi a alta taxa por consulta médica, cerca de 79,9%. A prevalência de não uso de protetor solar nesse subgrupo foi de 35,4% – menor do que aqueles que não realizaram consulta médica (49,6%), diferença estatisticamente significativa (p = 0,008). É possível que nas consultas médicas os indivíduos recebam informações e orientações quanto ao uso de filtro solar.34 No entanto, aqueles que tiveram consulta médica e relataram não uso de filtro solar podem não ter as mesmas orientações.34
O histórico de câncer de pele neste estudo foi investigado por autorrelato de ter tido câncer de pele diagnosticado por um médico. Apenas oito (0,6%) indivíduos da amostra relataram já ter tido câncer de pele. Devido a essa baixa taxa, ocorreu uma falta de poder estatístico (11%) para analisar essa variável.
O não uso de protetor solar foi inversamente associado com escolaridade, assim como também com nível socioeconômico. A alta prevalência de não uso de protetor solar entre aqueles com menos anos de escolaridade (55,8%; p < 0,001) pode ser explicada pela falta de conhecimento sobre os efeitos deletérios da exposição à radiação UV e seus métodos de proteção. Além disso, é possível que a alta frequência de não uso de protetor solar entre os subgrupos mais pobres (51,2%; p = 0,006) seja devido a restrições financeiras que os impedem de comprar e usar protetores solares.14 Esses resultados estão em consonância com estudos prévios.13–16,20 Em vista disso, o governo brasileiro está considerando um projeto de lei que exige o fornecimento de protetor solar na rede pública para aumentar o acesso a ele, especialmente entre os mais pobres.20 Ademais, esses indivíduos podem ser orientados a usar outros métodos de proteção e prevenção como buscar sombra, usar chapéu, guarda‐sol ou vestuário apropriado.15,16
A latitude deve também ser considerada. A radiação UV contém muito mais energia UVA do que energia UVB, particularmente em altas latitudes.35 Enquanto a radiação UVB diminui à medida que se distancia da linha do Equador, a radiação UVA tem sua maior concentração entre os paralelos 20° e 40°.22,36 A cidade do Rio Grande situa‐se a 32,2° de distância da linha do Equador, onde se encontram as maiores concentrações de radiação UVA.37 Assim, indivíduos dessa cidade que relataram não uso de protetor solar podem estar em maior exposição a esses altos níveis de radiação.
Este estudo tem algumas limitações. A primeira diz respeito às medidas autorreferidas. É possível que a prevalência tenha sido subestimada, porque os participantes podem ter relatado maior uso de protetores solares do que realmente usaram. Em segundo lugar, dados sobre outros métodos de proteção e níveis de exposição à radiação UV não foram coletados. Em terceiro lugar, o desenho transversal impede o estabelecimento de relações de causalidade. Por fim, a extrapolação dos resultados para a população em geral deve ser analisada com certo cuidado. Nossos dados foram coletados no outono e no inverno, com menos radiação UV do que seria esperado no verão. Além disso, as estações e o clima de Rio Grande podem diferir de outros municípios do Brasil e do mundo.
ConclusãoCom base nos resultados deste estudo, estima‐se que quatro em cada dez adultos e idosos do município do Rio Grande não utilizem protetor solar. Os grupos de risco foram: homens, idosos, com pele parda ou negra, com menor escolaridade, sem atividade física no lazer, que não realizaram consulta médica no último ano e que perceberam sua saúde como regular ou ruim. Estratégias de prevenção são necessárias para avançar na política de saúde e garantir que as opções de proteção solar sejam facilmente acessíveis. Campanhas educacionais sobre benefícios e malefícios relacionados à intensidade e ao tempo de exposição à radiação UV também devem ser promovidas.
Suporte financeiroA pesquisa recebeu financiamento da FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul‐Programa Primeiros Projetos‐ARD/PPP 2014 e o número do termo de outorga é 16/2551‐0000359‐9).
Contribuição dos autoresElizabet Saes da Silva: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Samuel Carvalho Dumith: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Samuel C. Dumith é bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq.