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Vol. 96. Núm. 5.
Páginas 619-623 (1 setembro 2021)
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Carta – Investigação
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Melanoma cutâneo: estudo retrospectivo de 18 anos. Há diferenças entre os gêneros?
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Bruno de Castro e Souza
Autor para correspondência
dhenriquems@gmail.com

Autor para correspondência.
, Diego Henrique Morais Silva, Neusa Yuriko Sakai Valente, Priscila Kakizaki, Maria Claudia Alves Luce, Luiza Groba Bandeira
Departamento de Dermatologia, Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Tabela 1. Características dos melanomas invasivos por amostra total e por sexo
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Prezado Editor,

Embora o melanoma corresponda a apenas 3% das neoplasias malignas da pele, ele responde pela maioria dos óbitos dentre os tumores cutâneos.1 O melanoma possui incidência semelhante entre homens e mulheres até os 45 anos. A partir daí, o sexo masculino predomina de tal maneira que, após os 75 anos, a incidência nos homens torna‐se quase três vezes maior, levantando a tese de que fatores hormonais estejam implicados em sua patogênese.2 Enquanto a exposição à radiação UV, número e características dos nevos e fototipos baixos são fatores sabidamente associados ao desenvolvimento do melanoma, a presença de ulceração e a espessura tumoral estão associadas a um pior desfecho, e outros fatores de risco e prognósticos são motivos para controvérsias, incluindo o gênero masculino.3

Realizamos um estudo observacional, descritivo e retrospectivo de pacientes diagnosticados com melanoma entre os anos de 1998 e 2016 em um hospital da cidade de São Paulo. As características sociodemográficas e clinicopatológicas desses casos foram coletadas dos prontuários a fim de descrever o comportamento dessa neoplasia com ênfase nas diferenças entre os gêneros. O software utilizado na análise dos dados foi o SPSS versão 25, e as comparações entre os grupos foram realizadas pelo teste do Qui‐Quadrado com correção para o teste exato de Fisher, quando apropriado. A significância estatística foi definida em 5% (p<0,05).

Nesses 18 anos, 359 melanomas foram diagnosticados, dos quais 99 (27,6%) foram caracterizados como in situ (a maioria no sexo feminino – 201 casos; 57,3%) e 260 (72,4%) como invasivos. Dentre os casos de melanoma invasivo, 152 ocorreram em pacientes do sexo feminino (58,5%) e 108 (41,5%) no sexo masculino. A figura 1 exibe que a maioria dos pacientes foi diagnosticada na sétima década de vida (90 pacientes, 25,6%), tendência semelhante em ambos os sexos. Entretanto, a partir dos 70 anos, o diagnóstico do melanoma foi proporcionalmente maior em mulheres. A figura 2A demonstra que, ao longo dos anos, houve leve aumento do número de casos de melanoma, visto em ambos os sexos. Apesar desse aumento, observa‐se uma tendência ao diagnóstico mais precoce dos casos de melanoma, diagnosticados com índice de Breslow menores (fig. 2B). Informações sobre a sobrevida dos pacientes foram encontradas em 221 casos. Destes, 178 (78,4%) sobreviveram aos primeiros cinco anos após o diagnóstico de melanoma.

Figura 1.

Casos de melanoma quanto à idade ao diagnóstico (total e diferenciação por sexo).

(0.2MB).
Figura 2.

(A), Incidência do melanoma entre 1998 e 2016 por sexo; (B), espessura tumoral (Breslow) ao diagnóstico, com diminuição da espessura média na última década.

(0.23MB).

A tabela 1 apresenta as características dos tumores invasivos, e inclui a diferenciação por sexo. Quanto ao tipo histológico, o melanoma extensivo superficial respondeu pela maioria dos casos, com 126 diagnósticos (48,5%), seguido pelo melanoma nodular, com 58 (22,3%), lentiginoso acral com 44 (16,9%) e lentigo maligno com 32 (12,3%) diagnósticos. Os homens apresentaram maior frequência de melanoma nodular (34; 13,1%) em relação às mulheres (9,2%; p=0,014).

Tabela 1.

Características dos melanomas invasivos por amostra total e por sexo

Número de melanomas invasivos diagnosticados  Total  Mulheres  Homens 
  260 (100%)  152 (58,5%)  108 (41,5%)   
Tipo histológico
Extensivo  126 (48,5)  79 (30,4)  47 (18,1)  0,014
Lentigo maligno  32 (12,3)  22 (10,0)  10 (3,8) 
Nodular  58 (22,3)  24 (9,2)  34 (13,1) 
Acral  44 (16,9)  27 (10,4)  17 (6,5) 
Localização
Cabeça e pescoço  90 (24,5)  40 (19,2)  50 (31,4)  0,001
Tronco anterior  42 (11,4)  13 (6,3)  29 (18,2) 
Dorso  78 (21,3)  40 (19,2)  38 (23,9) 
MMSS  66 (18,0)  51 (24,5)  15 (9,4) 
MMII  40 (10,9)  31 (14,9)  9 (5,7) 
Palmoplantar  53 (13,6)  31 (14,9)  18 (11,3) 
Genitália  2 (0,5)  2 (1,0) 
Clark
II  66 (24,7)  43 (28,9)  23 (19,5)  0,129
III  69 (25,8)  42 (28,2)  27 (22,9) 
IV  100 (37,5)  50 (33,6)  50 (42,4) 
32 (12,0)  14 (6,9)  18 (15,3) 
Breslow
<0,75  94 (35,5)  60 (40,8)  34 (28,3)  0,156
0,75‐1,5  40 (15,1)  22 (15,0)  18 (15,3) 
1,51‐2,25  25 (6,8)  16 (10,9)  9(7,6) 
2,26‐3,0  22 (8,3)  10 (6,8)  12 (10,2) 
>3,00  84 (31,7)  39 (26,5)  45 (38,1) 
Presença de mitoses  160 (52,8)  87 (49,7)  73 (56,3)  0,304 
Presença de ulceração  66 (25,7)  33 (22,3)  33 (30,3)  0,148 

MMII, membros inferiores; MMSS, membros superiores.

Em mulheres, os locais mais acometidos por melanomas foram os membros superiores, em 51 casos (24,5%). Em contrapartida, em homens, os melanomas foram encontrados principalmente na região da cabeça e pescoço, em 50 casos (31,4%), e no dorso, com 38 casos (23,9%). A diferença entre os sexos foi considerada estatisticamente significativa (p=0,001).

Quanto ao nível de invasão, dentre pacientes do sexo feminino, a maioria dos melanomas invadiu apenas ao nível da derme papilar – Clark II, 60 casos (40,8%). Em contrapartida, a maioria dos melanomas apresentou níveis de Clark IV, 50 casos (42,4%), no sexo masculino; p = 0.129.

Quanto ao Breslow dos melanomas no sexo masculino, a maioria apresentou espessura>3mm (42 casos, 38,2%), enquanto no sexo feminino a maioria apresentou Breslow<0,75mm (58 casos, 41,4%), porém não houve relevância estatística (p=0,156). Mitoses no componente invasivo do melanoma foram vistas em 52,8% dos casos. Presença de ulceração foi relatada em 22,3% das mulheres e 30,3% dos homens (p>0,05). Embora não houvesse diferença estatística significativa quanto ao Breslow, presença de mitoses e ulceração, houve diferença na sobrevida entre os sexos. Conforme a figura 3, 78,8% (119 casos) das mulheres sobreviveram aos primeiros cinco anos após o diagnóstico, enquanto essa porcentagem foi de apenas 64,8% para os homens (70 casos); p=0,012.

Figura 3.

Sobrevida em cinco anos segundo o sexo dos pacientes.

(0.15MB).

Com desenho semelhante ao nosso estudo e no mesmo hospital, foram analisados os casos de melanomas diagnosticados entre os anos de 1963 e 1997.4 Durante esse período, foram identificados 222 novos casos de melanoma, com uma incidência média de 9,25 casos/ano. Em nosso estudo houve uma incidência média anual de 19,94 casos. Esses dados são compatíveis com estudos epidemiológicos que apontam um aumento na incidência do melanoma maligno nas últimas décadas.

Nosso estudo identificou diferenças entre os sexos no tocante ao comportamento biológico e no prognóstico do melanoma. Há autores que consideram o sexo um fator prognóstico independente para o melanoma.5 Mesmo após o ajuste para variáveis que pudessem causar vieses (como tipo histológico e idade ao diagnóstico), o prognóstico parece ser pior no sexo masculino.6 Uma das teorias envolvidas no melhor prognóstico do sexo feminino envolve o fator protetor dos estrogênios.7 Entretanto, o uso de contraceptivos ou a gravidez não parecem alterar a sobrevida das mulheres. Além disso, os estudos apresentam resultados conflitantes no que tange à sobrevida das mulheres no período pós‐menopausa.

Como a teoria hormonal não explica totalmente a melhor sobrevida das mulheres com melanoma, a teoria do estresse oxidativo parece promissora. O aumento das espécies reativas de oxigênio parece estar envolvido na carcinogênese do melanoma por meio de mecanismos diversos: (a) mutações no DNA; (b) estímulo à proliferação celular; (c) inibição das células apresentadoras de antígeno. Comparativamente, o sexo masculino apresenta menores níveis de antioxidantes; consequentemente, maiores taxas de dano oxidativo.8

Nosso estudo encontrou diferenças entre os sexos não só na incidência de melanoma, mas também nos sítios anatômicos dos tumores, tipos histológicos e na sobrevida (maior em mulheres). Acreditamos que fatores biológicos (influência hormonal, estresse oxidativo e expressão gênica) e comportamentais (exposição à luz UV e autocuidado) atuem em conjunto para explicar essas diferenças.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Bruno de Castro e Souza: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Diego Henrique Morais Silva: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Neusa Yuriko Sakai Valente: Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Priscila Kakizaki: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Maria Claudia Alves Luce: Revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.

Luiza Groba Bandeira: Revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
G.C. Leonardi, L. Falzone, R. Salemi, A. Zanghì, D.A. Spandidos, J. Mccubrey, et al.
Cutaneous Melanoma: From Pathogenesis to Therapy.
Int J Oncol., 52 (2018), pp. 1071-1080
[2]
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J.M. Farahi, M. Fazzari, T. Braunberger, J.V. Caravaglio, A. Kretowicz, K. Wells, et al.
Gender diferences in melanoma prognostic fator.
Dermatol Online J., 24 (2018), pp. 2-8
[4]
P.R. Criado, C. Vasconcellos, J.A.S. Sittart, N.Y.S. Valente, B.P.S. Moura, G.L. Barbosa, et al.
Melanoma maligno cutâneo primário: estudo retrospectivo de 1963 a 1997 no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
Rev Ass Med Brasil., 45 (1999), pp. 157-162
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Sex differences in melanoma survival are not related to mitotic rate of the primary tumor.
Ann Surg Oncol., 22 (2015), pp. 1598-1603
[6]
E. Crocetti, L. Fancelli, G. Manneschi, A. Caldarella, N. Pimpinelli, A. Chiarugi, et al.
Melanoma survival: sex does matter, but we do not know how.
Eur J of Cancer Prev., 25 (2016), pp. 404-409
[7]
M.A. El Sharouni, A.J. Witkamp, V. Sigurdsson, P.J. Van Diest, M.W.J. Louwman, N.A. Kukutsch.
Sex matters: men with melanoma have a worse prognosis than women.
J Eur Acad Dermatol Venereol., 33 (2019), pp. 2062-2067
[8]
A. Joosse, E. de Vries, C.H. van Eijck, A.M.M. Eggermont, T. Nijsten, J.W.W. Coebergh.
Reactive oxygen species and melanoma: an explanation for gender differences in survival?.
Pigment Cell Melanoma Res., 23 (2010), pp. 352-364

Como citar este artigo: Castro e Souza B, Morais Silva DH, Valente NYS, Kakizaki P, Luce MCA, Bandeira LG. Cutaneous melanoma: a retrospective study of 18 years. Are there gender differences? An Bras Dermatol. 2021;96:619–23.

Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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