O melanoma é responsável por 90% das mortes por câncer de pele. No Brasil, em 2020, foram registrados 4.250 novos casos em mulheres e 4.200 em homens; a região Norte foi responsável por 190 desses casos, e o estado do Pará, por 26,50% deles.1
Existem fatores de riscos individuais para os melanomas, como numerosos nevos displásicos, história familiar e fototipos menores na escala de Fitzpatrick.2 A taxa de sobrevida em cinco anos para pacientes com melanoma in situ é maior que 90%, enquanto para aqueles com doenças regionais e metástases a distância a sobrevida em cinco anos é de 62% e 16%, respectivamente.1,2
O objetivo deste estudo é descrever e correlacionar o perfil epidemiológico e clínico dos pacientes com melanoma cutâneo primário no Hospital Ophir Loyola, centro de referência em câncer na Amazônia. Além disso, identificar os tipos de melanoma e correlaciona‐los com a presença de metástase, comparando com os níveis de Clark e os índices de Breslow; identificar o tempo de sobrevida dos pacientes e correlacionar com os parâmetros supracitados e a presença de linfonodos satélites.
Os dados foram coletados retrospectivamente. Para a avaliação de presença de metástase foi utilizado o teste G, e para a análise de sobrevida foram geradas curvas de sobrevivência segundo o método de Kaplan‐Meier para a amostra total, utilizando o teste Log‐Rank para comparação de curvas. O hazard ratio foi calculado considerando sexo, idade, fototipo e níveis de Clark. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, mediante parecer n° 5.156.829.
Foram avaliados 91 prontuários, durante o período de janeiro de 2015 a dezembro de 2020, com perfil epidemiológico classificado de acordo com gênero, faixa etária e fototipo. Ao analisar os dados clínicos, observou‐se significância (p < 0,05) tanto na avaliação dos tipos de melanoma quanto na classificação dos níveis de Clark e índices de Breslow, ao serem correlacionados com a presença ou não de metástases (tabela 1). Trinta e um pacientes apresentaram metástases; os principais sítios foram o sistema nervoso central, pulmonar e partes moles. Foram avaliadas a sobrevida geral (fig. 1) dos pacientes diagnosticados com melanoma, bem como a sobrevida dos pacientes de acordo com os índices de Breslow (fig. 2) e naqueles com ou sem a presença de linfonodos satélites (fig. 3).
Características clínicas segundo a presença de metástases em pacientes de melanoma atendidos em serviço de referência (Belém/PA, 2015‐2020)
Características clínicas | Com metástase | Sem metástase | p‐valor | ||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
Sexo | |||||
Masculino | 17 | 54,84 | 24 | 40,00 | Teste G |
Feminino | 14 | 45,16 | 36 | 60,00 | 0.2606 |
Total | 31 | 100,00 | 60 | 100,00 | |
Faixa etária | |||||
20 a 30 anos | – | – | 2 | 3,33 | Teste G |
31 a 40 anos | 1 | 3,23 | 4 | 6,67 | 0,4307 |
41 a 50 anos | 7 | 22,58 | 8 | 13,33 | |
51 a 60 anos | 9 | 29,03 | 16 | 26,67 | |
61 a 70 anos | 5 | 16,13 | 8 | 13,33 | |
71 a 80 anos | 7 | 22,58 | 10 | 16,67 | |
Maior de 80 anos | 2 | 6,45 | 12 | 20,00 | |
Total | 31 | 100,00 | 60 | 100,00 | |
Fototipo | |||||
I | 5 | 16,13 | 2 | 3,33 | Teste G |
II | 4 | 12,90 | 7 | 11,67 | 0,3050 |
III | 9 | 29,03 | 15 | 25,00 | |
IV | 8 | 25,81 | 21 | 35,00 | |
V | – | – | 1 | 1,67 | |
VI | – | – | 2 | 3,33 | |
Sem informação | 5 | 16,13 | 12 | 20,00 | |
Total | 31 | 100,00 | 60 | 100,00 | |
Tipo de melanoma | |||||
Acral lentiginoso | 10 | 32,26 | 17 | 28,33 | Teste G |
Extensivo superficial | 2 | 6,45 | 17 | 28,33 | 0,0268 |
Lentigo maligno | 2 | 6,45 | 11 | 18,33 | |
Nodular | 13 | 41,94 | 15 | 25,00 | |
Sem informação | 4 | 12,90 | – | – | |
Total | 31 | 100,00 | 60 | 100,00 | |
Níveis de Clark | |||||
1 | – | 0,00 | 9 | 15,00 | Teste G |
2 | – | 0,00 | 8 | 13,33 | 0,0001 |
3 | 3 | 9,68 | 12 | 20,00 | |
4 | 12 | 38,71 | 21 | 35,00 | |
5 | 16 | 51,61 | 10 | 16,67 | |
Total | 31 | 100,00 | 60 | 100,00 | |
Índice de Breslow | |||||
Menor que 1 mm | – | 0,00 | 17 | 28,33 | Teste G |
1 a 2 mm | 3 | 9,68 | 13 | 21,67 | < 0,0001 |
3 a 4 mm | 2 | 6,45 | 8 | 13,33 | |
Maior que 4 mm | 26 | 83,87 | 22 | 36,67 | |
Total | 31 | 100,00 | 60 | 100,00 |
Após a avaliação dos dados, foi possível identificar leve predominância naqueles que apresentavam fototipo III e IV (p < 0,0001). Esses dados divergem da literatura, que aponta maior incidência de melanoma em pacientes com fototipos mais claros (I e II), em virtude da menor capacidade de bronzear e maior propensão a queimar. É válido ressaltar que os fototipos descritos como mais frequentes são os de maior prevalência na região Norte do Brasil, como descrito no censo brasileiro de 2010, o que torna um viés para sua análise exclusiva como fator de risco e não exclui que a doença aconteça.3
Quanto à faixa etária, nota‐se concordância do aumento dos diagnósticos com o avançar da idade. Verificou‐se que 50% dos pacientes avaliados tinham mais de 60 anos, corroborando com a literatura, a qual indica a idade como importante fator de risco para melanoma e mortalidade decorrente de melanoma, em virtude da exposição excessiva ao sol e dano acumulativo, por vezes associado a nevos displásicos.1,3
Houve maior prevalência do subtipo nodular, bem como sua associação com a presença de metástase (42% dos casos). Esses dados ratificam a literatura, à medida que esses tumores são caracterizados por crescimento rápido e alta taxa de mortalidade, responsáveis por cerca de 40% das mortes por melanoma, considerado um dos subtipos mais agressivos.4 Esse tipo de lesão não apresenta fase de crescimento radial reconhecível, o que dificulta seu reconhecimento em fases iniciais.5 O subtipo acral lentiginoso foi o segundo mais associado com metástase (32,26%), o que é justificado por suas características histopatológicas – quando comparado ao extensivo superficial,6 o subtipo acral lentiginoso apresenta fatores preditivos de pior prognóstico, como maior número de macrófagos em áreas peritumoral e intratumoral, que influenciam a espessura tumoral, ulceração, taxa mitótica e metástase.7
Observou‐se significância estatística para a presença de metástase em mais da metade dos pacientes em que o tumor atingia > 4 mm de profundidade ou estágio IV de Breslow (p=0,0001), bem como lesava o tecido celular subcutâneo ou nível 5 de Clark (p=0,0001). Essa correlação é sustentada pela literatura – quanto maior o grau de profundidade e extensão nos tecidos adjacentes, maior é a chance de metástase.8
A sobrevida dos pacientes é influenciada por diversos fatores de pior prognóstico, desde características gerais, como a idade, até subtipo tumoral e sua capacidade mitótica.9 Verificou‐se que menos de 50% dos pacientes com extensão tumoral > 4 mm (p=0,0001) e que atingiam tecido celular subcutâneo (p=0,0004) alcançaram a sobrevida de cinco anos. A espessura de Breslow é a considerada mais importante para a ocorrência de metástases, e está associada diretamente com o índice mitótico da neoplasia.10
Além disso, pacientes que apresentaram linfonodos satélites tiveram sobrevida média de apenas três anos após o diagnóstico. Pode‐se esperar menor sobrevida em pacientes com indicação de biopsia de linfonodos sentinelas, no sentido que são fatores de risco para menor tempo livre de doença, como índices de Breslow ≥ 1 mm e índice mitótico ≥ 5 mm2.8 Importante salientar que 74 pacientes deste estudo apresentaram esses critérios, e foram, então, submetidos à pesquisa de linfonodos sentinelas. Por fim, ainda com as altas prevalências de subtipos mais invasivos e a presença de fatores de pior prognóstico, a sobrevida geral dos pacientes no serviço de referência mostrou que mais de 50% dos pacientes alcançaram a sobrevida de cinco anos.
Este estudo, portanto, fundamenta as diferenças clínicas e epidemiológicas existentes nos diversos serviços do país, bem como abre espaço para novas hipóteses e pesquisas voltadas para a área da Dermatologia Oncológica. Ressalta‐se, especialmente, em virtude da alta frequência de formas nodulares e acrais, com índice de Breslow > 4 mm, a importância da conscientização dos profissionais da Saúde e do investimento em campanhas de prevenção primária, haja vista que essas condições são responsáveis por 33% de metástases durante o seguimento. Isso, por vezes, recai na criação de um fluxo de sistema de Saúde mais ágil e eficaz.
O estudo teve como principais limitações a pequena amostragem e, sem dúvidas, o acesso aos dados, que estavam em prontuários físicos, grande parte separados e sem estadiamento, o qual foi feito pelos pesquisadores com os exames anexados.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresAmanda Gabay Moreira: Revisão crítica de literatura; obtenção, análise e interpretação dos dados; análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Antônio Vitor Da Silva Freitas: Revisão crítica de literatura; obtenção, análise e interpretação dos dados; análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Carla Andrea Avelar Pires: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.