Não há consenso no processo de estadiamento do melanoma, existindo uma diversidade de protocolos entre países e diferentes instituições.1
Levando‐se em conta o contínuo incremento na incidência do melanoma e na demanda financeira dos sistemas de saúde, requer‐se que o manejo desses pacientes promova bons resultados clínicos e relação custo‐benefício.2,3
O presente estudo avaliou a frequência de solicitação de exames de imagem no estadiamento do melanoma cutâneo, as taxas de positividade verdadeira e falsa, o impacto da feitura do exame no prognóstico do paciente e as características demográficas e clínicas associadas.
Trata‐se de um estudo tipo coorte retrospectiva que analisa prontuários médicos de casos de melanoma tratados e acompanhados na instituição entre 1999 e 2016, tendo sido excluídos os tumores in situ.
Foram desprezados os prontuários nos quais o exame anatomopatológico não possibilitou o adequado estadiamento do tumor inicial. Foram considerados como exames de estadiamento aqueles feitos em até três meses do diagnóstico inicial.
Foram avaliados os resultados de radiografias de tórax (RT) e tomografias de cabeça, pescoço, tórax, abdômen e pelve (TC) segundo os laudos radiológicos. A positividade foi considerada verdadeira quando obtida evidência histológica da lesão ou quando a evolução do paciente manifestou recidiva clinicamente evidente.
Variáveis contínuas foram analisadas bivariadamente pelos testes t de Student e Mann‐Whitney, dependendo da normalidade das distribuições, avaliada pelo teste de Shapiro‐Wilk. As variáveis categóricas foram comparadas pelos testes de qui‐quadrado.
O impacto do exame radiológico na sobrevida a partir do diagnóstico inicial foi avaliado pela regressão de Cox. Foram considerados significativos valores bicaudais de p < 0,05.
Foram identificados 93 casos incluídos no estudo, dos quais 57 fizeram exames de imagem iniciais. A tabela 1 ilustra as características basais dos pacientes incluídos e os exames de imagem no estadiamento.
Características dos pacientes incluídos no estudo (n=93)
Características basais | n (%) |
---|---|
Sexo | |
Feminino | 44 (47,3) |
Masculino | 49 (52,7) |
Idade ao diagnóstico (anos) | 62 (49‐75)a |
Tempo seguimento (meses) | 55 (22‐88)a |
Óbito no seguimento | 30 (32,3) |
Óbito por melanoma | 16 (17,2) |
Tipo clínico | |
Extensivo superficial | 44 (47,3) |
Nodular | 15 (16,1) |
Acral lentiginoso | 16 (17,2) |
Lentigo maligno melanoma | 18 (19,4) |
Localização | |
Cabeça e pescoço | 26 (28) |
Tronco | 31 (33,3) |
Membros | 36 (38,7) |
Presença de ulceração | 27 (29) |
Espessura de Breslow (mm) | 1,3 (0,6‐4)a |
Exames de imagem de estadiamento | |
Exames alterados/exames realizados | 13/57 (22,8) |
Achados falso‐positivos/exames realizados | 9/57 (15,8) |
Achados verdadeiro‐positivos em radiografias de tórax | 0/51 (0) |
Achados falso‐positivos em radiografias de tórax | 3/51 (5,9) |
Achados verdadeiro‐positivos em TCs | 3/11 (27,3) |
Pré‐clínicos | 2/11 (18,2) |
Achados falso‐positivos em TCs | 6/11 (54,5) |
Obteve-se uma amostra equilibrada entre os sexos com lesões tratadas entre a sexta e oitava décadas de vida, seguidos por um período mediano de 4,6 anos, e tumores iniciais de espessura intermediária, com 32% de fatalidade durante o seguimento.
Verificaram‐se frequentes achados incidentais nos exames de imagem iniciais, sem achados verdadeiramente positivos em RT iniciais. Por outro lado, os exames de imagem foram feitos seletivamente, havendo uma regularidade maior para as RT.
Com relação aos exames iniciais de estadiamento, apenas 4/57 pacientes apresentaram achados que indicaram metástase sistêmica de melanoma (por meio de TC). Todas as lesões eram ulceradas, com um Breslow mediano de 9,8mm (1,5-15mm), dos quais 1/4 apresentava linfonodomegalia regional, 1/4 apresentava invasão óssea no tumor primário e 1/4 apresentava microsatelitose.
Os pacientes que fizeram ou não fizeram RT iniciais não diferiram quanto a características demográficas e de estadiamento tumoral (tabela 2). Além disso, mortalidade geral e específica ajustadas por idade, sexo, espessura de Breslow e ulceração não foram diferentes entre esses grupos (p=0,63 e p=0,81 – regressão de Cox).
Comparação entre pacientes de acordo com a realização de radiografias de tórax
Dos pacientes com exames iniciais negativos, 24,5% (13/53) evoluíram para doença metastática identificada em exames de imagem no seguimento – 61,5% (8/13) após manifestação clínica da recidiva. Cinco dos 13 casos de recidiva (38,5%) apresentaram doença metastática em RTs no seguimento.
Dos cinco pacientes que apresentaram achados de metástase assintomática em exames de imagem, três haviam evoluído previamente para estágio III. O tempo mediano de seguimento para a identificação pré‐clínica de doença metastática à distância nos exames de imagem foi de 24 (9‐29) meses.
A figura 1 ilustra as curvas de sobrevida geral dos pacientes, desde o diagnóstico inicial, de acordo com a feitura e alteração dos exames de imagem do seguimento, ajustados por idade, sexo, espessura de Breslow e ulceração, em que se verifica o comportamento mais agressivo de tumores com doença metastática identificada clinicamente (p < 0,01 – regressão de Cox).
Os presentes achados, que corroboram outros estudos, sugerem que a feitura de exames de imagem no estadiamento de pacientes assintomáticos é pouco produtiva, devem ser considerados apenas para casos localmente avançados, com tumores espessos e ulcerados. Os estudos de Gjørup et al. (2016) e Ferrándiz et al. (2016), juntos, identificaram apenas três casos positivos entre RT e TC no estadiamento de 913 pacientes assintomáticos até estágio IIC.4,5
No seguimento, a frequência de achados positivos em pacientes assintomáticos aumentou, porém frequentemente foi precedida de disseminação regional do tumor. De qualquer modo, metástase à distância clinicamente manifesta indicou doença de evolução agressiva.
Apesar das limitações inerentes a estudos retrospectivos, os resultados desfavorecem as RT no estadiamento de pacientes assintomáticos, exceto para casos localmente avançados. Já durante o seguimento, a positividade aumenta, porém geralmente ocorrem precedidas de recidiva locorregional e de sintomas da doença metastática à distância, dentro dos três primeiros anos de seguimento.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLuiza Boava Souza: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Gabriel Peres: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Juliano Vilaverde Schmitt: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.