A celulite dissecante é uma doença inflamatória crônica, progressiva e recidivante que acomete predominantemente o vértice e a região occipital de homens jovens negros. Cursa com pápulas e pústulas que evoluem para nódulos, abscessos e alopecia cicatricial. Este artigo ilustra e discute a tricoscopia evolutiva da celulite dissecante, desde sua fase areata‐símile, passando pela abscedante, até a fibrótica cicatricial. A tricoscopia complementa a classificação clínico-patológica já existente baseada em gravidade e é uma ferramenta complementar útil no diagnóstico precoce e na monitoração do paciente durante o tratamento.
A celulite dissecante (CD) é uma doença inflamatória rara, crônica, progressiva e recidivante, com predomínio de infiltrado inflamatório neutrofílico à histopatologia. Acomete mais frequentemente o vértice e a região occipital do couro cabeludo de homens jovens negros,1 com pápulas e pústulas que podem evoluir para nódulos e abscessos intercomunicantes e, até mesmo, alopecia cicatricial. Os achados clínicos variam de acordo com a extensão e a gravidade da doença. Recentemente, Lee et al. propuseram uma classificação baseada na gravidade da CD e dividiram‐na em três estágios clínico‐patológicos; os estágios I e II são não cicatriciais e o III é representado por alopecia de padrão cicatricial. No entanto, essa classificação não contempla os achados tricoscópicos da CD.2 A tricoscopia tem se mostrado útil no diagnóstico, avaliação prognóstica e monitoramento do tratamento de diversas doenças do couro cabeludo.3 No que tange à CD, Verzi et al. reforçam que a tricoscopia possibilita a ampliação de estruturas pouco visíveis a olho nu, esclarece incertezas do exame clínico e pode ser, portanto, uma ferramenta valiosa para o diagnóstico e o tratamento dessa doença estigmatizante e de etiopatogenia ainda não tão bem elucidada.4 Neste artigo serão ilustradas as características tricoscópicas das CD e correlacionadas suas imagens aos estágios clínicos de progressão da doença.
Nos estágios mais precoces da doença, os achados tricoscópicos da CD podem simular aqueles encontrados na alopecia areata (AA). A presença de infiltrado linfocítico na porção mais baixa dos folículos pilosos terminais na CD5,6 explica sua semelhança tricoscópica com a AA, condição na qual o intenso infiltrado inflamatório peribulbar é muitas vezes referido como em “enxame de abelhas”. O envolvimento das porções inferiores do folículo pode induzir a migração precoce para a fase telógena e, consequentemente, levar à queda de cabelo. Por estar incapaz de iniciar uma nova fase anágena, o folículo permanece vazio, acumula sebo e queratina, justificando assim o surgimento de pontos amarelos à tricoscopia. Além disso, a inflamação pode prejudicar a formação adequada da haste capilar.6 Hastes enfraquecidas quebram, levam ao aparecimento de pelos fraturados e pontos pretos. Recentemente, pelos em ponto de exclamação,7 um achado tricoscópico tipicamente associado à AA, foram descritos nas fases iniciais da CD (fig. 1). É importante ressaltar que tais características indicam que esse estágio ainda é não cicatricial e que, por isso, a repilação é possível com tratamento adequado. Esse aspecto não cicatricial é representado por Lee et al. nos estágios I e II da doença.2 No entanto, na conclusão de seu artigo os autores apontam que o subdiagnóstico da CD é possível. Tal fato reitera a relevância da inclusão da tricoscopia nos critérios de avaliação, melhora assim a precisão diagnóstica, sobretudo nas fases iniciais da doença.
A CD não tratada evolui para o estágio abscedante, que se apresenta com inflamação grave e é caracterizado clinicamente pela presença de pústulas, nódulos e abscessos. Nessa fase, é possível observar os pontos amarelos tridimensionais que contêm ou não pelos distróficos em seu interior, bem como áreas amarelas desestruturadas.8,9 Esses pontos amarelos tridimensionais são maiores do que aqueles descritos nas alopecias não cicatriciais e nos estágios iniciais da CD. Eles também já foram descritos como tendo aspecto em “bolha de sabão”.8,9 As áreas amarelas desestruturadas, típicas da CD, representam verdadeiros “lagos de pus” e são encontradas ao redor dos folículos pilosos (fig. 2). Vasos puntiformes com halo esbranquiçado também podem ser observados, embora não sejam incomuns em outras doenças do couro cabeludo.7 Os pacientes tratados nesse estágio da CD ainda conseguem recuperação ao menos parcial dos cabelos, embora a progressão para alopecia cicatricial pareça ser inevitável em algumas áreas.
Com a progressão da doença para a fase cicatricial, é possível observar, à histopatologia, destruição das glândulas sebáceas e extensa fibrose dérmica. O estágio fibrótico tem achados tricoscópicos semelhantes aos encontrados nas fases finais das alopecias cicatriciais, como áreas brancas com perda das aberturas foliculares, clinicamente vistas como placas brilhantes de alopecia cicatricial. Outro achado característico das fases avançadas da CD são as fendas cutâneas com pelos emergentes. Nesse caso, as hastes capilares emergem das fendas, organizadas em tufos capilares de diferentes tamanhos (fig. 3).
Por conseguinte, este artigo destaca os diferentes achados tricoscópicos da CD ao longo das fases evolutivas da doença, que complementam a classificação proposta por Lee et al.2 e reforçam o importante papel da tricoscopia no diagnóstico, escolha terapêutica e seguimento dos pacientes afetados. Essa é uma divisão didática da progressão clínica observada na doença e alguma sobreposição de achados nos estágios pode ser observada.4 Embora mais investigações sejam necessárias para confirmar essas observações, a adoção da tricoscopia pelo dermatologista refina os cuidados com os pacientes portadores de CD, sobretudo no que se refere ao reconhecimento precoce e monitoração do paciente durante o tratamento.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresDaniel Fernandes Melo: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito.
Luciana Rodino Lemes: Elaboração e redação do manuscrito.
Bruna Duque-Estrada: Elaboração e redação do manuscrito.
Rodrigo Pirmez: Elaboração e redação do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Drª Taynara Barreto e Drª Violeta Tortelly, pela contribuição científica.