Cerca de 5% dos pacientes com diagnóstico de melanoma apresentarão um segundo melanoma primário, e estima‐se que 26 a 40% sejam sincrônicos.1 Definem‐se como tumores sincrônicos aqueles diagnosticados no mesmo momento ou dentro do intervalo de até três meses.2
O melanoma pode exibir amplo espectro de apresentação dermatoscópica, e o padrão em casos sincrônicos foi avaliado em poucos estudos. Foi aventado que, se fatores endógenos e exógenos para um indivíduo permanecem os mesmos, as características clínicas e dermatoscópicas das lesões deveriam ser semelhantes.3 O maior conhecimento provém de duas publicações de Moscarella et al., que avaliaram a dermatoscopia de melanomas múltiplos e incluíram 32 pacientes com neoplasias sincrônicas em um estudo e 18 casos no outro.2,3 No primeiro estudo, observou‐se maior chance de lesões síncronas exibirem dermatoscopia semelhante quando comparadas com melanomas metacrônicos.3 No outro, a similaridade dermatoscópica foi correlacionada com idade avançada e fotodano, não havendo relação com sincronicidade.2 Além desses trabalhos, identificamos quatro relatos de pacientes com melanomas sincrônicos em artigos que compararam a dermatoscopia das lesões.4–7
Apresentamos um estudo retrospectivo de pacientes com melanomas cutâneos primários sincrônicos atendidos entre julho de 2016 e dezembro de 2019, comparando as lesões nos aspectos histológico, clínico e dermatoscópico. Este é o primeiro estudo com tal enfoque em população da América do Sul.
Foram encontrados oito pacientes com melanomas sincrônicos (cinco tiveram dois melanomas cada; dois apresentaram três melanomas; e um teve quatro), com um total de 20 melanomas. A idade variou entre 53 e 73 anos – cinco homens e três mulheres. Quanto ao tipo histológico, foram 14 extensivos superficiais, quatro lentigos malignos, um nodular e um com características mistas. Quinze foram classificados como melanomas in situ e cinco, invasivos. Nove lesões (45%) não foram consideradas suspeitas após anamnese e exame físico, mas todas foram classificadas como de risco na dermatoscopia (tabela 1). A tabela 2 descreve os achados dermatoscópicos.
Aspectos clínicos e histológicos dos melanomas por paciente
Pacientes | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 |
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Sexo | F | M | M | F | F | M | M | M |
Idade | 65 | 53 | 63 | 69 | 59 | 71 | 67 | 73 |
Localização | A. Ombro direito – lateral | A. Antebraço direito | A. Braço direito | A. Escapular direita | A. Braço esquerdo | A. Escapular esquerda | A. Braço direito | A. Ombro direito |
B. Ombro direito – medial | B. Braço esquerdo | B. Região zigomática esquerda | B. Dorso à esquerda | B. Coxa direita | B. Escapular direita | B. Trapézio esquerdo | B. Região interescapular esquerda | |
C. Escapular esquerda superior | C. Região esternal | C. Região interescapular direita | ||||||
D. Escapular esquerda inferior | ||||||||
Lesão suspeita clinicamente | A: Sim | A: Sim | A: Sim | A: Sim | A: Sim | A: Sim | A: Sim | A: Não |
B: Não | B: Não | B: Não | B: Sim | B: Sim | B: Não | B: Sim | B: Não | |
C: Sim | C: Não | C: Não | ||||||
D: Não | ||||||||
Tipo histológico | A. Lentigo maligno | A. Extensivo superficial | A. Nodular | A. Extensivo superficial | A. Extensivo superficial | A. Extensivo superficial | A. Extensivo superficial | A. Extensivo superficial |
B. Lentigo maligno | B. Extensivo superficial | B. Lentigo maligno | B. Extensivo superficial | B. Extensivo superficial | B. Extensivo superficial | B. Extensivo superficial | B. Extensivo superficial | |
C. Lentigo maligno | C. Extensivo superficial | C. Extensivo superficial | ||||||
D. Características mistas de lentigo maligno e extensivo superficial) | ||||||||
Breslow | A. In situ | A. 0,1 mm | A. 1 mm | A. In situ | A, 1,3 mm | A. In situ | A. 1,2 mm | A. In situ |
B. In situ | B. In situ | B. In situ | B. In situ | B. 0,3 mm | B. In situ | B. In situ | B. In situ | |
C. In situ | C. In situ | C. In situ | ||||||
D. In situ | ||||||||
Ulceração | A. Ausente | A. Ausente | A. Ausente | A. Ausente | A. Presente | A. Ausente | A. Ausente | A. Ausente |
B. Ausente | B. Ausente | B. Ausente | B. Ausente | B. Ausente | B. Ausente | B. Ausente | B. Ausente | |
C. Ausente | C. Ausente | C. Ausente | ||||||
D. Ausente | ||||||||
Estadiamento | A. 0 | A. IA | A. IB | A. 0 | A. IIA | A. 0 | A. IB | A. 0 |
B. 0 | B. 0 | B. 0 | B. 0 | B. IA | B. 0 | B. 0 | B. 0 |
Descrição da dermatoscopia
Paciente | Características dermatoscópicas das lesões, identificadas por letra para cada paciente. |
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Paciente 1 | A. Assimetria nos dois eixos; quatro cores (marrom‐claro, marrom‐escuro, cinza, preto); linhas anguladas marrons; véu acinzentado; poucos pontos marrons e pretos irregulares. |
B. Assimetria nos dois eixos; duas cores (marrom‐claro, marrom‐escuro); área sem estrutura marrom ocupando maior parte da lesão; poucos pontos marrons não agrupados; linhas anguladas marrons discretas. | |
C. Assimetria nos dois eixos; cinco cores (branco, marrom‐claro, marrom‐escuro, vermelho, preto); áreas brancas cicatriciais; crisálidas; área sem estrutura marrom escura e preta; rede pigmentar atípica. | |
D. Assimetria nos dois eixos; duas cores (marrom‐claro e cinza); linhas anguladas cinza; rede invertida; área sem estrutura marrom‐clara; rede pigmentar. | |
Paciente 2 | A. Assimetria nos dois eixos; cinco cores (azul, marrom‐claro, marrom‐escuro, vermelho, preto); véu azulado; pontos e glóbulos irregulares; área sem estrutura marrom. |
B. Assimetria nos dois eixos; uma cor (marrom‐claro); pseudópodes e glóbulos irregulares na periferia; área sem estrutura central marrom‐clara (padrão spitzoide). | |
Paciente 3 | A. Assimetria nos dois eixos; cinco cores (azul, branco, marrom‐escuro, vermelho, amarelo); véu cinza azulado; crisálidas; vasos em grampo e vasos lineares irregulares (padrão vascular atípico); área sem estrutura marrom‐escura. |
B. Assimetria nos dois eixos; duas cores (marrom‐claro e marrom‐escuro); pigmentação perifolicular assimétrica. pontos e glóbulos irregulares. | |
Paciente 4 | A. Assimetria nos dois eixos; quatro cores (cinza, marrom‐claro, marrom‐escuro, branco); véu acinzentado; linhas anguladas; áreas brancas cicatriciais; rede pigmentar atípica. |
B. Assimetria nos dois eixos; cinco cores (marrom‐claro, marrom‐escuro, vermelho, branco, cinza); áreas brancas cicatriciais; linhas anguladas; rede pigmentar atípica; vasos lineares irregulares. | |
Paciente 5 | A. Assimetria nos dois eixos; seiscores (azul, preto, marrom‐claro, marrom‐escuro, branco e vermelho); véu azul esbranquiçado; rede pigmentar atípica; ulceração. |
B. Assimetria nos dois eixos; quatro cores (marrom‐claro, marrom‐escuro, vermelho, branco); área branca cicatricial; pontos e glóbulos irregulares; rede pigmentar atípica; área sem estrutura marrom‐escura excêntrica de onde saem pseudópodes para o interior da lesão (ilha dermatoscópica); crisálidas; vasos lineares irregulares. | |
Paciente 6 | A. Assimetria nos dois eixos; cinco cores (preto, azul, marrom‐claro, marrom‐escuro, vermelho); véu azulado; rede pigmentar atípica; estrias irregulares; pontos irregulares. |
B. Assimetria nos dois eixos; quatro cores (branco, vermelho, cinza, marrom‐claro); área branca cicatricial; linhas anguladas cinza; poucos glóbulos marrons irregulares. | |
C. Assimetria nos dois eixos; quatro cores (marrom‐claro, cinza, branco, vermelho); véu acinzentado; linhas anguladas; rede pigmentar fina; peppering; áreas brancas cicatriciais. | |
Paciente 7 | A. Assimetria nos dois eixos; cinco cores (vermelho, marrom‐claro, marrom‐escuro, branco, cinza); vasos em grampo e vasos lineares irregulares; pontos e glóbulos irregulares; áreas sem estruturas marrom‐claras; crisálidas; rosetas; áreas brancas cicatriciais. |
B. Assimetria nos dois eixos; duas cores (marrom‐claro e marrom‐escuro); linhas anguladas; área sem estrutura marrom. | |
Paciente 8 | A. Assimetria nos dois eixos; cinco cores (marrom‐claro, marrom‐escuro, branco, vermelho, cinza); área branca cicatricial; área sem estrutura marrom irregular; rede pigmentar; glóbulos irregulares; peppering. |
B. Assimetria nos dois eixos; quatro cores (marrom‐claro, vermelho, branco e cinza); área branca cicatricial; área sem estrutura marrom; peppering; rede pigmentar fina; vasos lineares irregulares. | |
C. Assimetria nos dois eixos; quatro cores (marrom‐claro, marrom‐escuro, branco, cinza); áreas sem estruturas marrom‐clara e marrom‐escura; rede pigmentar ramificada; área branca cicatricial; peppering. |
Todas as lesões apresentaram assimetria nos dois eixos à dermatoscopia, e a maioria exibiu três cores ou mais (75%). As características mais prevalentes foram áreas sem estruturas, rede pigmentar, pontos e/ou glóbulos e área branca cicatricial. As linhas anguladas, presentes em 40% dos melanomas, não foram descritas em outras publicações sobre melanomas sincrônicos, e são estruturas que têm sido relacionadas ao lentigo maligno.8 Três lesões com linhas anguladas no mesmo paciente apresentaram esse subtipo, mas as outras cinco, em três pacientes, eram extensivos superficiais. Em sete pacientes, todos os melanomas situavam‐se em áreas com sinais de exposição solar crônica intensa, um fator ambiental que pode influir nas características dermatoscópicas.2 Apenas o paciente 5 apresentou um dos melanomas (lesão B) em região sem sinais de fotodano.
A interpretação se há similaridade dermatoscópica apresenta variáveis subjetivas e objetivas e esbarra em limitações pela falta de padronização na literatura e pela grande variabilidade interobservadores. Consideramos que houve semelhança parcial entre as duas lesões do paciente 4 e entre as três lesões do paciente 8. Nos pacientes 1, 5 e 6 consideramos que, apesar de compartilharem alguns critérios, não houve semelhança no mesmo paciente. Divergência completa na dermatoscopia foi notada nos pacientes 2, 3 e 7.
No paciente 1, as linhas anguladas foram a estrutura mais marcante da lesão A, presentes de forma discreta na lesão B, ausentes na lesão C e presentes na lesão D (fig. 1 A‐D). Semelhança deu‐se pelo estadiamento, tipo histológico e localização anatômica.
No paciente 2, duas lesões com cores e estruturas dermatoscópicas diferentes foram observadas. Clinicamente, a lesão A era considerada suspeita; já a lesão B parecia inocente. Houve semelhança quanto ao tipo histológico (fig. 1E–F). O paciente 3 apresentou divergência completa quanto à localização, tipo histológico, estadiamento, cores e estruturas dermatoscópicas das lesões. Clinicamente, a lesão A era suspeita por ser um nódulo enegrecido de surgimento recente; já a lesão B era uma pequena mácula acastanhada sem qualquer critério visual de risco (fig. 2A–B).
Dermatoscopia. (A‐D) As quatro lesões do paciente 1. (A) Região lateral do ombro direito. (B) Região medial do ombro direito. (C) Região escapular esquerda superior. (D) Região escapular esquerda inferior. (E‐F) As duas lesões do paciente 2. (E) Antebraço direito. (F) Braço esquerdo.
No paciente 4, as lesões situavam‐se no dorso e apresentavam o mesmo aspecto clínico, tipo histológico e estadiamento. Consideramos que houve um aspecto dermatoscópico razoavelmente semelhante, com estruturas em comum como as linhas anguladas. Mas existiram diferenças, como o véu acinzentado apenas na lesão A e o padrão vascular apenas na lesão B (fig. 2C–D). No paciente 5 houve semelhança quanto ao tipo histológico, mas divergência quanto ao estadiamento. A lesão A desse paciente foi a única no estudo que não estava com a imagem da dermatoscopia disponível para revisão pelos autores, tendo sido utilizada a descrição do prontuário, o que limitou a capacidade de comparação.
O paciente 6 apresentou o mesmo tipo histológico e estadiamento para as três lesões. Rede pigmentar atípica e estrias irregulares foram identificadas apenas na lesão A. Evidenciou‐se véu azul‐acinzentado bem evidente na lesão A, mais discreto na lesão C e ausente na lesão B. Linhas anguladas foram ausentes na lesão A e presentes nas lesões B e C.
O paciente 7 apresentava duas lesões clinicamente diferentes. Tipo histológico foi o mesmo, mas com estadiamento diferente. Os critérios dermatoscópicos foram completamente divergentes nas duas lesões. As rosetas, vistas na lesão A, são um achado raramente descrito em melanomas (fig. 2E–F).9 O paciente 8 teve três melanomas com o mesmo tipo histológico e todos in situ. Observamos semelhanças na dermatoscopia das três lesões, como as estruturas de regressão.
A sensibilidade do exame clínico para diagnóstico de melanoma foi estimada em 70% em alguns estudos.10 Na nossa casuística, apenas 55% das lesões foram suspeitas clinicamente. O tamanho limitado da amostra nos impede de tirar conclusões, mas levanta a hipótese, a ser investigada, de que pacientes com melanomas sincrônicos poderiam ter maior chance de apresentar lesões de difícil diagnóstico.
Neste estudo, não foi observada perfeita semelhança dermatoscópica entre os melanomas sincrônicos no mesmo paciente. Características em comum foram encontradas em alguns casos. Um aspecto semelhante no mesmo paciente poderia ser um fator dificultador em lesões consideradas de risco intermediário, já que poderia induzir à interpretação errada de que aquele padrão poderia fazer parte da identidade névica.
Apesar de descrevermos uma das maiores casuísticas de pacientes com melanomas sincrônicos, o tamanho da amostra ainda é pequeno, o que não permite extrapolarmos os dados para outros casos.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresDaniel Coelho de Sá: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Juliana Abreu Pinheiro: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Emmanuel Pereira Benevides magalhães: aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Maria Araci de Andrade Pontes: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.