Embora tradicionalmente utilizada para o diagnóstico de tumores cutâneos, nos últimos anos a dermatoscopia tem também recebido cada vez mais atenção como auxiliar no diagnóstico clínico para manifestações cutâneas inflamatórias e infecciosas. A variabilidade clínica da sarcoidose cutânea (SC) muitas vezes torna seu diagnóstico correto um desafio. A dermatoscopia pode ser utilizada como método de exame auxiliar.
ObjetivoAvaliar o papel da dermatoscopia no diagnóstico e diagnóstico diferencial da SC.
MétodosAnálise retrospectiva de 39 imagens clínicas e dermatoscópicas de SC coletadas no Departamento de Dermatologia do Huashan Hospital Affiliated to Fudan University, de agosto de 2013 a fevereiro de 2021.
ResultadosA avaliação dermatoscópica retrospectiva revelou pequenas estruturas globulares de cor laranja translúcidas agrupadas em todos os 39 casos. Vasos lineares de diâmetro variável foram encontrados em 38 casos. Área central semelhante a cicatriz foi observada em 26 casos. Estrias brancas brilhantes foram observadas em 30 casos. Presença de tampão folicular foi observada em 15 casos.
Limitações do estudoEm primeiro lugar, o número de casos de SC coletados foi pequeno. Em segundo lugar, em virtude da falta de um grupo controle, a sensibilidade e a especificidade dos critérios propostos não foram calculadas. Por fim, como o presente estudo inclui principalmente lesões suspeitas que foram biopsiadas para fins diagnósticos, pode haver viés de seleção.
ConclusãoLesões que mostram estruturas ovoides translúcidas alaranjadas agrupadas na dermatoscopia, associadas a vasos lineares devem ser consideradas suspeitas de SC. Áreas centrais semelhantes a cicatrizes e estrias brancas brilhantes também são úteis no diagnóstico de SC.
A sarcoidose é doença granulomatosa multissistêmica de etiologia incerta, que pode afetar diversos tecidos e órgãos do corpo (os mais comuns são os pulmões, linfonodos, olhos e pele). As manifestações cutâneas da sarcoidose são polimórficas, as quais podem ser únicas ou múltiplas, e podem ser de cor vermelha, marrom‐amarelada, manchas roxas, pápulas, placas, infiltradas, lesões anulares ou nódulos subcutâneos.1 Histopatologicamente, a sarcoidose é caracterizada por granulomas de histiócitos epitelioides, com poucas ou sem células inflamatórias. Além disso, também podem ocorrer alterações epidérmicas, necrose, corpos estranhos, infiltração fúngica ou vasculite granulomatosa.
A diversidade clínica da sarcoidose cutânea (SC) traz grandes dificuldades e desafios para o correto diagnóstico pelo dermatologista. Na prática clínica, muitas doenças cutâneas podem ser semelhantes à SC na aparência, incluindo várias inflamações granulomatosas e doenças infecciosas da pele, como lúpus vulgar (LV), granuloma anular, micobacteriose atípica, necrobiose lipoídica, leishmaniose cutânea, sífilis, hanseníase, reação a corpo estranho, nódulos reumatoides e até mesmo alguns tumores de anexos cutâneos, como pilomeduloma, adenoma sebáceo ou tricoepitelioma, e também tumores do sistema linfoide, como micose fungoide.2
A dermatoscopia é método de exame não invasivo comumente utilizado em dermatologia atualmente.3 É simples e rápido de utilizar e pode mostrar claramente aos dermatologistas a estrutura da pele invisível a olho nu. É chamado de “estetoscópio” dos dermatologistas. Embora tenha sido utilizada inicial e classicamente para auxiliar no diagnóstico de tumores cutâneos, nos últimos anos a aplicação da dermatoscopia no auxílio diagnóstico de doenças infecciosas e inflamatórias da pele tem aumentado gradativamente. Os autores analisaram retrospectivamente e resumiram as características dermatoscópicas de 39 pacientes com SC atendidos pelo departamento nos últimos oito anos, o que pode ser útil para o diagnóstico clínico.
MétodosAnálise retrospectiva de 39 imagens clínicas e dermatoscópicas de SC coletadas no Departamento de Dermatologia do Huashan Hospital Affiliated to Fudan University, de agosto de 2013 a fevereiro de 2021. As imagens dermatoscópicas foram obtidas utilizando um equipamento Dermlite Foto (3Gen, LLC, Dana Point, Califórnia, EUA) com aumento de 10 vezes. Todas as imagens dermatoscópicas foram adquiridas antes da terapia e todas as lesões foram diagnosticadas histopatologicamente na coloração pela hematoxilina & eosina (HE) após biopsia de pele.
ResultadosTrinta e nove pacientes com 39 lesões de SC foram incluídos nesta investigação (35 mulheres e 4 homens; faixa etária=33 a 82 anos; média de idade=56,2 anos). Trinta e oito casos eram indivíduos de pele tipo III e 14 casos ocorreram na face. A tabela 1 resume as características dos pacientes, duração da doença e local de acometimento.
Dados demográficos dos pacientes e duração e local de envolvimento da sarcoidose
Paciente | Sexo | Idade, anos | Diagnóstico clínico | Descrição histopatológica | Tipo de pele | Local da biopsia |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | F | 60 | Lúpus vulgar | Sarcoidose cutânea | III | Ombro esquerdo |
2 | F | 56 | Lúpus eritematoso discoide | Sarcoidose cutânea | III | Face |
3 | F | 63 | Lúpus miliar disseminado facial | Sarcoidose cutânea | III | Face |
4 | F | 59 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Dorso |
5 | F | 61 | Doença de Behçet | Sarcoidose cutânea | III | Membros inferiores |
6 | F | 46 | Eritema nodoso | Sarcoidose cutânea | III | Membros inferiores |
7 | F | 40 | Dermatofibrosarcoma protuberans | Sarcoidose cutânea | III | Face |
8 | F | 56 | Queloide | Sarcoidose cutânea | III | Membros inferiores |
9 | F | 57 | Granuloma infeccioso | Sarcoidose cutânea | III | Face |
10 | F | 56 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Face |
11 | F | 54 | Tuberculose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Face |
12 | F | 60 | Desconhecido | Sarcoidose cutânea | III | Face |
13 | F | 44 | Queloide | Sarcoidose cutânea | III | Antebraço esquerdo |
14 | F | 53 | Lúpus eritematoso discoide | Sarcoidose cutânea | III | Face |
15 | F | 34 | Lúpus eritematoso | Sarcoidose cutânea | III | Face |
16 | F | 70 | Carcinoma basocelular | Sarcoidose cutânea | III | Face |
17 | M | 45 | Infiltração linfocítica | Sarcoidose cutânea | III | Tronco |
18 | F | 69 | Infiltração linfocítica | Sarcoidose cutânea | III | Face |
19 | F | 76 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Face |
20 | F | 52 | Infecção por Mycobacterium | Sarcoidose cutânea | III | Orelha direita anterior |
21 | F | 62 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Região cervical direita |
22 | F | 53 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Região paranasal |
23 | F | 70 | Histiocitose | Sarcoidose cutânea | III | Membro superior direito |
24 | F | 68 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Raiz nasal direita |
25 | F | 67 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Fronte |
26 | F | 50 | Tumor desmoide | Sarcoidose cutânea | III | Cotovelo esquerdo |
27 | M | 55 | Foliculite | Sarcoidose cutânea | III | Tórax anterior esquerdo |
28 | F | 34 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Dorso |
29 | F | 82 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Face |
30 | F | 49 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Membro superior |
31 | F | 62 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Região bucinadora direita |
32 | F | 83 | Infiltração linfocítica | Sarcoidose cutânea | III | Sulco nasolabial direito |
33 | F | 51 | Vasculite nodular | Sarcoidose cutânea | III | Membro superior esquerdo |
34 | M | 33 | Hiperplasia angiolinfoide com eosinofilia | Sarcoidose cutânea | III | Membro superior esquerdo |
35 | F | 55 | Sarcoidose cutânea | Sarcoidose cutânea | III | Membro inferior esquerdo |
36 | M | 69 | Lúpus eritematoso | Sarcoidose cutânea | III | Face |
37 | F | 38 | Granuloma infeccioso | Sarcoidose cutânea | III | Arco da sobrancelha esquerda |
38 | F | 48 | Peritricoceratose | Sarcoidose cutânea | III | Membro inferior esquerdo |
39 | F | 52 | Mucinose | Sarcoidose cutânea | III | Dorso |
A avaliação dermatoscópica retrospectiva dos 39 casos de SC revelou pequenas estruturas globulares alaranjadas, translúcidas e agrupadas. Vasos lineares de diâmetro variável foram observados em 38 casos (tabela 2; fig. 1). Em 26 casos, foram observadas áreas centrais semelhantes a cicatrizes, como áreas brancas sem estrutura ou linhas brancas entre os glóbulos translúcidos alaranjados (figs. 2 e 3). Foi observada presença de tampão folicular (fig. 2) em 15 casos.
Características clínicas e dermatoscópicas da sarcoidose cutânea
Lesão | Cor clínica | Estruturas ovoides alaranjadas translúcidas agrupadas | Vasos lineares | Áreas centrais semelhantes a cicatrizes | Estrias brancas brilhantes | Tampão folicular |
---|---|---|---|---|---|---|
Placa (29/39, 74,4%) | Vermelho‐alaranjada (7/39; 17,9%) | |||||
Placa+úlcera (1/39, 2,6%) | Vermelho‐arroxeada (22/39; 56,4%) | 39/39; 100% | 38/39; 97,4% | 26/39; 66,7% | 30/39; 76,9% | 15/39; 38,5% |
Tubérculo (9/39, 23,1%) | Vermelho escura (1/39; 2,6%) | |||||
Rosada (9/39; 23.1%) |
Nota: Os valores acima na tabela significam: número positivo/número total, porcentagem.
Sarcoidose cutânea na parte superior do braço esquerdo. (A) Apresentação clínica. (B) O exame dermatoscópico revela coloração alaranjada difusa, bem como vasos lineares irregulares bem focalizados; áreas esbranquiçadas semelhantes a cicatrizes também são visíveis. (C) Características histopatológicas típicas da sarcoidose
Sarcoidose cutânea na região cervical. (A) Apresentação clínica. (B) A avaliação dermatoscópica mostra áreas focais alaranjadas e vários vasos lineares/linear‐irregulares bem focalizados; tampões ceratóticos esbranquiçados foliculares e áreas esbranquiçadas semelhantes a cicatrizes também estão presentes. (C) Características histopatológicas típicas da sarcoidose
Sarcoidose cutânea no cotovelo. (A) Apresentação clínica. (B) A avaliação dermatoscópica mostra áreas alaranjadas, vasos lineares/linear‐irregulares bem focalizados, áreas lineares esbranquiçadas e áreas esbranquiçadas semelhantes a cicatrizes. (C) Características histopatológicas típicas da sarcoidose
Vasos lineares sobre as estruturas ovoides alaranjadas translúcidas ou dentro das áreas semelhantes a cicatrizes foram as únicas estruturas vasculares observadas em quase todos os casos de SC (97%). Nenhuma das lesões revelou critérios dermatoscópicos específicos de tumores cutâneos melanocíticos.
DiscussãoNos últimos anos, cada vez mais estudos sobre o uso da dermatoscopia em doenças inflamatórias e infecciosas da pele têm demonstrado seu papel potencial como ferramenta diagnóstica em dermatologia. Para as lesões cutâneas de várias dermatoses inflamatórias e infecciosas, incluindo o diagnóstico e o diagnóstico diferencial de SC, alguns achados dermatoscópicos relativamente característicos foram descritos.4–6
O presente estudo mostra que quase todos os pacientes com SC (97%) têm pele tipo III, diferente das populações europeia e americana. No momento do diagnóstico inicial, apenas 13 pacientes foram diagnosticados clinicamente como SC. O diagnóstico clínico da maioria dos pacientes não é consistente com o diagnóstico histopatológico final. Diante dessa situação, o dermatoscópio pode ser considerado ferramenta importante para os dermatologistas em suas consultas clínicas. O dermatoscópio pode ser usado como método diagnóstico auxiliar apropriado para sarcoidose e também como ferramenta no caso de suspeita desse diagnóstico.
De acordo com as manifestações clínicas dos 39 pacientes com SC, a maioria das lesões eram placas (29/39, 74,4%), algumas eram nódulos (9/39, 23,1%) e apenas um caso era placa e úlcera (1/39, 2,6%). A maioria das lesões era vermelho‐arroxeado (22/39, 56,4%), algumas eram rosadas (9/39, 23,1%), vermelho‐alaranjadas (7/39, 17,9%) e vermelho‐escuras (1/39, 2,6%). Em relação às manifestações dermatoscópicas, a característica mais comum são as estruturas ovoides alaranjadas e translúcidas agrupadas, encontradas em todos os pacientes (39/39, 100%). A segunda são os vasos lineares (38/39, 97,4%), estrias brancas brilhantes (30/39, 76,9%) e áreas centrais semelhantes a cicatrizes (26/39, 66,7%). Há relativamente poucos tampões foliculares (15/39, 38,5%). Foram encontrados vasos lineares como único padrão vascular em quase todos os casos de SC, e esse padrão estava sempre associado a estruturas ovoides alaranjadas translúcidas e agrupadas, estrias brancas brilhantes e áreas centrais semelhantes a cicatrizes. Esses achados são basicamente consistentes com os achados descritos na literatura,7,8 mas o número de casos do presente estudo é o maior de todos os estudos até o momento. Os resultados desta pesquisa podem ter valor importante.
As lesões cutâneas de várias dermatoses são muito semelhantes à SC, como LV, leishmaniose cutânea, necrobiose lipoídica e lúpus eritematoso discoide (LED). Suas características dermatoscópicas também apresentam semelhanças e diferenças. Um estudo sugere que a dermatoscopia pode melhorar a diferenciação revelando anormalidades predominantemente foliculares no LED, enquanto áreas/glóbulos amarelo‐alaranjado característicos e vasos ramificados são vistos em LV e SC. Embora o agrupamento de estruturas ovoides translúcidas alaranjadas correspondendo aos achados histopatológicos da dermatoscopia pareça sugerir fortemente a possibilidade de SC, ele pode não ser suficiente para diferenciá‐la de outras doenças granulomatosas. SC e LV apresentam coloração translúcida dourada a alaranjada semelhante, o que pode estar relacionado à presença dos granulomas.
De acordo com um estudo recente de dermatoscopia do granuloma anular, o principal indício dermatoscópico dessa dermatose é a presença de vasos não focalizados e de morfologia variável (pontilhados em 52,0%, linear‐irregulares em 44,0% e/ou ramificados em 28,0% dos casos) sobre um fundo rosa‐avermelhado mais ou menos evidente.9 Os achados dermatoscópicos mais comuns da leishmaniose cutânea incluem eritema difuso e vasos, geralmente com padrão polimórfico (combinação de dois ou mais tipos de vasos diferentes).10
ConclusãoA presença de áreas globulares translúcidas alaranjadas ou sem estrutura deve levantar a suspeita de dermatose granulomatosa, principalmente SC. Entretanto, como a dermatoscopia parece ser insuficiente para estabelecer diagnóstico final, métodos consagrados como histopatologia, exame laboratorial ou radiológico ainda são a referência para a avaliação diagnóstica.
Suporte financeiroO presente estudo foi financiado pela Science and Technology Commission of Shanghai Municipality (n° 18441904300 e 18411952700), Shanghai Municipal Health Commission (n° 2019SY034). Financiamento de pesquisa aberta do Chinese Skin Image Database (n° CSID‐ORF‐201901 e CSID‐ORF‐201916), e Plano de Pesquisa Clínica do SHDC (SHDC22022302).
Contribuição dos autoresMengguo Liu: Realizou a análise estatística, escreveu e revisou o manuscrito.
Huyan Chen: Tirou e forneceu fotos da histopatologia da pele.
Feng Xu: Concebeu o estudo, forneceu os dados clínicos e imagens dos pacientes.
Conflito de interessesNenhum.