Descrevemos o caso de uma paciente do sexo feminino de 68 anos que apresentava história de lesões cutâneas assintomáticas no couro cabeludo associadas à perda de cabelos, com quatro meses de evolução. Há seis anos, havia sido diagnosticada com adenocarcinoma de mama esquerda subtipo luminal A, estádio pT3N2, e foi submetida a mastectomia, quimioterapia e radioterapia adjuvantes, além de ter feito uso de tamoxifeno e anastrazol. Dois meses antes do início do quadro dermatológico, a paciente havia recebido o diagnóstico de metástase linfonodal de carcinoma de mama na região supraclavicular esquerda.
Ao exame dermatológico do couro cabeludo, havia três placas eritematosas, arredondadas, circunscritas, com superfície lisa e endurecida à palpação, com ausência de hastes capilares, na região parietal direita e no vértice, ambas com 2cm de diâmetro, e na região frontal, medindo 3cm de diâmetro (fig. 1).
Ao exame dermatoscópico, as lesões apresentavam área vermelho‐leitosa, vasos arboriformes, telangiectasias finas, estruturas brancas brilhantes, pontos amarelos e áreas amorfas alaranjadas (figs. 2 e 3).
Dermatoscopia da lesão da região frontal. Áreas vermelho‐leitosas, vasos arboriformes (setas pretas), telangiectasias finas (setas azuis), áreas brancas brilhantes (asteriscos pretos), pontos amarelos (pontas de seta), áreas alaranjadas mal delimitadas (asteriscos azuis). Luz polarizada com contato e fluido de imersão (10×).
Foi realizada biopsia incisional da lesão da região frontal do couro cabeludo, e o exame anatomopatológico mostrou infiltração na derme por células epitelioides atípicas, isoladas e em cordões com lúmens glandulares (fig. 4). O exame imuno‐histoquímico foi positivo para receptor de estrógeno, GATA 3 e citoqueratinas (AE1/AE3) e negativo para receptor de estrógeno. Os achados histopatológicos associados aos da imuno‐histoquímica foram compatíveis com metástase cutânea de carcinoma de mama.
Histopatologia da metástase alopécica da região frontal. (A) Infiltrado difuso de células neoplásicas na derme. Presença de um folículo piloso com dilatação infundibular. (B) Detalhe do infiltrado neoplásico: células epitelioides atípicas, isoladas ou em pequenos agrupamentos rodeando lúmens glandulares. Hematoxilina & eosina, 100×(A) e 400×(B).
A alopecia neoplásica (AN) é dividida em primária, quando a neoplasia se origina no couro cabeludo, e secundária, quando decorrente de metástase.1 A apresentação clínica mais comum é a alopecia cicatricial, com pápulas ou nódulos assintomáticos no couro cabeludo, eritematosos ou normocrômicos, frequentemente localizados na região parietal e frontal do couro cabeludo.2
Em geral, as células neoplásicas destroem os folículos pilosos, induzindo recrutamento de células inflamatórias e fibroplasia nas lesões bem estabelecidas, que cursam com alopecia cicatricial. A principal neoplasia associada à AN é o carcinoma de mama. Outros tumores associados à AN primária ou secundária são carcinoma de células escamosas, carcinoma basocelular, angiossarcoma, adenocarcinoma gástrico, tumor trofoblástico placentário e micose fungoide.3,4
A descrição da AN e de seus achados dermatoscópicos é escassa na literatura. Vezzoni et al. descreveram um caso de AN secundária a neoplasia maligna da mama, vasos arboriformes extensos bem focados e telangiectasias menores sobre área vermelho‐leitosa e uma área alaranjada, bem delimitada e com vasos polimórficos circundados por escama branco‐amarelada.5 Já no relato de Çetinarslan et al. está descrito um caso de AN secundária a carcinoma renal sarcomatoide, caracterizada pela presença de escamas amareladas no centro da lesão e escamas brancas periféricas, vasos polimórficos, de aspecto linear e em alça, e área vermelho‐leitosa.6 Os vasos arboriformes visualizados na AN fazem do carcinoma basocelular importante diagnóstico diferencial dermatoscópico.
No presente relato, além dos achados previamente descritos, observamos a presença de estruturas brancas brilhantes e pontos amarelos à dermatoscopia das lesões. Os pontos amarelos, semelhantes à dermatoscopia de outras afecções do couro cabeludo, como alopecia areata e alopecia androgenética, representam óstios de folículos pilosos, que também foram observados no exame anatomopatológico, apesar de a AN classicamente cursar com alopecia cicatricial. É possível que, em estágios iniciais da doença, os folículos pilosos ainda estejam preservados.
Com relação às metástases cutâneas em outras regiões anatômicas, também há poucos relatos sobre seus achados dermatoscópicos. Chernoff et al. sugeriram que a presença de estruturas vasculares à dermatoscopia de lesões nodulares em pacientes oncológicos deve ser um alerta para se considerar a possibilidade de metástase cutânea no diagnóstico diferencial.7
A dermatoscopia é um exame complementar não invasivo que tem sido utilizado para o diagnóstico e o manejo das alopecias em geral. Os aspectos clínicos da AN podem se assemelhar aos de outras doenças que cursam com alopecia circunscrita. O conhecimento das estruturas dermatoscópicas da AN pode auxiliar no diagnóstico diferencial das dermatoses do couro cabeludo. Além disso, a AN pode ser a primeira manifestação clínica de neoplasia maligna interna, e seu diagnóstico é altamente relevante para o paciente.
A suspeita diagnóstica de AN pode também surgir pela ausência de critérios dermatoscópicos clássicos de outras dermatoses do couro cabeludo em uma área de alopecia ou pela presença de estruturas encontradas nas metástases cutâneas, como vasos arboriformes, telangiectasias com áreas vermelho‐leitosas e vasos polimórficos.
Contribuição dos autoresBruno Simão dos Santos: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Eduardo César Diniz Macêdo: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Bruna Nascimento Arruda Scabello: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Patrícia Porto de Oliveira Grossi: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Neusa Yuriko Sakai Valente: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Suporte financeiroNenhum.
Conflito de interessesNenhum.