A dermatoscopia é exame de imagem que possibilita a visualização de estruturas localizadas na pele, não visíveis a olho nu, por meio de um equipamento denominado dermatoscópio, que forma imagens de alta resolução ao reduzir a reflectância da superfície.1
Nos últimos anos, a dermatoscopia tem se tornado importante ferramenta auxiliar para diagnóstico não invasivo de diversas doenças dermatológicas, dentre elas doenças do couro cabeludo e do cabelo (tricoscopia), anormalidades da unha e prega ungueal (onicoscopia), infecções e infestações cutâneas (entomodermoscopia) e dermatoses inflamatórias (inflamatoscopia).2
Dentre as doenças inflamatórias avaliadas por dermatoscopia está a psoríase, doença crônica imunomediada que afeta aproximadamente 125 milhões de pessoas no mundo. A variante palmoplantar é responsável por 11%‐39% desses pacientes. A psoríase pode ser classificada em hiperceratótica (placas espessas descamativas) e pustulosa.3
Outra dermatose inflamatória cujo diagnóstico pode ser auxiliado pela dermatoscopia é o eczema acral, doença crônica com importante impacto negativo na qualidade de vida de seus portadores, associado a fardo econômico à sociedade em virtude do comprometimento da capacidade laboral dos pacientes. O eczema acral tem prevalência anual média de 10%, com incidência maior em mulheres até os 30 anos.4
Tinea manuum e tinea pedis podem ser mais bem avaliadas por meio da dermatoscopia. A tinea, conhecida por dermatofitose, é causada por fungos dermatófitos que invadem as camadas queratinizadas da pele e seus anexos. As dermatofitoses afetam de 20% a 25% da população mundial e são as infecções fúngicas mais comuns em todo o mundo.5
Psoríase, dermatofitose e eczema acral são afecções dermatológicas diferentes entre si, com manifestações clínicas parecidas, de alta prevalência nacional e mundialmente. O investimento científico voltado para a diferenciação diagnóstica entre elas, por meio da dermatoscopia, afetará positivamente pacientes, profissionais e o sistema de saúde.
Este é um estudo analítico, transversal e de acurácia diagnóstica. Após aprovação pelo Comite de Ética e Pesquisa segundo CAAE 52926621.7.0000.5078, a coleta de dados foi feita no Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas de Goiânia, no período de 20 de abril de 2021 a 29 de abril de 2022. A amostra selecionada foi consecutiva, formada por pacientes com escamas em palmas ou plantas.
Os critérios de inclusão foram: diagnóstico confirmado de psoríase palmoplantar, eczema acral, tinea manuum ou tinea pedis; consulta em ambulatório do Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas de Goiânia; assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); idade > 18 anos. Foram incluídos pacientes com diagnóstico clínico de psoríase vulgar com acometimento acral ou psoríase palmoplantar confirmada por exame anatomopatológico; diagnóstico clínico de eczema de contato/atópico com comprometimento acral confirmado por exame anatomopatológico; ou diagnóstico de tinea manuum ou tinea pedis confirmado por exame micológico direto para fungos.
A análise das fotografias foi feita por dois dermatologistas com experiência em dermatoscopia, que preencheram a tabela sem saber o diagnóstico do paciente. Os dados foram analisados e organizados de maneira qualiquantitativa, por meio da identificação do “n”, sensibilidade e especificidade.
Foram coletados dados de 45 pacientes que apresentavam descamação em região palmar ou plantar. Desses, 33 preencheram os critérios de inclusão, dos quais 13 eram portadores de eczema, 12 eram portadores de psoríase e oito eram portadores de tinea.
A tabela 1, mostra a frequência de achados dermatoscópicos por diagnóstico. A tabela 2 compila os dados referentes a sensibilidade e especificidade dos sinais dermatoscópicos em relação às doenças em estudo.
Frequência de achados dermatoscópicos por diagnóstico
Eczema(n=13) | Psoríase(n=12) | Tinea(n=8) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | |
Vasos puntiformes | ||||||
Focais | 1 | 7,7 | 2 | 16,7 | 0 | 0,0 |
Difusos | 1 | 7,7 | 5 | 41,7 | 1 | 12,5 |
Escamas brancas | ||||||
Sulcos | 1 | 7,7 | 0 | 0,0 | 8 | 100,0 |
Difusas | 6 | 46,2 | 4 | 33,3 | 0 | 0,0 |
Escamas brancas e amarelas | 6 | 46,2 | 8 | 66,7 | 1 | 12,5 |
Pontos e/ou glóbulos amarronzados | 2 | 15,4 | 5 | 41,7 | 0 | 0,0 |
Sensibilidade (S) e especificidade (E) de sinais dermatoscópicos para o diagnóstico de eczema, psoríase e tinea
Eczema | Eczema | Psoríase | Psoríase | Tinea | Tinea | |
---|---|---|---|---|---|---|
Sinais dermatoscópicos | S | E | S | E | S | E |
Vasos puntiformes focais | 7,7 | 90,0 | 16,7 | 95,2 | 0,0 | 88,0 |
Vasos puntiformes difusos | 7,7 | 70,0 | 41,7 | 90,5 | 12,5 | 76,0 |
Escamas brancas sulcos | 7,7 | 60,0 | 0,0 | 57,1 | 100,0 | 96,0 |
Escamas brancas difusas | 46,2 | 80,0 | 33,3 | 71,4 | 0,0 | 60,0 |
Escamas brancas e amarelas | 46,2 | 55,0 | 66,7 | 66,7 | 12,5 | 44,0 |
Pontos e/ou glóbulos amarronzados | 15,4 | 75,0 | 41,7 | 90,5 | 0,0 | 72,0 |
Para o eczema, os achados dermatoscópicos mais encontrados foram escamas brancas difusas e escamas brancas e amarelas. A sensibilidade foi maior no caso de escamas brancas e amarelas (46,2%). Já a especificidade foi de 90% nos vasos puntiformes focais. Para psoríase, o achado mais frequente foi escamas brancas e amarelas, presente em 2/3 dos pacientes. Os achados dermatoscópicos mais sensíveis e mais específicos para o diagnóstico de tineapedis/manuum foram escamas brancas em sulcos.
Os achados dermatoscópicos buscados em cada afecção estão demonstrados nas figuras 1 a 3. Na figura 1, é possível observar escamas brancas em sulcos em um paciente portador de tinea pedis; na figura 2, vasos puntiformes e escamas brancas difusas em um paciente portador de psoríase; e na figura 3, vasos puntiformes focais, escamas brancas e amarelas e glóbulos amarronzados em paciente portador de eczema palmar.
A dermatoscopia tem sido valorizada em áreas que vão além da dermato‐oncologia para diagnóstico precoce de câncer de pele melanoma e não melanoma. Sua aplicabilidade tem se expandido para a definição de padrões dermatoscópicos de diversas outras dermatoses, como as inflamatórias. Além disso, a dermatoscopia não é usada apenas para fins diagnósticos, mas também para avaliar a evolução e a resposta terapêutica.6
Uma recente revisão bibliográfica mostrou, na dermatoscopia da psoríase em placas, a presença de vasos puntiformes regularmente distribuídos com fundo vermelho‐claro e escamas brancas difusas, com 88% de especificidade e 84,9% de sensibilidade.6 Em nosso estudo, os achados de vasos puntiformes difusos apresentaram 90,5% de especificidade e 41,7% de sensibilidade em pacientes portadores de psoríase palmoplantar. Já as escamas brancas difusas apresentaram 71,4% de especificidade e 33,3% de sensibilidade, evidenciando que a presença dos sinais diz muito a favor do diagnóstico de psoríase, mas a ausência deles não afasta o diagnóstico.
No estudo de Errichetti e Stinco, os achados dermatoscópicos mais comuns na psoríase palmar foram escamas brancas em fundo eritematoso evidente (100%), com distribuição difusa em 80% deles. Além disso, também foram observados vasos puntiformes distribuídos regularmente em quatro pacientes (40%).7 No presente estudo, foram observados vasos puntiformes difusos em 41,7% e escamas brancas difusas em 33,3% dos pacientes portadores de psoríase.
O termo eczema, ou mesmo “dermatite”, compreende diversas entidades clínicas que compartilham alterações histopatológicas características, como dermatite de contato/alérgica, dermatite atópica e dermatite seborreica.6,8 No que diz respeito ao eczema palmoplantar, os achados dermatoscópicos mais frequentes são descamação amarelada com ou sem escamas brancas, crostas amareladas e vasos puntiformes focais. Os pontos/glóbulos laranja‐acastanhados correspondem a vesículas espongióticas não visíveis a olho nu.7 Em 2016, Errichetti e Stinco mostraram que em 11 pacientes portadores de eczema crônico em mãos, 90,9% tinham escamas amareladas distribuídas focalmente e 72,7% apresentavam pontos/glóbulos laranja‐acastanhados em fundo eritematoso.7 No presente estudo, dos 13 pacientes portadores de eczema palmar ou plantar, apenas 46,2% apresentaram escamas brancas ou amarelas e 15,4% apresentaram pontos ou glóbulos amarronzados.
Errichetti e Stinco observaram que escamas brancas difusas sugerem mais fortemente o diagnóstico de psoríase palmoplantar, enquanto a detecção de escamas amareladas, laranja‐acastanhadas e pontos/glóbulos e crostas laranja‐amareladas falam mais a favor de eczema. A coloração das escamas (branca versus amarela) é informação extremamente útil para auxiliar no diagnóstico diferencial de doenças escamosas acrais.7,9 No entanto, no presente trabalho, observou‐se que apenas 33,3% dos pacientes portadores de psoríase apresentavam escamas brancas, enquanto 66,7% apresentavam escamas brancas e amarelas. Em contrapartida, nos pacientes portadores de eczema, a mesma porcentagem foi observada nos portadores de escamas brancas e amarelas, e 46,2% apresentavam apenas escamas brancas.
Quanto aos achados dermatoscópicos da tinea manuum/pedis, Errichetti e Stinco observaram escamas esbranquiçadas localizadas principalmente nos sulcos, achado este ausente na psoríase palmar e eczema crônico das mãos.10 Em nosso estudo, 100% dos pacientes portadores de tinea manuum/pedis apresentaram escamas brancas em sulcos; a sensibilidade desse achado foi de 100%, e a especificidade de 96%. A escama branca não a diferencia de outras doenças escamosas, porém sua localização típica nos sulcos, local de predileção dos dermatófitos, auxilia na diferenciação de outras doenças.10
Como limitações deste estudo, é importante ressaltar que a foto da dermatoscopia de uma parte da lesão não representa o todo. Desse modo, alguns achados dermatoscópicos podem não ter sido registrados no momento da foto, mas ainda assim estavam presentes na lesão. Além disso, o tempo entre o diagnóstico anatomopatológico dos pacientes portadores de psoríase e eczema e a aplicação da dermatoscopia não foi avaliada, tampouco se o paciente estava ou não em tratamento no momento da avaliação.
Apesar de apresentarem características dermatoscópicas sugestivas de determinada doença, elas não são específicas já que, como observado neste trabalho, algumas características observadas mais frequentemente em portadores de eczema acral também estiveram presentes em portadores de psoríase palmoplantar. Assim, é de extrema importância a correlação clínica e anamnese adequada, além da dermatoscopia.
Além disso, 100% dos pacientes portadores de tinea mannum/pedis apresentaram escamas em sulcos, com sensibilidade de 100% e especificidade de 96%, e esse é um achado muito sugestivo desse diagnóstico, destacando o papel da dermatoscopia no diagnóstico dessa entidade.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresMariana Vieira Martins Sampaio Drummond: Conceito e desenho do estudo; coleta de dados, análise e interpretação de dados; análise estatística; redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; coleta, análise e interpretação dos dados; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura.
Jules Rimet Borges: Conceito e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; coleta, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.
Ana Maria Quinteiro Ribeiro: Coleta de dados, ou análise e interpretação de dados; análise estatística; redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa.
Bárbara Alvares Salum Ximenes: Redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Drummond MVMS, Borges JR, Ribeiro AMQ, Ximenes BAS. Dermoscopy as an auxiliary tool for the diagnosis of acral squamous diseases: palmoplantar psoriasis, tinea pedis/manuum and eczema. An Bras Dermatol. 2024;99:578–81.
Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Hospital das Clínicas de Goiânia, Goiânia, GO, Brasil.