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Carta ‐ Terapia
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Disponível online em 21 de novembro de 2024
Avulsão cirúrgica da lâmina ungueal como terapia da onicomicose resistente: série de casos e revisão de literatura
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José Antônio Jabur da Cunhaa, Fernanda Santana Barbosaa, Gustavo de Sá Menezes Carvalhoa,
Autor para correspondência
gustavo.carvalho@msn.com

Autor para correspondência.
, John Verrinder Veaseya,b
a Clínica de Dermatologia, Hospital da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
b Disciplina de Dermatologia, Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Recebido 14 Abril 2024. Aceite 03 Junho 2024
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Tabelas (3)
Tabela 1. Antecedentes pessoais clínicos dos pacientes com onicomicose refratária submetidos a avulsão da lâmina: gênero, idade e comorbidades
Tabela 2. Características das onicomicoses tratadas pela avulsão ungueal: dígito afetado, resultado de exames micológicos e tratamentos realizados previamente ao procedimento
Tabela 3. Evolução dos pacientes após a avulsão da lâmina ungueal afetada
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Prezado Editor,

A onicomicose é infecção fúngica das unhas causada por dermatófitos, fungos filamentosos não dermatófitos (FFND) e leveduras, e é a doença ungueal mais comumente observada na prática clínica.1,2 Apesar de comum, o tratamento pode ser desafiador, visto a ascensão de quadros resistentes reportada, seja por aumento no registro de casos relacionados à FFND que apresentam reconhecida resistência ao tratamento clássico,1,2 ou por fatores de virulência relacionados aos patógenos, como a produção de biofilme, ou por incapacidade imunológica de defesa do hospedeiro.3,4

Diferente do que se pensava anteriormente, os fungos implicados na onicomicose são capazes de alternar entre a forma planctônica e a forma de biofilme.4 O termo planctônico refere‐se a células fúngicas isoladas, livremente suspensas em um meio, enquanto na forma de biofilmes essas células aderem a uma superfície e compõem extensas comunidades multicelulares colaborativas e envolvidas por matriz extracelular.4,5 De fato, apesar de reconhecidamente suscetíveis aos medicamentos antifúngicos, ainda são incertos os motivos pelos quais as onicomicoses tendem a ser refratárias aos tratamentos; aventa‐se uma possível relação com o microambiente do aparato ungueal e a formação de biofilmes como uma das possibilidades descritas.5

Idealmente, os biofilmes devem ser resolvidos antes do início do tratamento medicamentoso, sugerindo a necessidade de terapias combinadas.5 Procedimentos como onicoabrasão, laser, terapia fotodinâmica, avulsão química ou cirúrgica são algumas das técnicas sugeridas para remoção/ruptura do biofilme, facilitando assim a ação medicamentosa.4,6

Realizamos estudo retrospectivo analisando pacientes atendidos na Clínica de Dermatologia entre janeiro de 2016 a dezembro de 2023 com quadro de onicomicose refratária ao tratamento medicamentoso clássico, que foram submetidos a avulsão cirúrgica como alternativa terapêutica. Foram incluídos os casos com suspeita clínica e onicoscópica sugestiva de onicomicose, associado a exame micológico direto (EMD) e cultura para fungos positivos. Foi considerado tratamento clássico a associação de antifúngicos orais (terbinafina e/ou itraconazol) a antifúngicos tópicos na formulação esmalte (ciclopirox olamina 5% ou amorolfina 8%), e quadro de resistência aqueles que não apresentaram nenhuma melhora clínica após um ano de tratamento farmacológico.

Oito pacientes com 12 unhas tratadas foram incluídos no estudo (tabela 1). Todos apresentavam EMD com evidência de fungos, e o agente etiológico foi isolado como FFND em nove casos, Neoscytallydium dimidiatum var hyallinum em seis, Fusarium sp. em três, além de um com Trichophyton rubrum e outro com Candida sp. (tabela 2). Com relação às cirurgias ungueais, oito foram abordados pela via proximal da lâmina ungueal e quatro pela distal. A técnica distal foi indicada nos pacientes com onicólise evidente em que o descolamento ungueal pode ser feito de modo menos traumático. Nenhum paciente evoluiu com complicação no pós‐operatório e todos tiveram crescimento da lâmina ungueal após o procedimento (tabela 3). Por se tratar de procedimento de baixa morbidade (com uso de anestesia local) e tempo cirúrgico curto, nenhum paciente foi excluído do estudo.

Tabela 1.

Antecedentes pessoais clínicos dos pacientes com onicomicose refratária submetidos a avulsão da lâmina: gênero, idade e comorbidades

Identificação
Número  Gênero  Idade  Comorbidades 
Masculino  69  HAS, DLP 
Masculino  69  HAS, DLP 
Masculino  69  HAS, DLP 
Feminino  37  Nenhuma 
Feminino  59  Hipotireoidismo, fibromialgia, osteoporose 
Masculino  58  HAS 
Masculino  58  HAS 
Feminino  67  HAS, AVEi, DMTC, síndrome do pânico 
Feminino  44  Nenhuma 
10  Feminino  57  Nenhuma 
11  Feminino  57  Nenhuma 
12  Feminino  26  Nenhuma 

HAS, hipertensão arterial aistêmica; DLP, dislipidemia, AVEi, acidente vascular encefálico isquêmico; DMTC, doença mista do tecido conjuntivo.

Tabela 2.

Características das onicomicoses tratadas pela avulsão ungueal: dígito afetado, resultado de exames micológicos e tratamentos realizados previamente ao procedimento

Identificação  Pré‐Operatório
Número  Digito afetado  Exame micológico direto  Cultura  Tratamento medicamentoso prévio 
1 PDE  Hifas septadas hialinas  Neoscytalydium dimidiatum var hyallinuma  ITRA (pulso 200 mg)×TERB (pulso 500 mg)+amorolfina esmalte (2×/sem) 
3 PDE  Hifas septadas hialinas  Neoscytalydium dimidiatum var hyallinuma  ITRA (pulso 200 mg)×TERB (pulso 500 mg)+amorolfina esmalte (2×/sem) 
4 PDE  Hifas septadas hialinas  Neoscytalydium dimidiatum var hyallinuma  ITRA (pulso 200 mg)×TERB (pulso 500 mg)+amorolfina esmalte (2×/sem) 
1 PDD  Hifas septadas hialinas  Trichophyton rubrum  TERB (500 mg) 
1 PDD  Hifas septadas hialinas  Neoscytalydium dimidiatum var hyallinuma  ITRA (pulso 200 mg)×TERB (pulso 5 mg)+amorolfina esmalte (2×/sem) 
1 PDD  Hifas septadas hialinas  Fusarium sp.a  TERB (pulso 5 mg)+micolamina esmalte (2×/sem) 
1 PDE  Hifas septadas hialinas  Fusarium sp.a  TERB (pulso 500 mg)+micolamina esmalte (2×/sem) 
1 PDE  Hifas septadas hialinas  Candida sp.  TERB (250 mg/d) 
3 QDD  Hifas septadas hialinas  Fusarium sp.a  ITRA (pulso 200 mg)×TERB (pulso 500 mg)+amorolfina esmalte (2×/sem) 
10  1 PDE  Hifas septadas demáceas  Neoscytalydium dimidiatum var hyallinuma  ITRA (pulso 200 mg)×TERB (pulso 500 mg)+amorolfina esmalte (3×/sem) 
11  1 PDD  Hifas septadas demáceas  Neoscytalydium dimidiatum var hyallinuma  ITRA (pulso 200 mg)×TERB (pulso 500 mg)+amorolfina esmalte (3×/sem) 
12  1 PDD  Hifas septadas hialinas  Fusarium sp.a  ITRA (pulso 200 mg)×TERB (pulso 500 mg)+amorolfina esmalte (3×/sem) 

PDE, pododáctilo asquerdo; PDD, pododáctilo direito; QDD, quirodáctilo direito; ITRA, itraconazol; TERB, terbinafina.

a

Agente isolado em ao menos três coletas com espaço de ao menos duas semanas entre elas, sem isolamento de qualquer outro patógeno.

Tabela 3.

Evolução dos pacientes após a avulsão da lâmina ungueal afetada

Identificação  Técnica cirúrgicaPós‐operatório
Número  Complicação  Tempo de seguimento  Tratamento  Evolução 
Proximal  Nenhuma  26 meses  Micolamina esmalte 1×/sem por 20 meses  Crescimento da unha sadia 
Proximal  Nenhuma  13 meses  Micolamina esmalte 1×/sem por 7 meses  Crescimento da unha sadia 
Proximal  Nenhuma  13 meses  Micolamina esmalte 1×/sem por 7 meses  Crescimento da unha sadia 
Distal  Nenhuma  15 meses  TERB (pulso 500 mg)+butenafina creme 1×/por 4 meses  Crescimento da unha sadia 
Proximal  Nenhuma  39 meses  Micolamina esmalte 1×/sem por 5 meses  Crescimento de unha distrófica 
Distal  Nenhuma  31 meses  TERB (pulso 500 mg) isoconazol creme 1×/d+micolamina esmalte 1×/sem por 15 meses  Crescimento de unha distrófica 
Proximal  Nenhuma  28 meses  TERB (pulso 500 mg)+butenafina creme 1×/d por 12 meses  Crescimento de unha distrófica 
Proximal  Nenhuma  2 meses  Nenhum  Crescimento da unha sadia 
Proximal  Nenhuma  75 meses  Nenhum  Crescimento da unha sadia 
10  Distal  Nenhuma  62 meses  TERB (pulso 500 mg)+tefin creme 1×/d por 5 meses  Crescimento da unha sadia 
11  Distal  Nenhuma  62 meses  TERB (pulso 500 mg)+tefin creme 1×/d por 5 meses  Crescimento da unha sadia 
12  Proximal  Nenhuma  6 meses  ITRA (pulso 200 mg)+(TERB pulso 500 mg)+micolamina esmalte 1×/sem por 6 meses  Crescimento da unha sadia 

TERB, terbinafina; ITRA, itraconazol; d, dia; sem, semana.

Foram utilizadas duas técnicas cirúrgicas: avulsão ungueal total proximal e avulsão ungueal total distal. Utilizamos o bloqueio digital proximal por entendermos ser eficiente e pouco doloroso, com xilocaina a 2% se vasoconstritor. Após a completa anestesia do dígito, coloca‐se o torniquete. Na técnica proximal, com um descolador de unha descola‐se a lâmina ungueal da prega ungueal proximal completamente, apoiando o descolador na lâmina para não perder o plano correto. Uma vez completamente descolado, por meio de um movimento de alavanca traciona‐se a porção proximal da unha para acima da prega ungueal proximal. Inicia‐se esse movimento pela porção central da unha, e depois estende‐se até os cornos laterais. Uma vez rebatida toda a porção proximal da lâmina ungueal, esta é gentilmente descolada de proximal para distal. Na técnica distal, com um descolador de unha descolamos a lâmina ungueal globalmente em todas as suas conexões com as pregas ungueais, de distal para proximal, e depois remove‐se a unha. Essa técnica tende a ser mais traumática e é pouco útil quando há intensa onicodistrofia.

Após a cirurgia, foi mantido tratamento antifúngico clássico tópico e oral em todos os pacientes até o crescimento total da lâmina ungueal após a avulsão, de modo que nove unhas evoluíram com o crescimento da nova lâmina sem sinais de infecção no período de seguimento (fig. 1). Em três houve crescimento da lâmina com distrofia. Não foram realizados exames laboratoriais (MD e cultura para fungos) após a avulsão, somente sinais clínicos foram observados. A escolha do uso da medicação após a avulsão da lâmina buscou a redução de patógenos no restante do aparato ungueal (matriz, leito, pregas) que poderiam ser reservatórios de recontaminação, assim como a tinea pedis também é em pacientes com quadros de onicomicose recidivante.1 Diversos estudos propõem uma combinação de terapias direcionadas aos biofilmes aos tratamentos medicamentosos clássicos para aumento da taxa de sucesso no tratamento da onicomicose refratária.4,6,7 A avulsão é opção válida nesse cenário e, conforme a experiência do grupo onde o estudo foi realizado, apresenta taxa de cura satisfatória.

Figura 1.

(A) Onicomicose acometendo hálux direito por Fusarium sp. refratária a tratamento farmacológico. (B) Após seis meses de avulsão ungueal, seguida por tratamento com itraconazol (pulso 200mg), terbinafina (pulso 500mg) e micolamina esmalte.

(0.14MB).

Analisando os casos em que a lâmina persistiu com distrofia após a avulsão, sugere‐se a possibilidade de o quadro não ser unicamente de origem infecciosa, mas de haver associação com outros fatores como traumas ungueais causados pela deambulação dos pacientes.6–8 Pelo número considerável de FFND isolados também é possível refletir sobre a hipótese de que estes patógenos não seriam os causadores únicos da alteração ungueal, mas agentes secundários de onicomicotização. Nestas hipóteses, seria necessária associação com outras medidas terapêuticas e comportamentais além do combate do processo infeccioso para a melhora total do quadro.1,4,6 Importante frisar que nenhum paciente evoluiu com quadro desfavorável ao procedimento: no pior cenário, a unha persistiu com a distrofia previamente apresentada, sem qualquer caso evoluindo com sangramento, infecção ou dor.

Os dados do estudo são promissores e abrem portas para estudos mais robustos, então é importante discutir, no momento, a avulsão como opção alternativa a casos refratários, com associação de tratamento sistêmico. Porém o presente estudo apresenta limitações que precisam ser esclarecidas: número pequeno de pacientes, falta de uniformidade no tratamento pós‐operatório, ser retrospectivo e não ter sido realizado MD e cultura nas unhas após o término do tratamento, em especial nas unhas distróficas, o que dificulta comprovação de cura; ademais, não houve seguimento de longo prazo, o que prejudica a avaliação de falha terapêutica.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

José Antônio Jabur da Cunha: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Fernanda Santana Barbosa: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Gustavo de Sá Menezes Carvalho: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

John Verrinder Veasey: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

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Como citar este artigo: Jabur da Cunha JA, Santana Barbosa F, de Sá Menezes Carvalho G, Veasey JV. Surgical avulsion of the nail plate as therapy for resistant onychomycosis: case series and literature review. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2024.06.002

Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia, Hospital da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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