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Cartas ‐ Tropical/Infectoparasitária
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Disponível online em 2 de dezembro de 2024
Amebíase cutânea: uma raridade dermatológica
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John Verrinder Veaseya,b,
Autor para correspondência
johnveasey@uol.com.br

Autor para correspondência.
, Helena Pladevall Moreiraa, Mariana de Figueiredo Silva Hafnera, Rute Facchini Lellisc
a Clínica de Dermatologia, Hospital da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
b Disciplina de Dermatologia, Faculdade de Ciências Médicas, São Paulo, SP, Brasil
c Laboratório de Patologia, Hospital da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Recebido 08 Fevereiro 2024. Aceite 01 Abril 2024
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Prezado Editor,

Amebíase cutânea (AC) é doença infecciosa rara causada por Entamoeba histolytica, protozoário de distribuição mundial com maior frequência em pacientes da região intertropical.1 A AC ocorre como evento primário quando o protozoário é inoculado diretamente na pele (procedimentos cirúrgicos, por meio de cateter), e secundário quando associado a infecção do trato digestivo por disseminação hematogênica, ou por contiguidade, principalmente na região perianal/vulvar, na pele ao redor da drenagem de abscesso hepático e ao redor de colostomias.1,2 Eventos secundários são os mais frequentes; o envolvimento cutâneo sem a contiguidade intestinal é muito raro.2

Apresentamos o caso de paciente de 47 anos do sexo feminino, com antecedente de doença renal crônica agudizada com indicação de hemodiálise, encaminhada ao Serviço de Dermatologia com lesões nodulares e tumorações abcedantes, apresentando drenagem de secreção purulenta, que surgiram primariamente no local de implante de cateter de Shilley na subclávia direita havia quatro meses. As lesões se disseminaram para abdome e tórax anterior e posterior, e eram dolorosas à palpação. A paciente negava sintomas sistêmicos como febre, perda ponderal não intencional e sudorese noturna. Foi realizado tratamento empírico com antimicrobianos (ciprofloxacino e cefalexina), sem melhora do quadro.

Ao exame físico, foram observados diversos nódulos e tumorações subcutâneas de até 6cm em seu maior eixo, recobertos por pele eritemato‐violáceas levemente descamativa com centro ulcerado, alguns apresentavam drenagem espontânea de secreção purulenta (fig. 1).

Figura 1.

Aspecto clínico da paciente na primeira consulta dermatológica: lesões no abdome, tórax anterior e posterior com nódulos e tumorações recobertos por pele eritemato‐violácea levemente descamativa, alguns apresentavam drenagem espontânea de secreção purulenta.

(0.34MB).

Foi realizada punção aspirativa com agulha fina guiada por ultrassom dermatológico em lesão no tórax posterior (a maior lesão); o material coletado foi enviado ao laboratório de microbiologia para cultura de bactérias aeróbias, anaeróbias e microbactérias, que não apresentaram crescimento de colônias bacterianas, e ao laboratório de parasitologia, onde o exame direto evidenciou estruturas compatíveis com cistos e trofozoítos de Entamoeba histolytica (fig. 2). Foi também realizada biopsia de pele, em que foi possível observar reação histiocitária circundando abscessos na derme superficial e profunda e maior aumento com evidência de trofozoita de Entamoeba histolytica (fig. 3).

Figura 2.

Exame de pesquisa direta de secreção coletada por punção guiada por ultrassom (A) evidenciando o parasita Entamoeba histolytica na forma de cistos e, ao centro da imagem (B), de trofozoíta.

(0.19MB).
Figura 3.

Exame histopatológico. (A) Corte de pele evidenciando reação histiocitária que circunda abscessos na derme superficial e profunda (Hematoxilina & eosina, ×40). (B) Evidência de trofozoita de Entamoeba histolytica com morfologia semelhante ao exame direto (Hematoxilina & eosina, ×1.000 em óleo de imersão).

(0.69MB).

Foram realizados exames complementares para investigação de acometimento do parasita em demais órgãos. O exame parasitológico de fezes em três amostras mostrou‐se negativo para helmintos e protozoários, e tomografias computadorizadas de abdome e pelve não demonstraram presença de abscesso hepático ou intestinal.

Exames laboratoriais realizados antes e após o tratamento não demonstraram alterações em relação às enzimas hepáticas tanto canaliculares quanto transaminases. A paciente apresentava anemia normocítica e normocrômica relacionada à sua enfermidade de base.

Inicou‐se tratamento oral com metronidazol 250mg de 8/8 horas durante 20 dias associado a ivermectina 12mg dose única. A paciente foi reavaliada após 30 dias do término do metronidazol. apresentando melhora significante das lesões, com regressão dos nódulos e tumorações subcutâneas, ausência de eritema, apenas com hipercromia residual (fig. 4).

Figura 4.

Aspecto clínico da paciente após tratamento com metronidazol e ivermectina, paciente apresentando apenas lesões residuais.

(0.52MB).

A amebíase é um problema de saúde pública em todo o mundo, particularmente nos países em desenvolvimento. Os primeiros registros foram provavelmente realizados por Hipócrates, que discutiu a disenteria associada à inflamação do fígado.3 Entretanto, o acometimento cutâneo é extremamente raro. Estudos de revisão que agrupam décadas de atendimentos e publicações científicas somam números modestos de no máximo 26 casos em crianças e adultos.3–5

Embora as lesões cutâneas possam ocorrer em qualquer local do corpo, a úlcera anogenital é a principal manifestação e localização relatada tanto em crianças quanto em adultos.3,4 Os trofozoítos são continuamente eliminados, e a pele circundante apresenta traumas repetidos – esse é o principal mecanismo de infecção: as amebas escapam do intestino para a pele contígua.2 A transmissão pode ocorrer também por contato com fômites contaminadas, além de relações sexuais. A disseminação hematogênica ocorre quando trofozoítas carregados pela circulação sanguínea atingem o fígado – ou raramente outros órgãos, como pulmão – e migram para a pele em um segundo movimento de invasão.3 No caso apresentado, a associação com inserção de cateter de Shilley foi evidente já na anamnese, e a ausência de evidência de amebíase nos exames complementares reforçam essa patogenia. Posterior disseminação hematogênica ocorreu demonstrado pela presença de lesões disseminadas, não apenas no local de implantação do cateter.

O diagnóstico pode ser facilmente confirmado tanto pela pesquisa direta de secreção de lesão (esfregaço em úlceras, punção em nódulos/abcessos) quanto por exames histopatológicos, que evidenciam pela coloração de rotina (Hematoxilina & eosina) os trofozoítas de E. histolytica.3,6 O tratamento é realizado com metronidazol na maioria dos casos, podendo ser utilizado outros medicamentos como cloroquina, tinidazol, ementina e até exérese cirúrgica de lesões.2,3 Sem diagnóstico correto e tratamento imediato, pode resultar em morbidade grave e até levar a óbito.4 A paciente do presente caso foi tratada não apenas com metronidazol e ivermectina, mas também houve troca do cateter, que não evidenciou parasita em pesquisa laboratorial. A paciente evoluiu com boa resposta terapêutica, seguindo em retornos ambulatoriais na Dermatologia.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

John Verrinder Veasey: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Helena Pladevall Moreira: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Mariana de Figueiredo Silva Hafner: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Rute Facchini Lellis: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
K. Eichelmann, K.J. Tomecki, J.D. Martínez.
Tropical dermatology: cutaneous larva migrans, gnathostomiasis, cutaneous amebiasis and trombiculiasis.
Semin Cutan Med Surg., 33 (2014), pp. 133-135
[2]
S. Parshad, P.S. Grover, A. Sharma, D.K. Verma, A. Sharma.
Primary cutaneous amoebiasis: case report with review of the literature.
Int J Dermatol., 41 (2002), pp. 676-680
[3]
J. Fernández-Díez, M. Magaña, M.L. Magaña.
Cutaneous amebiasis: 50 years of experience.
Cutis., 90 (2012), pp. 310-314
[4]
B.M. Kenner, T. Rosen.
Cutaneous amebiasis in a child and review of the literature.
Pediatr Dermatol., 23 (2006), pp. 231-234
[5]
M.L. Magaña, J. Fernández-Díez, M. Magaña.
Cutaneous amebiasis in pediatrics.
Arch Dermatol., 144 (2008), pp. 1369-1372
[6]
M. Magaña, M.L. Magaña, A. Alcántara, M.A. Pérez-Martín.
Histopathology of cutaneous amebiasis.
Am J Dermatopathol., 26 (2004), pp. 280-284

Como citar este artigo: Veasey JV, Moreira HP, Hafner MF, Lellis RF. Cutaneous amoebiasis: A dermatological rarity. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2024.04.008.

Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia, Hospital da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
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