Pênfigo vegetante (PVeg) é variante rara do pênfigo vulgar (PV; 1%–2% dos casos), caracterizada por bolhas ou pústulas flácidas que sofrem erosão formando placas hipertróficas e lesões vegetantes.1 Em geral, as lesões são multifocais e localizadas nas flexuras, áreas periorificiais e mucosa oral.1,2 O PVeg apresenta duas formas clínicas descritas na literatura: o tipo Neumann e o tipo Hallopeau.2 O diagnóstico é feito com base nas características clínicas, mas a histopatologia é obrigatória para confirmação. Não há relatos dermatoscópicos de PVeg, mas a presença de pústulas, microvesículas e erosões pode orientar o clínico no estágio inicial da doença. O exame histopatológico mostra acantólise, hiperplasia epidérmica, papilomatose e abscessos eosinofílicos e neutrofílicos intraepidérmicos. A imunofluorescência direta (IFD) demonstra deposição intercelular de IgG e C3.1,3
O presente relato descreve um caso desafiador apresentando placa hiperceratótica facial solitária de PVeg sem envolvimento da mucosa oral, inicialmente diagnosticada erroneamente como carcinoma espinocelular (CEC) pelo exame clínico, dermatoscópico e histopatológico.
Paciente do sexo masculino, de 63 anos, foi encaminhado ao Departamento de Dermatologia por lesão recorrente assintomática na região frontal direita presente havia dois anos. O exame físico mostrou placa hiperceratótica solitária bem delimitada medindo 2×2,5cm com superfície erosada (fig. 1A). Nenhum envolvimento intertriginoso ou da mucosa oral foi observado. A dermatoscopia revelou fundo predominantemente branco com escamas superficiais, múltiplos óstios foliculares de tamanhos diferentes preenchidos por queratina e círculos perifoliculares brancos circundados por eritema (fig. 1B). O paciente foi submetido a biopsia por punch de 4mm, realizada em serviço de saúde externo, com histopatologia indicando CEC invasivo. A lesão foi completamente excisada com cirurgia micrográfica de Mohs. O relatório final histopatológico descartou a presença de CEC e sugeriu disceratoma verrucoso. Seis meses depois, a lesão recidivou como placa descamativa superficial sobre a cicatriz anterior (fig. 2A). A dermatoscopia mostrou principalmente tampões foliculares, pigmentação irregular das aberturas foliculares e áreas de pseudo‐rede (fig. 2B). As lâminas originais foram revisadas no Departamento de Patologia e revelaram hiperplasia epidérmica, papilomatose, acantólise e abscessos eosinofílicos e neutrofílicos intraepidérmicos (fig. 3A–C). Uma biopsia adicional para IFD demonstrou deposição intercelular de C3 e IgG (fig. 3D). Os achados histopatológicos e de IFD foram compatíveis com PVeg do tipo Neumann.
(A) Placa hiperceratótica bem delimitada com superfície erosada. (B) A dermatoscopia revela fundo branco com escamas superficiais, múltiplos óstios foliculares preenchidos por queratina (seta), círculos perifoliculares brancos circundados por eritema (seta 2) e áreas brancas sem estrutura (seta 3). Algumas áreas vermelhas atribuíveis a sangramento e/ou vascularização densa são vistas na periferia.
(A) Recorrência. Placa descamativa sobre a cicatriz anterior. (B) A dermatoscopia mostra fundo vermelho leitoso com pseudo‐rede entre os óstios foliculares preenchidos por queratina em formato de alvo (seta). Pigmentação irregular das aberturas foliculares (seta 2) e algumas áreas brancas sem estrutura também são vistas (seta 3).
PVeg corresponde a doença autoimune caracterizada por bolhas ou pústulas flácidas que erodem formando placas hipertróficas, afetando predominantemente as flexuras da pele e as membranas mucosas.4
Duas formas clínicas foram descritas na literatura: tipo Hallopeau e tipo Neumann. O tipo Hallopeau é uma forma mais branda, caracterizada por pústulas, e pode apresentar cura deixando placas vegetantes ou ter remissão espontânea.2 As pústulas são as lesões primárias, seguidas por lesões vegetantes, com ausência de bolhas, e evolução benigna com poucas recorrências.5 O tipo Neumann tem pior prognóstico e é caracterizado por lesões vesiculares e erosivas que evoluem para placas vegetantes, curso clínico mais grave e menor resposta ao tratamento.2 Além disso, no tipo Neumann a área desnudada tende a cicatrizar com formações papilomatosas e é caracterizada por começar e terminar com bolhas.6 Isso é compatível com a história e o exame clínico do paciente do presente caso.
Clinicamente, áreas intertriginosas são mais frequentemente afetadas pelo PVeg, bem como membranas mucosas; a ocorrência de PVeg em áreas não intertriginosas é extremamente rara.6 Que seja de conhecimento dos autores, há apenas alguns casos relatados de PVeg com localização facial exclusiva6,7 e ainda menos relatos de semelhança com neoplasias malignas.8
O diagnóstico diferencial inclui lesões vegetantes, como o penfigoide bolhoso ou pênfigo por IgA, placas inflamatórias crônicas da doença de Hailey‐Hailey e, especialmente, piodermite vegetante.1 Frequentemente, pacientes com PVeg não intertriginoso são inicialmente diagnosticados incorretamente e tratados de maneira inadequada por meses ou até anos.5 Isso aconteceu no presente caso, em que as lesões faciais se tornaram um desafio diagnóstico.
A histopatologia e a imunofluorescência direta desempenham em conjunto, papel fundamental no diagnóstico da doença.5 O tratamento do PVeg é realizado com esteroides sistêmicos na forma de prednisolona oral ou dexametasona injetável, com excelente resposta.1,2,5
Em conclusão, PVeg é variante rara de PV que ocasionalmente se apresenta como placa solitária, podendo ser confundida com tumor no exame clínico e dermatoscópico. Além disso, a histopatologia de biopsia parcial da lesão pode ser diagnosticada erroneamente como CEC por patologista inexperiente. PVeg deve ser considerado no diagnóstico diferencial se houver recorrência após a remoção completa. A avaliação por patologista experiente e a IFD direta tornam possível o diagnóstico correto e o tratamento adequado.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresNelson Lobos: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Francisca Reculé: Revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Macarena Stevenson: Revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Valentina Darlic: Revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Dan Hartmann: Revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Alex Castro: Revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Lobos N, Reculé F, Stevenson M, Darlic V, Hartmann D, Castro A. Facial pemphigus vegetans mimicking squamous cell carcinoma: when dermoscopy confuses the diagnosis. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2024.05.009.
Trabalho realizado na Clínica Alemana, Santiago, Chile.