A síndrome ınflamatória multissistêmica em crianças (SIM‐C) é um processo imunomediado que se desenvolve após infecções como a SARS‐CoV‐2. O objetivo do presente estudo foi revelar os achados mucocutâneos de pacientes diagnosticados com SIM‐C na apresentação e avaliar a frequência desses achados mucocutâneos e sua possível relação com a gravidade da doença.
MétodosFoi realizado um estudo prospectivo de 43 crianças internadas em hospital terciário entre janeiro de 2021 e janeiro de 2022 que atenderam aos critérios do Center for Disease Control and Prevention para SIM‐C.
ResultadosOs critérios de definição para SIM‐C foram atendidos por 43 crianças (25 [58,1%] do sexo masculino; mediana da idade 7,5 anos [intervalo 0,5‐15 anos]). O sintoma mais comum foi erupção cutânea em 81,4%, seguido de sintomas gastrintestinais em 67,4%, alterações da mucosa oral em 65,1% e hiperemia conjuntival em 58,1%. O achado mucoso mais comum foi fissura dos lábios em 27,9%, hiperemia difusa da mucosa oral em 18,6% e língua em morango em 13,9%. Urticária (48,8%) foi o tipo mais comum de erupção cutânea nos pacientes. Os locais mais comuns de início da erupção foram tronco (32,6%) e região palmoplantar (20,9%). A presença ou ausência de achados mucocutâneos não mostrou associação significante com a gravidade da doença.
Limitações do estudoO número de pacientes estudados foi pequeno.
ConclusõesA presente análise prospectiva detectou sintomas mucocutâneos em quase nove de dez crianças diagnosticadas com SIM‐C. Em decorrência do caráter prospectivo da presente pesquisa, acredita‐se que as características das lesões de pele e mucosa observadas contribuirão para a literatura sobre o diagnóstico e prognóstico da SIM‐C.
A doença do coronavírus‐2019 (COVID‐19) é uma infecção respiratória causada pelo recém‐identificado severe acute respiratory syndrome coronavirus‐2 (SARS‐CoV‐2). A síndrome inflamatória multissistêmica em crianças (SIM‐C) é um processo imunomediado que se desenvolve após infecções como a SARS‐CoV‐2, e apresenta‐se com envolvimento de múltiplos órgãos e elevação dos marcadores inflamatórios.1–3
Há evidências de que a SIM‐C seja uma reação imunomediada pós‐viral. A ocorrência de SIM‐C três a cinco semanas após a infecção por COVID‐19 e a alta porcentagem de soropositividade para IgG corroboram essa situação.1–5 A maioria das crianças não apresenta manifestações clínicas típicas da infecção por COVID‐19 antes de desenvolver SIM‐C.
Não há características específicas e bem definidas das lesões cutâneas e mucosas na literatura em decorrência da variabilidade dos padrões de SIM‐C. Os objetivos do presente estudo foram apresentar os achados mucocutâneos de pacientes diagnosticados com SIM‐C na apresentação e avaliar a frequência desses achados mucocutâneos e sua possível relação com a gravidade da doença.
MétodoQuarenta e cinco pacientes atendidos na Faculdade de Medicina do Farabi Hospital com diagnóstico de SIM‐C entre janeiro de 2021 e janeiro de 2022 foram incluídos no estudo. Um paciente foi avaliado como apresentando escarlatina e um como febre hemorrágica da Crimeia‐Congo durante o seguimento e, portanto, foram excluídos do estudo.
De acordo com os critérios diagnósticos dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC),6 43 pacientes com diagnóstico definitivo de SIM‐C foram incluídos neste estudo, que considera os seguintes critérios: 1) indivíduo com idade<21 anos apresentando febre (temperatura de 38,0°C por 24 horas, ou relato de febre subjetiva por 24 horas); 2) evidência laboratorial de inflamação, incluindo, mas não se limitando a, um ou mais dos seguintes: proteína C‐reativa (PCR), VHS, fibrinogênio, procalcitonina, D‐dímero, ferritina, LDH ou IL‐6 elevados, neutrófilos elevados, linfócitos reduzidos e albumina baixa; 3) evidência de doença clinicamente grave com necessidade de hospitalização, com envolvimento multissistêmico de (dois ou mais) sistemas (cardíaco, renal, respiratório, hematológico, gastrintestinal, dermatológico ou neurológico); 4) ausência de diagnósticos alternativos plausíveis e 5) positividade para infecção atual ou recente por SARS‐CoV‐2 por RT‐PCR, sorologia ou teste de antígeno, ou exposição a caso suspeito ou confirmado de COVİD‐19 nas quatro semanas anteriores ao início dos sintomas. A definição de SIM‐C fornecida pelo CDC foi resumida na tabela suplementar S1 online. Todos os pacientes foram submetidos a exame físico dermatológico completo na apresentação pelo mesmo dermatologista e as erupções foram acompanhadas prospectivamente. Idade, sexo, contato ou histórico de COVİD‐19 e a gravidade da COVİD‐19 na família e nos participantes que deram consentimento para o estudo foram registrados. A origem da erupção, os locais de envolvimento e o tipo de erupção (erupção urticariforme, lesões maculopapulares, lesões livedoides/necróticas, pseudo‐pérnio, erupção vesicular) foram registrados.
Os achados da mucosa oral (língua em morango, fissura dos lábios, queilite, manchas de Nagayama [máculas eritematosas], ulceração mucocutânea, hiperemia difusa da mucosa oral, estomatite aftosa) foram registrados. Se houvesse erosão da mucosa genital, história de hiperemia da conjuntiva, edema palpebral, sintomas ungueais e achados capilares, os olhos e o leito ungueal eram examinados.
De acordo com os critérios de diagnóstico do CDC, a gravidade da SIM‐C foi dividida em três grupos (leve, moderado e grave), e os protocolos de tratamento recomendados nas diretrizes foram iniciados.7 A classificação da gravidade da doença é determinada pelo Escore Inotrópico Vasoativo (VIS, Vasoactive Inotropic Score), o grau de suporte respiratório necessário e a evidência de lesão de algum órgão.8 Os casos leves não têm necessidade de suporte vasoativo, têm suporte respiratório mínimo e sinais mínimos de lesão de órgão. Em contraste, casos moderados têm VIS ≤ 10, necessidade significante de oxigênio suplementar e lesão leve ou isolada de órgãos. Casos graves têm VIS >10, suporte ventilatório não invasivo ou invasivo e lesão de órgão moderada ou grave, incluindo disfunção ventricular moderada a grave.9 Os valores dos parâmetros sanguíneos dos pacientes no momento do diagnóstico (contagem de glóbulos brancos, contagem absoluta de linfócitos, D‐dímero, procalcitonina, PCR, ferritina, pró‐peptídeo natriurético cerebral [pró‐BNP], troponina, sódio, albumina), os tratamentos que estavam recebendo, o tempo de permanência no hospital e na unidade de terapia intensiva foram registrados.
A aprovação ética para o presente estudo foi obtida do comitê de ética local.
Análise estatísticaO pacote estatístico SPSS 23.0 foi utilizado na análise dos dados. Estatística descritiva dos resultados da avaliação; números e porcentagens são apresentados para variáveis categóricas, e média, desvio padrão, mínimo e máximo são apresentados para variáveis contínuas. A conformidade das variáveis contínuas com a distribuição normal foi avaliada com o teste de uma amostra de Kolmogorov‐Smirnov. Em relação às comparações de dados de medidas entre grupos independentes, ANOVA e teste t de Student foram usados quando a condição de distribuição normal foi atendida, e os testes de Kruskal‐Wallis e U de Mann‐Whitney foram usados quando a mesma não foi atendida. O teste de qui‐quadrado foi utilizado para analisar as diferenças entre as razões das variáveis categóricas em grupos independentes. O nível de significância estatística foi aceito como p <0,05.
ResultadosDos 43 pacientes diagnosticados com SIM‐C, 18 (41,9%) eram do sexo feminino e 25 (58,1%) do sexo masculino. A média de idade dos pacientes foi de 7,5 (0,5‐15) anos. O início da SIM‐C foi observado em uma mediana de 4 (1 a 12) semanas após a exposição ao COVID‐19. As características sociodemográficas e clínicas dos pacientes estão resumidas na tabela 1.
Características sociodemográficas e clínicas dos pacientes
Idade, anos mediana (IIQ) | 7,5 (0,5‐15) |
Sexo, masculino (n %) | 25 (58,1%) |
Pacientes de acordo com a faixa etária, n (%) | |
<1 ano | 1 (2,3%) |
1‐4 anos | 7 (16,3%) |
5‐9 anos | 20 (46,5%) |
10‐14 anos | 14 (32,6%) |
15‐20 anos | 1 (2,3%) |
Doenças subjacentes | |
Saudável | 42 (97,7%) |
Shunt cistoperitoneal | 1 (2,3%) |
Exposição conhecida à COVID‐19, n (%) | 35 (81,4%) |
Tempo de exposição à COVİD‐19 antes do início da SIM‐C, mediana, semanas | 4 (1‐12) |
Gravidade da infecção por COVİD‐19 | |
Assintomática | 32 (74,4%) |
Leve | 11 (25,6%) |
Gravidade da infecção por COVİD‐19 na família | |
Assintomática | 14 (32,6%) |
Leve | 22 (51,2%) |
Moderada | 7 (16,3%) |
Teste de SARS‐CoV‐2 com resultados positivos | |
PCR nasofaríngeo para SARS‐CoV‐2 | 4 (9,3%) |
Imunoglobulina G anti‐SARS‐CoV‐2 | 39 (90,7%) |
Sintomas cutâneos, n (%) | 35 (81,4%) |
Sintomas gastrintestinais, n (%) | 29 (67,4%) |
Sintomas mucosos, n (%) | 28 (65,1%) |
Sintomas oculares, n (%) | 28 (65,1%) |
Sintomas cardiovasculares, n (%) | 20 (46,5%) |
Sintomas respiratórios, n (%) | 13 (30,2%) |
Sintomas neurológicos, n (%) | 6 (14%) |
O sintoma mais comum foi erupção cutânea em 81,4%, seguido de sintomas gastrintestinais em 67,4%, alterações da mucosa oral em 65,1%, hiperemia conjuntival em 58,1%, sintomas cardiovasculares em 46,5%, sintomas respiratórios em 30,2% e sintomas neurológicos em 14%.
Os testes de reação em cadeia da polimerase para SARS‐CoV‐2 foram positivos para quatro (9,3%) pacientes, e os resultados dos testes de imunoglobulina G para SARS‐CoV‐2 foram positivos para 39 (90,7%) pacientes. Quarenta e dois (97,7%) pacientes eram completamente saudáveis antes da infecção, e um paciente (2,3%) fazia uso de um shunt.
No presente estudo, os pacientes desenvolveram erupção mucocutânea com mediana de um dia após o primeiro sintoma de SIM‐C (febre, dor abdominal). Não houve envolvimento mucocutâneo em três (6,9%) pacientes. Erupção cutânea não se desenvolveu em oito (18,6%) pacientes, e em 14 (32,6%) pacientes o primeiro local da erupção foi o tronco. Os achados mucocutâneos dos pacientes estão resumidos na tabela 2. Algumas imagens das lesões clínicas são mostradas nas figuras 1a, 1b, 1c, 1d e 1e. Erupção maculopapular no tronco é vista na figura 1a; placa urticariforme eritematosa na região glútea na figura 1b; língua em morango na figura 1c; edema periorbital e hiperemia conjuntival na figura 1d; e máculas eritematosas plantares bilaterais na figura 1e.
Achados mucocutâneos dos pacientes
Envolvimento mucocutâneo, n (%) | 40 (93%) |
Envolvimento cutâneo, n (%) | 35 (81,4%) |
Erupção cutânea, n (%) | |
Lesões urticariformes | 21 (48,8%) |
Erupção maculopapular | 11 (25,6%) |
Erupção livedoide | 5 (11,6%) |
Pseudo‐pérnio | 1 (2,3%) |
Local de início da erupção cutânea, n (%) | |
Tronco | 14 (32,6%) |
Região palmoplantar | 9 (20,9%) |
Extremidade inferior | 6 (14%) |
Genitália | 3 (7%) |
Extremidade superior | 2 (4,7%) |
Face | 1 (2,3%) |
Envolvimento mucoso, n (%) | 28 (65,1%) |
Fissura nos lábios | 12 (27,9%) |
Queilite | 10 (23,3%) |
Hiperemia difusa da mucosa oral | 8 (18,6%) |
Língua em morango | 6 (13,9%) |
Herpes labial | 3 (6,9%) |
Erosão genital | 0 |
Envolvimento ocular, n (%) | 28 (65,1%) |
Hiperemia conjuntival | 25 (58,1%) |
Edema periorbital | 4 (9,3%) |
Edema simétrico das mãos e pés | 4 (9,3%) |
Descamação periungueal, n (%) | 2 (4,7%) |
Os achados laboratoriais, o tratamento durante a hospitalização e os desfechos das crianças com SIM‐C estão resumidos na tabela 3.
[ll2]Achados laboratoriais, tratamento durante a hospitalização e desfechos de crianças com SIM‐C
Resultados laboratoriais, mediana (IIQ) | |
Contagem de leucócitos (células×103/μL) | 9,33 (2,58‐28,14) |
Contagem absoluta de linfócitos (células×103/μL) | 0,85 (0,13‐3,84) |
Proteína C‐reativa (mg/L) | 170 (11,5‐375) |
D‐dímero (mg/L) | 3,41 (0,18‐36,48) |
Albumina (g/L) | 30,2 (19,5‐43,4) |
Ferritina (μg/L) | 327,2 (23,2‐11981) |
Procalcitonina (μg/L) | 3,88 (0,12‐185) |
Pro‐BNP (ng/L) | 1538 (9,62‐39880) |
Troponina (ng/L) | 9,39 (3‐800,6) |
Sódio (mEq/L) | 133 (126‐143) |
Tratamento, n (%) | |
Ácido acetilsalicílico | 39 (90,7%) |
Imunoglobulina intravenosa | 33 (76,7%) |
Corticosteroides sistêmicos | 35 (81,4%) |
Plasmaférese | 1 (2,3%) |
Desfecho clínico, n (%) | |
Gravidade da SIM‐C, n (%) | |
Leve | 24 (55,8%) |
Moderada | 9 (20,9%) |
Grave | 10 (23,3%) |
Hospitalização na UTI, n (%) | 19 (44,2%) |
Dias de hospitalização, mediana | 7 (1‐53) |
Dias na UTI, mediana | 3 (1‐7) |
Oxigênio | 12 (27,9%) |
Ventilação mecânica invasiva | 3 (6,9%) |
Oxigenação por membrana extracorpórea | 1 (2,3%) |
Medicamentos vasoativos | 20 (46,5%) |
Morte | 2 (4,7%) |
No presente estudo, envolvimento mucocutâneo foi encontrado em 66,7% dos pacientes com menos de 5 anos, enquanto o mesmo foi encontrado em todos os pacientes com mais de 5 anos (p=0,007). A média de permanência hospitalar total em menores de 5 anos de idade foi de 12,89±15,43; o tempo médio de permanência na UTI foi de 3,00±1,41. O tempo médio de internação total para maiores de 5 anos de idade foi de 7,47±3,39; o tempo médio na UTI foi de 3,38±2,13. Não houve diferença estatisticamente significante entre os pacientes com menos de 5 anos e com mais de 5 anos de idade no tempo total de internação (respectivamente p=0,462 e p=0,133). As comparações e valores de p entre os grupos leve e moderado/grave, de acordo com a gravidade da SIM‐C, estão resumidas na tabela 4.
Comparação das lesões mucocutâneas nos grupos SIM‐C leve e moderada/grave
SIM‐C leve | SIM‐C Moderada/grave | p‐valor | |
---|---|---|---|
> 5 anos de idade, n (%) | 20 (58,8%) | 14 (41,2%) | 0,477 |
Sexo, masculino ‐ n (%) | 12 (48%) | 13 (52%) | 0,366 |
Envolvimento mucocutâneo, n (%) | 22 (55%) | 18 (45%) | 1,000 |
Envolvimento cutâneo, n (%) | 19 (54,3%) | 16 (45,7%) | 1,000 |
Erupção cutânea, sim ‐ n (%) | |||
Lesões urticariformes | 10 (47,6%) | 11 (52,4%) | 0,453 |
Erupção maculopapular | 7 (63,6%) | 4 (36,4%) | 0,728 |
Erupção livedoide | 4 (80%) | 1 (20%) | 0,363 |
Pseudo‐pérnio | 0 | 1 (100%) | 0,442 |
Local de início da erupção cutânea, n (%) | |||
Tronco | 11 (78,6%) | 3 (21,4%) | a |
Região palmoplantar | 4 (44,4%) | 5 (55,6%) | a |
Extremidade inferior | 3 (50%) | 3 (50%) | a |
Genitália | 0 | 3 (100%) | a |
Extremidade superior | 1 (50%) | 1 (50%) | a |
Face | 0 | 1 (100%) | a |
Envolvimento mucoso, n (%) | 16 (57,1%) | 12 (42,9%) | 1,000 |
Erupção na mucosa, n (%) | |||
Fissuras nos lábios | 8 (66,7%) | 4 (33,3%) | 0,583 |
Queilite | 4 (40%) | 6 (60%) | 0,295 |
Hiperemia difusa da mucosa oral | 6 (75%) | 2 (25%) | 0,270 |
Língua em morango | 3 (50%) | 3 (50%) | 1,000 |
Herpes labial | 0 | 3 (100%) | 0,079 |
Envolvimento ocular | 11 (45,8%) | 13 (54,2%) | a |
Hiperemia conjuntival | 12 (48%) | 13 (52%) | a |
Edema simétrico das mãos e pés, n (%) | 1 (25%) | 3 (75%) | 0,306 |
Descamação periungueal | 0 | 2 (100%) | 0,189 |
Hospitalização na UTI, n (%) | 4 (21,1%) | 15 (78,9%) | <0,001 |
O aspecto mais importante do presente estudo é que os pacientes foram acompanhados prospectivamente diariamente e, assim, foi possível documentar uma ampla gama de achados mucocutâneos relacionados à SIM‐C. Além disso, todos os pacientes do presente estudo tinham a mesma origem étnica, o que o tornou um grupo mais homogêneo em termos de influência genética. Entretanto, algumas limitações devem ser observadas. Não foi possível realizar biópsia de pele das lesões cutâneas, e essa é a limitação mais importante deste estudo.
DiscussãoNo presente estudo, o sintoma mais comum foi erupção cutânea em 81,4%, seguido de sintomas gastrintestinais em 67,4%, alterações da mucosa oral em 65,1%, hiperemia conjuntival em 58,1%, sintomas cardiovasculares em 46,5%, sintomas respiratórios em 30,2% e sintomas neurológicos em 14%. Pouletty et al.9 mostraram envolvimento mucocutâneo em 94%, erupção cutânea difusa em 81% e Toubiana et al.10 mostraram erupção cutânea polimorfa em 76% na SIM‐C. No presente estudo, a frequência de envolvimento mucocutâneo (93%) e inflamação cutânea (81,4%) foi observada em taxas semelhantes às da literatura. Os dados do presente estudo e de outros estudos estão resumidos na tabela 5.2,5,7,11–14 O primeiro local da erupção foi o tronco (32,6%), e o segundo mais comum foi a região palmoplantar (20,9%). Urticária (48,8%) foi o tipo mais comum de erupção cutânea nos pacientes do presente estudo. Na literatura, diferente dos achados do presente estudo, Yuksel et al. mostraram que a erupção maculopapular foi a lesão elementar mais comum em sete casos (41,2%).13
Resumo dos dados obtidos no presente estudo e em outros estudos
Estudo/pacientes (n) | Presente estudo (43) | Young TK, et al.11 (35) | Kaushik S, et al.12 (33) | Riollano‐Cruz M, et al.14 (15) | Feldstein LR, et al.2 (186) | Torres JP, et al.5 (27) | Jonat B, et al.7 (54) | Yuksel S, et al.13 (17) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Retrospectivo/prospectivo (R/P) | P | R | R | R | R+P | R+P | R+P | P |
Idade, anos mediana | 7,5 (0,5‐15) | 2 (0,2‐17) | 10 (6‐13) | 12 (3‐20) | 8,3 (3,3‐12,5) | 6 (0‐14) | 7 (0,8‐20) | 8 (3,5‐13,5) |
Sexo, masculino, n (%) | 25 (58,1) | 19 (54) | 20 (61) | 11 (73) | 115 (62) | 14 (52) | 25 (46) | 7 (41,1) |
Sintomas sistêmicos | ||||||||
Sintomas mucocutâneos, n (%) | 40 (93) | 29 (83) | 7 (21) | NR | 137 (74) | NR | NR | NE |
Sintomas gastrintestinais, n (%) | 29 (67,4) | 31 (88,6) | NS | 13 (87) | 171 (92) | NS | 45 (83) | 13 (76,5) |
Sintomas cardiovasculares, n (%) | 20 (46,5) | 19 (54,3) | 21 (63) | 13 (87) | 149 (80) | NR | NE | NR |
Sintomas respiratórios, n (%) | 13 (30,2) | NE | NE | NR | 131 (70) | NE | 12 (22) | 3 (17,6) |
Sintomas neurológicos, n (%) | 6 (14) | NR | 4 (12) | NR | NE | NR | 22 (41) | 3 (17,6) |
Erupção cutânea, n (%) | 35 (81,4) | 28 (80) | 14(42) | 7 (47) | 110 (59) | 14(52) | 41 (76) | NE |
Lesões urticariformes, n (%) | 21 (48,8) | 3 (9) | NR | NR | NR | NR | NR | NE |
Erupção maculopapular, n (%) | 11 (25,6) | NR | NR | NR | NR | NR | NR | 7(41,2) |
Erupção livedoide, n (%) | 5 (11,6) | NR | NR | NR | NR | NR | NR | NR |
Pseudo‐pérnio, n (%) | 1 (2,3) | NR | NR | NR | NR | NR | NR | NR |
Alterações da mucosa oral, n (%) | 28 (65,1) | 20 (57) | 7 (21) | NR | 78 (42) | 11 (41) | NE | 0 |
Fissuras nos lábios, n (%) | 12 (27,9) | NR | NR | NR | NR | NR | NR | NR |
Queilite, n (%) | 10 (23,3) | NR | NR | NR | NR | NR | NR | NR |
Hiperemia difusa da mucosa oral, n (%) | 8 (18,6) | NR | NR | NR | NR | NR | NR | NR |
Língua em morango, n (%) | 6 (13,9) | 8 (23) | NR | NR | NR | NR | NR | NR |
Herpes labial, n (%) | 3 (6,9) | NR | NR | NR | NR | NR | NR | 0 |
Erosão genital, n (%) | 0 | NR | NR | NR | NR | NR | NR | 0 |
Envolvimento ocular, n (%) | 28 (65,1) | NE | NR | NR | NR | NR | NR | NR |
Hiperemia conjuntival, n (%) | 25 (58,1) | 21 (60) | 12 (36) | 4 (27) | 103 (55) | 13 (48) | 31 (57) | 9 (52,9) |
Edema periorbital, n (%) | 4 (9,3) | 7 (20) | NR | NR | NR | NR | NR | NR |
Edema simétrico das mãos e pés, n (%) | 4 (9,3) | 14 (40) | NR | 4 (27) | NE | NR | NR | NR |
Descamação periungueal, n (%) | 2 (4,7) | NR | NR | NR | NR | NR | NR | NR |
NR, não relatado; NE, não especificado.
Envolvimento da mucosa oral foi observado em 65,1% dos pacientes; o achado mucoso mais comum foi fissura dos lábios em 27,9%, hiperemia difusa da mucosa oral em 18,6% dos pacientes e língua em morango em 13,9% dos pacientes. No estudo de Young et al., hiperemia conjuntival (n=21), eritema palmoplantar (n=18), hiperemia dos lábios (n=17), lábios rachados (n=13), eritema e edema periorbital (n=7), língua em morango (n=8) e eritema malar (n=6) foram relatados como os achados mais comuns.11 No presente estudo, as lesões da mucosa oral foram avaliadas detalhadamente em seguimentos diários em comparação com a literatura; a frequência de envolvimento oral foi maior.
Hiperemia conjuntival foi observada em 58,1% dos pacientes, e edema periorbital foi observado em 9,3%. Resultados semelhantes foram observados na literatura, com taxas de hiperemia conjuntival de 57% e 55%.2,15
A doença de Kawasaki é uma vasculite que afeta vasos pequenos e médios e geralmente afeta bebês e crianças com menos de 5 anos. Em mais de 90% dos casos, uma erupção maculopapular difusa aparece de três a cinco dias após o início da febre. A inflamação urticariforme é rara. Pode haver eritema nas palmas das mãos e plantas dos pés, e descamação periungueal geralmente é observada duas a três semanas após o início da febre.16 No entanto, diferente da doença de Kawasaki, sugeriu‐se que a SIM‐C afete predominantemente adolescentes e crianças com mais de 5 anos de idade e esteja associada a envolvimento cardiovascular mais frequente.17–19 Características semelhantes também foram observadas no presente estudo.
Em nosso estudo, 18 (41,9%) dos 43 pacientes com SIM‐C eram do sexo feminino e 25 (58,1%) do sexo masculino. A média de idade dos pacientes era de 7,5 (0,5‐15) anos. Na literatura, Kaushik et al. mostraram que a mediana de idade dos pacientes era de 10 anos; 61% dos pacientes eram do sexo masculino.12 Feldstein et al. relataram mediana de idade de 8,3 anos; 62% eram do sexo masculino.2 Em contraste com a distribuição etária em bebês na doença de Kawasaki, a SIM‐C é predominantemente uma doença em crianças mais velhas e adolescentes. Em consonância com a literatura, a proporção do sexo masculino foi maior e a mediana de idade foi de 7,5 anos no presente estudo.
Embora a etnia negra ou hispânica/latina tenha sido relatada com mais frequência na maioria dos estudos,1,12 nosso trabalho revelou dados de um grupo mais homogêneo, pois havia apenas uma etnia (etnia turca).
No presente estudo, os sintomas sistêmicos apareceram com mediana de 4 (1 a 12) semanas após a exposição ao COVID‐19. Um estudo de Belot et al.20 relatou um período de quatro a cinco semanas após o pico de casos de COVID‐19.
A COVID‐19 em adultos é tipicamente mais grave em pacientes com doenças subjacentes, como hipertensão, diabetes mellitus e outras, incluindo doenças cardíacas e cerebrovasculares.21,22 Em contraste, mais da metade das crianças com SIM‐C pareciam ter sido previamente saudáveis. Na literatura, comorbidades não foram observadas em 74% e 73% dos pacientes.2,5 No presente estudo, 97,7% dos pacientes eram completamente saudáveis, ou seja valor compatível com a literatura.
No presente estudo, a mediana do tempo para desenvolver queixas mucocutâneas após o primeiro sintoma (febre, dor abdominal) foi de um dia (intervalo de um a sete dias). No estudo de Torres et al., a duração mediana dos sintomas antes da hospitalização foi de quatro dias (variação de dois a nove dias), e não havia dados sobre a ocorrência de sintomas mucocutâneos.5
A mediana da duração da hospitalização é de 6,5 dias na maioria dos estudos.1 A mediana da duração da hospitalização foi de sete dias entre os pacientes que receberam alta vivos e cinco dias entre os que morreram.2 No presente estudo, a mediana de permanência hospitalar foi de sete dias e a mediana de permanência na UTI foi de três dias (um a sete dias).
ConclusãoSintomas dermatológicos e mucocutâneos da SIM‐C foram comumente relatados na literatura. Entretanto, estudos que avaliam detalhadamente os achados cutâneos e mucocutâneos são limitados na literatura. Essa análise prospectiva detectou sintomas mucocutâneos em quase nove de dez crianças diagnosticadas com SIM‐C. Em decorrência da natureza prospectiva da presente pesquisa, acredita‐se que as características das lesões de pele e mucosa demonstradas aqui contribuirão para a literatura sobre o diagnóstico e prognóstico da SIM‐C.
Declaração de disponibilidade de dadosOs dados que apoiam os achados do presente estudo estão disponíveis com o autor para correspondência.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLeyla Baykal Selcuk: Concepção ou planejamento do estudo; obtenção dos dados; análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito; aprovação final da versão a ser publicada.
Arzu Ferhatosmanoğlu: Concepção ou planejamento do estudo; obtenção dos dados; análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito; aprovação final da versão a ser publicada.
Zeynep Gökçe Gayretli Aydın: Obtenção dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Deniz Aksu Arıca: Obtenção dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Osman Yeşilbaş: Obtenção dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Baykal Selçuk L, Ferhatosmanoğlu A, Gayretli Aydın ZG, Arıca DA, Yeşilbas O. Dermatologic manifestations of multisystem inflammatory syndrome in children during the COVID‐19 pandemic. An Bras Dermatol. 2023;98:168–75.
Trabalho realizado no Farabi Hospital, Faculdade de Medicina, Karadeniz Technical University, Trabzon, Turquia.