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Vol. 96. Issue 4.
Pages 500-502 (July - August 2021)
Carta ‐ Investigação
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Evolução clínica da função neural em série de casos de neuropatia hansênica após neurólise ulnar
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Juliana Barroso‐Freitasa,
, Pedro Arthur da Rocha Ribasb, Paula Frassinetti Bessa Rebelloc, Silmara Navarro‐Penninic
a Hospital Universitário Getúlio Vargas, Manaus, AM, Brasil
b Universidade Nilton Lins, Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, Manaus, AM, Brasil
c Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta, Manaus, AM, Brasil
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Tabela 1. Características dos casos de hanseníase submetidos à neurólise do nervo ulnar
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Prezado Editor,

A hanseníase é uma doença infecciosa crônica com potencial incapacitante pela afinidade do agente, Mycobacterium leprae, pelos nervos periféricos e pele. Dos 208.619 novos casos detectados mundialmente em 2018, 11.323 já apresentavam deformidades aparentes; 2.109 (18,6%) casos eram do Brasil, número que esteve abaixo apenas da Índia, com 3.666 casos novos com deformidades.1

A neuropatia na hanseníase pode ocorrer de maneira insidiosa, mais comumente na forma de mononeuropatia múltipla, com o acometimento simultâneo de dois ou mais nervos periféricos em regiões distintas do corpo; os nervos ulnar e tibial posterior são os mais envolvidos. Com frequência, o dano neural também pode ocorrer durante episódios agudos de reações imunológicas contra antígenos bacilares, que podem surgir no decorrer da doença ou mesmo após o tratamento poliquimioterápico, na forma de neurite com edema, obstrução vascular, isquemia e estrangulamento na passagem pelos canais osteofibrosos dos membros, levando à dor e ao déficit de função, principal causa das incapacidades físicas e estigma da doença.2,3

A base do tratamento da neurite é a prednisona, utilizada para o controle do processo inflamatório e da dor, evitando o dano neural permanente. A neurólise é a cirurgia para descompressão do nervo por meio de uma incisão do epineuro e abertura do canal osteofibroso para liberação do mesmo, no nível do cotovelo e/ou do punho.3 É realizada principalmente nos casos de abscesso de nervo, neurite não responsiva ao tratamento clínico por quatro semanas, episódios de neurites recorrentes ou subentrantes, neurites deficitárias crônicas com dor, e neurites em pacientes com comorbidades que contraindicam o uso de corticoides nas doses adequadas, e nos casos de contraindicação absoluta de corticoides.4

Com o objetivo de descrever a evolução clínica da função neural e da recorrência da neurite em pacientes com neurite hansênica submetidos à neurólise, apresentamos uma série de 22 casos de cirurgia do nervo ulnar, realizadas em 2015 e 2016 na Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta, na cidade de Manaus (AM).

Imediatamente antes da neurólise e após a mesma (30, 90 dias e na data do retorno), foi realizada a avaliação neurológica simplificada segundo o Ministério da Saúde do Brasil.4 A avaliação da sensibilidade foi realizada com estesiômetro ou monofilamento de Semmes‐Weinstein, composto por um conjunto de seis fios de nylon de diferentes cores e espessuras que, pressionados contra a pele, correspondem a diferentes pesos (de 0,05g a 300g). Foram considerados os monofilamentos de 0,05g (verde) e 0,2g (azul) como sensibilidade normal, e acima destes, diminuída.5 Para a avaliação da força muscular foi examinado o músculo abdutor do quinto dedo e utilizada a escala do Medical Research Council, que gradua a força de 0 (ausência de movimento muscular) a 5 (movimento completo contra a gravidade com resistência máxima).4 Os níveis 4 (movimento completo contra a gravidade com resistência parcial) e 5 foram considerados normais.5

O tempo entre o primeiro episódio de neurite e a realização da neurólise foi em média 25,3 meses (Dp=63,3; mín.=1; máx.=303); em 11 (50,0%) pacientes o procedimento foi realizado em até seis meses, o que é relacionado com os melhores resultados por outros autores.5 Para fins de comparação, no presente estudo foi considerada a última avaliação neurológica, que variou de três a 168 meses, tendo 12 (54,5%) pacientes com mais de um ano de seguimento.

De 12 casos que já tinham sensibilidade alterada antes da cirurgia, sete (58,3%) apresentaram melhora e, de seis que tinham alteração da força muscular, cinco (83,3%) mantiveram o mesmo nível e apenas um (16,7%) piorou. Quinze (68,2%) pacientes não tiveram mais neurite no nervo operado, porém três destes ainda tiveram que usar prednisona por apresentarem reação hansênica e/ou neurite de outros nervos. Dois pacientes tiveram apenas um único episódio de neurite, que ocorreu três e quatro meses após a cirurgia. Outros cinco (18,2%) tiveram neurites subentrantes do nervo operado, com média de 52,6 meses (Dp=63; mín.=17; máx.=172) após a cirurgia, sem, necessariamente, evoluírem com perda da função (tabela 1).

Tabela 1.

Características dos casos de hanseníase submetidos à neurólise do nervo ulnar

N° ordem  Sexo  Idade no diagnóstico (anos)  Forma clínica  Tempo em meses entreSensibilidadeaForça muscularbTempo com recorrências (meses) 
        Neurite e neurólise  Neurólise e avaliação  Inicial  Final  Inicial  Final   
31  BL  01  03  0,05 g  0,05 g  – 
22  BL  02  20  10 g  21 
34  LL  02  05  0,05 g  0,2 g  – 
TT  02  44  300 g  10 g  – 
20  BT  02  08  300 g  – 
26  BL  02  18  0,05 g  300 g  03c 
13  BT  03  34  300 g  300 g  – 
35  LL  04  14  0,2 g  0,2 g  – 
39  LL  04  30  4 g  – 
10  49  LL  05  24  0,2 g  0,2 g  – 
11  51  BL  03  300 g  – 
12  24  LL  09  26  300 g  0,2 g  – 
13  24  LL  10  02  0,2 g  0,2 g  – 
14  11  BL  12  21  0,05 g  0,05 g  21 
15  36  BL  16  17  300 g  10 g  17 
16  15  LL  17  04  0,05 g  0,05 g  – 
17  57  BT  20  08  300 g  0,2 g  – 
18  18  BL  20  168  300 g  172 
19  17  LL  31  10  0,05 g  0,2 g  32 
20  12  BT  36  04  300 g  4 g  04c 
21  19  BL  49  135  0,05 g  0,05 g  – 
22d  26  LL  303  03  10 g  10 g  – 
a

Monofilamento: 0,05g (verde) e 0,2g (azul)=sensibilidade normal; 2,0g (violeta)=diminuiçãoo da sensibilidade protetora, com discriminação de forma e temperatura diminuída; 4,0g (vermelho escuro)=sensibilidade protetora diminuída; 10,0g (laranja)=pode sentir pressão profunda e dor; 300,0g (vermelho magenta)=perda da sensação de pressão profunda, podendo sentir dor; e 0=não sente nenhum monofilamento ou ausência de sensibilidade à pressão ou dor.

b

Escala do Medical Research Council.

c

Mês da ocorrência do único um episódio de neurite.

d

Esse paciente apresentou reicidiva.

Com esta série de casos, ressalta‐se a importância clínica dos resultados em situação de rotina, em que a maior contribuição da neurólise associada ao tratamento clínico da neurite hansênica foi a não recorrência ou cronificação do quadro, evitando a corticoterapia prolongada e suas consequências, além da possível evolução para incapacidades físicas, inclusive com ganho da função sensitiva para a maioria dos casos apresentados. Faz‐se necessário, contudo, a realização de estudos com metodologia apropriada para avaliar a eficácia da neurólise ou seus benefícios em comparação ao tratamento clínico isolado, mesmo diante das publicações existentes ao longo de décadas.5

Suporte financeiro

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – bolsa de iniciação científica.

Contribuição dos autores

Juliana Barroso‐Freitas: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Pedro Arthur da Rocha Ribas: Revisão crítica da literatura; obtenção, análise e interpretação dos dados.

Paula Frassinetti Bessa Rebello: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura; análise dos dados; revisão crítica do manuscrito.

Silmara Navarro‐Pennini: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; análise dos dados.

Conflito de interesses

Nenhum.

Agradecimentos

Agradecimento a todos os profissionais que atuam no setor de prevenção de incapacidades físicas da Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta, em nome da chefe do serviço, fisioterapeuta Isabelle Nóbrega Oliveira.

Referências
[1]
World Health Organization – WHO [Internet]. Weekly Epidemiological Record (WER) [Acesso em 20 jan. 2020]. Disponível em: <https://www.who.int/wer/2019/wer9435_36/en/>.
[2]
P. Saunderson, S. Gebre, K. Desta, P. Byass, D.N. Lockwood.
The pattern of leprosy‐related neuropathy in the AMFES patients in Ethiopia: definitions, incidence, risk factors and outcome.
Lepr Rev., 71 (2000), pp. 285-308
[3]
Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da Hanseníase como problema de saúde pública: Manual técnico‐operacional. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.
[4]
W.H. Van Brakel, P.G. Nicholls, L. Das, P. Barkataki, S.K. Suneetha, R.S. Jadhav, et al.
The INFIR Cohort Study: investigating prediction, detection and pathogenesis of neuropathy and reactions in leprosy. Methods and baseline results of a cohort of multibacillary leprosy patients in North India.
Lepr Rev., 76 (2005), pp. 14-34
[5]
N.H.J. Van Veen, T.A.R. Schreuders, W.J. Theuvenet, A. Agrawal, J.H. Richardus.
Decompressive surgery for treating nerve damage in leprosy.
A Cochrane review., 12 (2012), pp. CD006983

Como citar este artigo: Barroso‐Freitas J, Ribas PAR, Rebello PFB, Navarro‐Pennini S. Clinical evolution of neural function in a series of leprosy neuropathy cases after ulnar neurolysis. An Bras Dermatol. 2021;96:500–2.

Trabalho realizado na Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta Manaus, AM, Brasil.

Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (CEP‐FUAM) sob o número CAE 03242218.5.0000.0002.

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