Como onicocriptose é demanda frequente à assistência dermatológica, e seu manejo cirúrgico exige tanto treinamento específico quanto critério de indicação, lemos com interesse o artigo de Ma,1 que objetivou descrever uma nova abordagem cirúrgica para onicocriptose.
Atualmente, não existe consenso, e tampouco se formou corpo de evidências sobre as diferenças específicas das inúmeras técnicas operatórias para onicocriptose, ou da comparação entre si quanto à eficácia, morbidade, infecção, custo‐efetividade e dificuldade técnica. Portanto, o desenvolvimento de novos métodos é de relevância científica e deve ser apreciado criticamente frente às cirurgias descritas, especialmente no que concerne às diferenças técnicas e taxas de recorrência em 12 meses.
Apesar dos interessantes resultados apresentados pelo Dr. Ma, a sequência da técnica cirúrgica proposta é muito semelhante à matricectomia clássica descrita por Winograd (1929),2 que sofreu diversas adaptações ao longo dos anos.3,4 Além disso, apesar de baixa, existe uma taxa de recorrência esperada de cerca de 6%, em praticamente todos os estudos que empregaram a técnica de Winograd ou suas variantes.4 Como se trata de abordagem cirúrgica semelhante, o resultado apresentado por Ma, que não encontrou nenhuma recorrência em 67 cirurgias (seguimento de 6 a 12 meses), pode não representar diferença em relação à expectativa de 6% (p=0,119 – Teste exato de Fisher) devido à amostragem modesta. Mas também pode decorrer da fração de casos com onicocriptose grau I, que costumam não recorrer e cuja frequência não foi discriminada pelo autor.
A tabela 1 apresenta as principais características técnicas da cirurgia de Winograd e suas principais variantes, suas taxas de recidiva, além da matricectomia química com fenol 88%, e ácido tricloroacético 80%, para comparação.5
Características das principais técnicas cirúrgicas descritas para onicocriptose
Publicação | Técnica | n | Taxa de recidiva |
---|---|---|---|
Winograd AM. J Am Podiatr Med Assoc. 2007;97:274‐7. | Incisão do eponíquio | 10 | Zero em 6 meses |
Retirada da lâmina até a matriz | |||
Curetagem da matriz, curativo | |||
Uygur E, et al. Int J Surg. 2016;34:1‐5. | Sequência de Winograd | 128 | 14% em 6 meses |
Sutura posterior da ferida operatória na lâmina ungueal | |||
Acar E. J Foot Ankle Surg. 2017;56:474‐7. | Sequência de Winograd | 102 | Zero em 12 meses |
Eletrocoagulação da matriz | |||
Karaca N, et al. Ann Fam Med. 2012;10:556‐9. | Excisão parcial da matriz proximolateral e fenolização da matriz | 348 | 0,3% em 24 meses |
Aksoy B, et al. Dermatol Surg. 2009;35:462‐8. | Retalho em transposição da prega ungueal lateral com matricectomia parcial | 52 | 3,9% em 12 meses |
Osan F, et al. Dermatol Surg. 2014;40:1132‐9. | Matricectomia parcial com curetagem (grupo1) vs. matricectomia parcial com eletrocauterização (grupo 2) | 92 (grupo 1) vs. 57 (grupo 2) | 2% em 10 meses (grupo 1) vs. zero em 10 meses (grupo 2) |
Dąbrowski M, et al. Ann Med Surg. 2020;56:152‐60. | Exérese em cunha do tecido lateral à lâmina ungueal | 54 | 1,8% em 1 mês |
Preservação da matriz ungueal | |||
Kimata Y, et al. Plast Reconstr Surg. 1995;95:719‐24. | Avulsão parcial da placa ungueal lateral | 537 | 1% em 6 meses |
Matricectomia química com fenol 88% | |||
Barreiros H, et al. An Bras Dermatol. 2013;88:889‐93. | Avulsão parcial da lâmina e da matriz ungueal lateral | 197 | 1,5% em 12 meses |
Matricectomia química com ácido tricloroacético a 80% | |||
Muriel‐Sanchez JM, et al. J Clin Med. 2020;9:845. | Avulsão da lâmina lateral até o eponíquio e curetagem da matriz e do leito ungueal (grupo 1) vs. avulsão da lâmina ungueal até o eponíquio e fenolização (88%) da matriz (grupo 2) | 76 (grupo 1) vs. 36 (grupo 2) | 1,52% em 6 meses (grupo 1) vs. 2,8% em 6 meses (grupo 2) |
Montesi S, et al. Dermatology. 2019;235:323‐6. | Fenolização (88%) da matriz por 4 minutos | 622 | 1,1% em 12 meses |
Terzi E, et al. Dermatol Surg. 2017;43:728‐33. | Avulsão da lâmina lateral até o eponíquio e matricectomia química com ácido bicloroacético a 90% | 58 | 3,3% em 12 meses |
As técnicas cirúrgicas para o tratamento das onicocriptoses demandam cuidadosa sistematização das sequências operatórias e abordagem da matriz, assim como a indicação precisa de acordo com a hiperplasia tecidual, situação da lâmina ungueal e granuloma piogênico. Somente a análise comparativa dos desempenhos das técnicas, estratificadas de acordo com as indicações, podem levar a uma avaliação crítica que maximize a performance dos procedimentos.
Devido às peculiaridades da anatomia do aparelho ungueal, as abordagens cirúrgicas das onicoses demandam treinamento especializado do dermatologista. Entretanto, apesar da alta prevalência das onicocriptoses e do impacto na qualidade de vida, há uma carência de ensaios clínicos comparativos bem conduzidos que favoreçam a personalização das indicações. Além disso, é essencial rever as técnicas cirúrgicas já descritas, tanto por seu valor histórico quanto científico, quando se propõe padronizar uma nova técnica operatória.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresAnna Carolina Miola: Aprovacão da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Giovana Piteri Alcantara: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Luciane Donida Bartoli Miot: Alaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Hélio Amante Miot: Aprovacão da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Miola AC, Alcantara GP, Miot LDB, Miot HA. Considerations on the development of surgical techniques for the treatment of onychocryptosis. An Bras Dermatol. 2021;96:651–3.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.