Um menino chinês de 9 anos apresentou história de múltiplos nódulos que afetavam a ante‐hélice direita por dois meses. Os nódulos aumentaram gradualmente e eram levemente dolorosos. O paciente era saudável. Não foram observados fatores locais e lesões cutâneas prévias e o paciente não apresentava histórico de lesões no local. O histórico médico e familiar não foi significativo. No exame físico, foram observados quatro nódulos cor da pele de 4 a 5mm de diâmetro na ante‐hélice direita em um arranjo de colar de pérolas (fig. 1). Um dos nódulos foi excisado e o exame anatomopatológico evidenciou hiperplasia epidérmica irregular, edema de células endoteliais nos vasos dérmicos e estenose vascular com infiltração linfocítica perivascular moderada, além de fibrose laminada e reação granulomatosa de células epitelioides e linfócitos (fig. 2). Os exames de sangue, inclusive hemograma completo, índice de coagulação sanguínea, função hepática e renal e anticorpos antinucleares, foram normais. Foi feito o diagnóstico de condrodermatite nodular crônica da hélice (CNCH) e iniciou‐se tratamento com acolchoamento protetor ao redor da porção da orelha externa e creme tópico de halometasona a 0,5%. Após dois meses de tratamento, observou‐se redução dos nódulos e desaparecimento do quadro doloroso.
Exame histológico demonstra hiperplasia epidérmica irregular, edema de células endoteliais dos vasos dérmicos e estenose vascular com infiltração linfocítica perivascular moderada, além de fibrose laminada com infiltrado granulomatoso de células epitelioides e linfócitos (Hematoxilina & eosina, 40×).
A CNCH é caracterizada por um nódulo eritematoso doloroso benigno com uma crosta central, em continuidade com a cartilagem da hélice ou da ante‐hélice na porção externa da orelha. As lesões são mais comuns no lado direito do que no lado esquerdo. Em pacientes do sexo masculino, a CNCH apresenta‐se mais comumente na hélice, enquanto que em pacientes do sexo feminino a ante‐hélice é mais frequentemente acometida.1 É um distúrbio incomum em indivíduos de meia‐idade e idosos entre 40 e 80 anos, com preponderância no sexo masculino; a proporção homem/mulher é de 10 para 1. Normalmente, a apresentação é unilateral; no entanto, lesões bilaterais foram relatadas com uma incidência de 3% a 7%.1 Embora a CNCH possa ocorrer em qualquer faixa etária, ela é raramente relatada em crianças. Tanto quanto é do conhecimento dos autores, este é o sexto caso pediátrico de CNCH relatado na literatura (tabela 1).2–5 Três desses casos pediátricos de CNCH estavam associados a doenças do tecido conjuntivo. Assim, alguns autores recomendam que pacientes com CNCH com até 50 anos sejam rotineiramente avaliados quanto a doenças autoimunes subjacentes.4
A etiologia da CNCH não é clara. A causa mais provável é isquemia ou microtrauma relacionado ao hábito de dormir deitado sobre um determinado lado do corpo. Alguns possíveis fatores contribuintes podem levar ao aparecimento e desenvolvimento de CNCH, entre os quais degeneração da cartilagem, anatomia da orelha, genética, alterações vasculares semelhantes ao aparelho glômico, dermatoses perfurantes e eliminação transepidérmica, pressão, doenças autoimunes ou do tecido conjuntivo e trauma.1 As características histopatológicas clássicas da CNCH são ulceração epidérmica ou defeito epidérmico em forma de cunha, hiperplasia epitelial, degeneração do colágeno, necrose fibrinoide focal e infiltrado inflamatório. A cartilagem pode estar alterada, mas frequentemente se apresenta normal.
O diagnóstico diferencial da CNCH inclui nódulo elástico da orelha, nódulo reumatoide, calcinose cutânea, tofo gotoso e tumor glômico. O nódulo elástico da orelha, que ocorre na crista anterior da ante‐hélice e produz dor que simula CNCH, ocorre em um cenário de dano actínico crônico. Nódulos reumatoides ocorrem quase exclusivamente em associação com artrite reumatoide. A calcinose cutânea (deposição de cálcio na pele e nos tecidos subcutâneos) é classificada em calcifilaxia e tipos distróficos, metastáticos, idiopáticos e iatrogênicos. Embora a localização clássica do tofo gotoso seja o dedão do pé, ele também é comum na orelha. O tumor glômico, um tumor vascular doloroso raro, geralmente apresenta um nódulo solitário na porção distal de um dedo, mas também pode ser observado em outros locais. Geralmente, é necessária uma biópsia para confirmar o diagnóstico e as características histopatológicas da CNCH são clássicas.
Muitos tratamentos para CNCH têm sido descritos; no entanto, sua recorrência é comum. Esses tratamentos podem ser classificados em duas categorias. Primeiramente, os procedimentos não cirúrgicos que incluem o uso de laser de dióxido de carbono, implantes injetáveis de colágeno, injeções intralesionais de esteroides, gel de nitroglicerina, terapia fotodinâmica, remoção do fator causal e alívio da pressão e esteroides tópicos. Além disso, alguns procedimentos cirúrgicos podem ser adotados, entre os quais a excisão da cartilagem, curetagem e excisão em cunha. O tratamento inicial consiste em aliviar a pressão no local durante o sono com um travesseiro em forma de donut (rosca americana de forma circular com amplo orifício central) ou um dispositivo caseiro de alívio de pressão. O padrão‐ouro é a excisão cirúrgica via ressecção em cunha, apesar do risco de recorrência caso a cartilagem defeituosa não seja removida.1 O presente paciente apresentava CNCH em estágio inicial, sem a crosta central característica no nódulo. Devido ao diagnóstico e tratamento precoces, os sintomas foram resolvidos rapidamente.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLi‐Wen Zhang: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Lin Li: Revisão crítica da literatura.
Cong‐Hui Li: Participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.
Wen‐Ju Wang: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa.
Conflitos de interesseNenhum.
Como citar este artigo: Zhang L‐W, Li L, Li C‐H, Wang W‐J. Pediatric chondrodermatitis nodularis chronica helicis. An Bras Dermatol. 2020;95:393–5.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatovenereologia, Segundo Hospital Popular de Chengdu, Chengdu, Sichuan, China.