Criança de 9 meses, nascida a termo com o auxílio de fórceps, foi trazida ao ambulatório de Dermatologia com história de rubor e aquecimento na região bucinadora direita que aparecia quando se alimentava (fig. 1). O rubor tornou‐se aparente para seus pais aos 6 meses de idade, após a introdução de alimentos sólidos. Geralmente iniciava‐se segundos após a ingestão da primeira porção do alimento e desaparecia em 30 minutos. Não estava associado a hiperidrose, prurido, desconforto, edema labial, sibilos ou dispneia. O paciente não havia sido submetido à cirurgia, nem tinha história pessoal de atopia.
Na observação inicial na clínica, não havia lesões cutâneas, mas segundos após um teste de provocação comendo um morango, eritema unilateral e calor localizado apareceram na região do arco zigomático direito, eminência malar e região submalar (fig. 2). O restante do exame dermatológico foi normal e não havia sinais ou sintomas associados, incluindo sudorese. A erupção desapareceu após cerca de 15 minutos. O exame neurológico foi normal.
Qual o seu diagnóstico?- A)
Síndrome de Frey.
- B)
Quinta doença da infância.
- C)
Síndrome de alergia oral.
- D)
Síndrome de ativação de mastócitos.
A história clínica e o teste de provocação são compatíveis com a síndrome de Frey.
A síndrome de Frey é uma disfunção do nervo auriculotemporal parassimpático, caracterizada por rubor transitório, calor localizado e, às vezes, sudorese da face no território do nervo auriculotemporal, um ramo do nervo mandibular do complexo do nervo trigêmeo. Os sintomas ocorrem classicamente em resposta a estímulos olfativos ou gustativos, particularmente com alimentos ácidos, condimentados e azedos.1,2
Em adultos, é uma complicação frequente da cirurgia de parótida, mas é muito rara em crianças. Como tal, especialmente em casos bilaterais, é muitas vezes diagnosticada erroneamente como alergia alimentar, levando a testes diagnósticos e tratamentos desnecessários. Uma revisão recente mostrou que o diagnóstico foi realizado em apenas 20% das crianças na primeira consulta, e restrição alimentar inadequada foi prescrita em 21%.3
Em crianças, a maioria (cerca de 70%) dos casos relatados é unilateral, enquanto a sudorese associada é rara (presente em cerca de 10%, em contraste com os casos em adultos, nas quais está frequentemente presente).3 A fisiopatologia é compreendida de maneira incompleta. A hipótese predominante nas formas unilaterais é uma lesão traumática das fibras nervosas, seguida de regeneração aberrante das fibras parassimpáticas cutâneas, talvez por meio de ganhos simpáticos. Esse trauma pode ser neonatal, em parto instrumentado com fórceps ou ventosa, ou pós‐natal.4 As formas bilaterais parecem ser idiopáticas, mas uma síndrome familiar bilateral já foi descrita.5
O desfecho é geralmente favorável em casos unilaterais, com regressão em cerca de 57% dos casos, com média de idade de 27 meses.3 Nenhum exame ou tratamento adicional é recomendado.
Os autores relatam a presença de síndrome de Frey clássica na infância, após parto assistido por fórceps e com ausência de hiperidrose. A mãe foi tranquilizada e nenhum tratamento específico foi realizado. Em contraste com a forma pós‐cirúrgica do adulto, a síndrome de Frey em crianças é rara e muitas vezes constitui desafio diagnóstico. Com o presente caso, os autores pretendem aumentar a familiaridade dessa condição benigna, para evitar erros de diagnóstico e procedimentos desnecessários.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresConcepção do estudo, Palmeiro AG. e Amaro C; metodologia, Palmeiro AG; Validação, Amaro C, Azurara L e Pimentel B; análise formal, Amaro C, Azurara e Pimentel B; investigação, Palmeiro AG, Amaro C; recursos, Palmeiro AG.; curadoria de dados, Palmeiro AG; redação do projeto original, Palmeiro AG; redação‐revisão e edição, Amaro C, Azurara L e Pimentel B; visualização, Amaro C, Azurara L e Pimentel B; supervisão, Amaro C; Todos os autores leram e concordaram com a versão publicada do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.