Os corticosteroides tópicos (CT) são a base do tratamento nas crises de dermatite atópica (DA). Os medos e as preocupações em relação aos CT são conhecidos como corticofobia. A corticofobia é comum em pacientes com DA e pode levar à aplicação sub‐ótima de CT e à falha do tratamento. A educação em saúde (ES) pode influenciar a corticofobia. Os questionários TOPICOP© e HLS‐EU‐PT foram desenvolvidos para avaliar corticofobia e ES, respectivamente.
ObjetivoAvaliar a relação entre corticofobia e o grau de ES em pacientes com DA.
MétodosEstudo transversal prospectivo em pacientes com DA acompanhados em um Serviço de Dermatologia, entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020. Os pacientes, ou seus pais (se os pacientes tivessem ≤ 15 anos), foram convidados a responder os questionários TOPICOP©, HLS‐EU‐PT e um questionário sobre as características da doença e dados demográficos.
ResultadosForam incluídos 61 pacientes (59,0% do sexo feminino, média de idade de 20±13,8 anos, duração média da doença de 12,5±11,4 anos). O escore médio do TOPICOP© foi de 44,8±20,0 (8,3 a 88,9) e o escore médio do HLS‐EU‐PT foi de 30,5±8,5 (1,0 a 47,9). O escore do TOPICOP© correlacionou‐se negativamente com o escore do HLS‐EU‐PT (p=0,002, r=−0,382, r2=0,146). Não houve diferença estatística entre o escore do TOPICOP© e as características da doença (gravidade da doença, história familiar de DA, história pessoal de outras doenças atópicas).
Limitações do estudoCoorte pequena e heterogênea composta por pacientes e pais de pacientes.
ConclusãoO grau de corticofobia é similar aos valores relatados em outros estudos. A ES mostrou uma correlação inversa com a corticofobia. A ES mais baixa mostrou ser um preditor de maior corticofobia. A promoção da educação em saúde é essencial para o uso correto de CT e, portanto, o controle ideal da DA.
A dermatite atópica (DA) é doença inflamatória cutânea crônica com recidiva e impacto significativo na qualidade de vida.1 Globalmente, sua prevalência está aumentando, afetando até 20% das crianças e 10% dos adultos.2–5 As terapias anti‐inflamatórias tópicas são o primeiro passo no tratamento das crises de DA.6,7 Corticosteroides tópicos (CT) são a base do tratamento na maioria dos pacientes com DA, e muitas vezes requerem tratamento a longo prazo com CT por muitos anos. Baixa adesão ao tratamento é comum na DA e pode levar à falha do tratamento.8–10 A resistência à CT pode ser parcialmente decorrente da não adesão em razão da fobia a CT.11 A fobia a CT, também conhecida como corticofobia, define os sentimentos e crenças negativas relacionadas a CT vivenciadas por pacientes e seus cuidadores. A prevalência de corticofobia na DA varia de 21% a 84%.12 Educação em saúde (ES) é o termo utilizado para descrever as capacidades das pessoas em atender às complexas demandas relacionadas à saúde na sociedade moderna. Ela resulta das atividades de educação e comunicação em saúde e determina a capacidade individual de ter acesso a, compreender e utilizar a informação para promover e manter uma boa saúde.13,14 O presente estudo propôs avaliar o efeito da ES na corticofobia.
MétodosPacientes e local do estudoRealizou‐se um estudo transversal prospectivo no Serviço de Dermatologia de um Hospital de nível dois, entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020. Foram incluídos pacientes com dermatite atópica, com pelo menos duas consultas de Dermatologia. Foram definidos dois grupos de acordo com a idade do paciente: ≤ 15 anos e >15 anos.
QuestionáriosOs pais dos pacientes com ≤ 15 anos e os pacientes com> 15 anos foram convidados a responder a três questionários: TOPICOP©, HLS‐EU‐PT e um questionário de caracterização da doença e de dados demográficos.
O questionário TOPICOP© é uma escala validada para a avaliação de fobia a CT em pacientes com DA e em seus pais.15 A viabilidade e a compreensão do escore no TOPICOP© foram abordadas em diferentes países.16 A versão original está em inglês, mas as versões em português e em outros idiomas estão disponíveis em http://www.edudermatologie.com. O questionário é composto por 12 itens, que abrangem “preocupações” (6 itens) e “crenças” (6 itens). São oferecidas quatro opções de resposta, que variam de “discordo totalmente” a “concordo totalmente”, com pontos atribuídos a cada uma (0, 1, 2 ou 3).15
O questionário European Health Literacy Survey (HLS‐EU) é uma ferramenta validada para medir a ES da população geral, também validada na língua portuguesa (HLS‐EU‐PT).14,17 O HLS‐EU‐PT inclui 47 questões, que integram três domínios de saúde diferentes: cuidados de saúde, prevenção de doenças e promoção da saúde.14,18 Para cada item, os pacientes classificam a dificuldade percebida de determinada tarefa em uma escala Likert de quatro categorias de resposta (muito fácil, fácil, difícil e muito difícil).18
Um terceiro questionário foi aplicado para fornecer dados clínicos adicionais. Isso incluiu informações demográficas como sexo, idade, trabalhar na área da saúde e características da doença, como duração da doença, história familiar de DA, história pessoal de asma e/ou rinite alérgica e tratamentos anteriores de DA.
Análise estatísticaO escore no TOPICOP© foi calculado como 100% vezes a soma de todas as respostas divididas pela soma máxima possível para as perguntas incluídas, com um escore resultante de 0 a 100% de fobia a CT.15 O escore pode ser ainda categorizado como baixo (≤ 23), intermediário (24‐50) e alto (> 50).19 Para o HLS‐EU‐PT, um escore de item baseado na média foi calculado para cada paciente com pelo menos 80% de respostas. O escore do índice foi transformado em uma métrica unificada de 0 a 50 usando a seguinte fórmula: (média–1)×50÷3. O escore final é inserido em um dos quatro níveis de ES: “inadequado” (0‐25), “problemático” (> 25‐33), “suficiente” (> 33‐42) e “excelente” (> 42‐50).18 Os resultados são expressos em porcentagens ou médias±desvio‐padrão, e as análises estatísticas foram realizadas no software SPSS versão 22 (SPSS Inc., IBM‐SPSS, Chicago, IL). As variáveis foram testadas quanto à normalidade com o teste de Kolmogorov‐Smirnov. Para a análise univariada, as relações entre o escore do TOPICOP© e a covariável foram avaliadas por meio do teste de correlação de Pearson. Quando necessário, o teste t de Student foi utilizado. O teste de correlação de Pearson e a regressão linear univariada foram utilizados para medir o efeito da ES (fornecida pelo escore no questionário HLS‐EU‐PT) na fobia a CT (medida pelo questionário TOPICOP©).
Os dados ausentes não foram substituídos. A significância estatística foi fixada em p<0,05.
ÉticaEste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica em Pesquisa do Hospital. Foram tomadas medidas para manter a privacidade dos pacientes, processando anonimamente os questionários.
ResultadosAs características dos pacientes são mostradas na tabela 1. Foram incluídos 61 pacientes, 36 (59,0%) do sexo feminino, com média de idade de 20±13,8 anos. Havia 25 pacientes (41,0%) ≤ 15 anos e 37 (60,7%)> 15 anos. Dez (16,4%) dos respondentes trabalhavam na área da saúde. A duração média da DA era de 12,5±11,4 anos. Outras doenças atópicas (asma e/ou rinite alérgica) estavam presentes em 35 pacientes (57,4%), e 31 (50,8%) tinham história familiar de DA. A maioria dos pacientes tinha doença de baixo grau (38 pacientes, 62,3%). Cinquenta e nove pacientes (96,7%) confirmaram o tratamento com CT. A distribuição de outros tratamentos na DA está descrita na tabela 1.
Caracterização da população
Caracterização da população | n (%) | Média±DP(mín–máx) |
---|---|---|
Idade, anos | 20,0±13,8 (1–49) | |
≤ 15 anos | 25 (41,0) | |
> 15 anos | 36 (59,0) | |
Sexo | ||
Feminino | 35 (57,4) | |
Masculino | 26 (42,6) | |
Duração da doença, anos | 12,5±11,4 (0–47,0) | |
Profissional da Saúde | ||
Sim | 10 (16,4) | |
Não | 51 (83,6) | |
História familiar de DA | ||
Sim | 31 (50,8) | |
Não | 30 (49,2) | |
História pessoal de asma e/ou rinite alérgica | ||
Sim | 35 (57,4) | |
Não | 26 (42,6) | |
Gravidade da DA | ||
Leve | 38 (62,3) | |
Moderada a grave | 23 (37,7) | |
Tratamentos atuais e/ou anteriores | ||
Hidratante | 59 (96,7) | |
Corticosteroide tópico | 59 (96,7) | |
Inibidor tópico da calcineurina | 21 (34,4) | |
Corticosteroides sistêmicos | 16 (26,2) | |
Ciclosporina | 14 (23,0) | |
Metotrexato | 6 (9,8) | |
Fototerapia | 5 (8,2) | |
Dupilumabe | 2 (3,3) | |
TOPICOP© | 44,8±20,0 (8,3–88,9) | |
Baixo (n, %) | 9 (14,8) | |
Moderado (n, %) | 31 (50,8) | |
Alto (n, %) | 21 (34,4) | |
Média do HLS‐EU‐PT | 30,5±8,5 (1,1–47,9) | |
Inadequado (n, %) | 13 (21,3) | |
Problemático (n, %) | 26 (42,6) | |
Suficiente (n, %) | 16 (26,2) | |
Excelente (n, %) | 6 (9,8) |
Os níveis de TOPICOP© variaram de 8,3 a 88,9, com escore médio de 44,8±20,0, o que indica nível moderado de fobia a CT. Nove pacientes (14,8%) apresentaram escore baixo no TOPICOP©, 31 (50,8%) escore intermediário e 21 (34,4%) escore alto.
O escore no questionário HLS‐EU‐PT variou de 1,1 a 47,9, com escore médio de 30,5±8,5, considerado nível de ES problemático. ES inadequada estava presente em 13 (21,3%), ES problemática em 26 (42,6%), ES suficiente em 16 (26,2%) e excelente em 6 (9,8%).
Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa para o escore TOPICOP© entre os respondedores que eram cuidadores (pacientes ≤ 15 anos) e os respondedores que eram pacientes (> 15 anos; p=0,189). Da mesma maneira, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa para os escores do TOPICOP© entre profissionais da área da saúde e de outras áreas, história familiar de DA, história pessoal de outras doenças atópicas e gravidade da doença (tabela 2). O escore no TOPICOP© mostrou estar negativamente correlacionado com o escore do HLS‐EU‐PT (p=0,002; r=−0,382; r2=0,146), com níveis mais altos de TOPICOP© mostrando estar associados a escores mais baixos no HLS‐EU‐PT (tabela 3).
Variação do TOPICOP© entre os grupos
Variáveis | TOPICOP (média±DP) | p‐valor |
---|---|---|
Idade | ||
≤ 15 anos | 40,8±20,8 | 0,189 |
> 15 anos | 47,6±19,1 | |
Profissional da saúde | ||
Sim | 34,5±15,3 | 0,073 |
Não | 46,9±20,2 | |
História familiar de DA | ||
Sim | 46,2±22,4 | 0,583 |
Não | 43,4±17,2 | |
História pessoal de asma e/ou rinite alérgica | ||
Sim | 42,9±20,8 | 0,379 |
Não | 47,5±18,8 | |
Gravidade da doença | ||
Leve | 41,6±19,2 | 0,099 |
Moderada a Grave | 50,2±20,3 |
Os CT são o tratamento anti‐inflamatório de primeira linha na DA.6 A corticofobia pode prejudicar o regime de tratamento adequado, induzindo doença não controlada, com impacto negativo na qualidade de vida. A quantidade certa de CT a ser utilizada e a frequência de aplicações são algumas das preocupações que devem ser abordadas com esses pacientes.20 O medo dos efeitos colaterais dos CT pode ser uma grande preocupação em pacientes com DA e seus cuidadores, e está frequentemente associado à resistência ao uso de CT.9,20,21 Atrofia cutânea, púrpura, telangiectasias, estrias, dermatite perioral e acne são alguns dos eventos adversos que podem ocorrer com administração prolongada e inadequada de CT.22 A absorção percutânea aumentada pode ser responsável por efeitos adversos sistêmicos, como supressão do eixo hipotálamo‐hipófise‐adrenal e glaucoma, mas o risco parece ser baixo.23,24 Em geral, o tratamento em longo prazo com CT é considerado seguro tanto em adultos como em crianças.23,25–27
Atualmente, o acesso às informações médicas está disponível nos meios de comunicação, como jornais, revistas e internet. No entanto, muitas dessas informações não são produzidas por profissionais de saúde e podem induzir erroneamente o paciente ao subtratamento com CT. De fato, estudo coreano mostrou que a internet (49,2%), a televisão ou outros meios de transmissão (45,2%), médicos/profissionais da saúde (37,3%) e revistas/jornais eram fontes de informação associadas à fobia a esteroides.28 Os pacientes podem ter dificuldades em selecionar informações médicas corretas e confiáveis.
O TOPICOP© é atualmente o único escore validado para avaliar a fobia a CT.16 No presente estudo, o questionário TOPICOP© mostrou nível médio de 44,8% na população avaliada, o que indica nível moderado de fobia a CT. Outros grupos relataram níveis semelhantes de corticofobia.16,19,29 Stalder et al. relataram escore médio global no TOPICOP© de 44,7% em um estudo multicêntrico prospectivo realizado com 1.796 participantes de 17 países.16 Em estudo menor, Bos et al. encontraram escore TOPICOP© de 44% em um grupo de 29 pais de pacientes com DA na Holanda.29 Estudo francês realizado por Dufresne et al. com 191 pais encontrou escore TOPICOP© de 39,8%, um pouco menor do que os outros estudos, mas esses pais participaram de um programa de educação terapêutica, o que pode ter sido responsável pelos melhores resultados.19
O principal objetivo do presente estudo foi avaliar a associação entre fobia a CT e ES. O índice geral de ES relatado para Portugal foi de 33,0, onde 11% demonstraram escore de ES “inadequado”, e 38% tinham escore “problemático”.30 O presente estudo mostrou escore médio no HLS‐EU‐PT de 30,5±8,5 e 63,9% apresentaram níveis mais baixos (“inadequado” e “problemático”). Curiosamente, correlação negativa significativa foi encontrada entre o escore TOPICOP© e o escore do HLS‐EU‐PT. Além disso, menor ES foi preditora de maior corticofobia. Isso reforça a importância da ES na assistência à saúde. Os resultados do presente estudo contrastam com os achados de Dufresne et al., nos quais o escore de educação em saúde foi associado de maneira significativa à maior fobia a CT.19 A maioria dos pais corticofóbicos em seu estudo tinha acesso direto a recursos científicos e online, e o escore TOPICOP© mais alto foi associado a anos completos após a graduação. Entretanto, esses autores apresentaram um grupo mais homogêneo, ao incluir apenas pais de crianças com DA (< 18 anos). A inclusão de um grupo de pais de pacientes mais jovens e um grupo de pacientes mais velhos pode ser uma limitação do presente estudo, já que torna a coorte mais heterogênea e pode impactar na análise geral do grupo. Outra limitação foi o pequeno número de pacientes em cada grupo. Estudos futuros com coortes maiores e mais homogêneas devem ser realizados para confirmar os achados do presente estudo.
Os médicos devem desenvolver técnicas de ensino para educar adequadamente seus pacientes sobre a doença e o tratamento recomendado.11 Entretanto, a fobia a CT também está presente entre os profissionais de saúde e pode afetar a perspectiva dos pacientes (ou seus cuidadores) sobre o uso e a adesão ao tratamento com CT.29,31 A educação desses profissionais pode melhorar a adesão dos pacientes ao tratamento. Foi demonstrado que ter confiança no médico está associado de maneira significativa ao fato de tomar a medicação como indicado.9 A educação da equipe da farmácia para fornecer aconselhamento ao paciente também se mostrou eficaz na redução da fobia a CT.32 Os médicos devem fornecer instruções detalhadas por escrito dos tratamentos com CT e responder a quaisquer preocupações que os pacientes e cuidadores possam ter.
A promoção da ES deve ser prioridade na saúde pública. A melhora das competências críticas individuais e sociais relativas à saúde irá maximizar o comprometimento com comportamentos saudáveis.
ConclusãoA corticofobia é obstáculo para um regime terapêutico adequado em doenças cutâneas como a DA. A facilidade de acesso a informações sobre CT e seus efeitos colaterais podem, paradoxalmente, contribuir para o medo e a preocupação relacionados a eles. Os pacientes precisam ser capazes de selecionar e filtrar o conteúdo confiável. A ES é responsável pela capacidade e escolha crítica em comportamentos de saúde. O presente estudo sugere que maior ES está associada a menor fobia a CT, mas são necessários mais estudos para esclarecer essa associação. Que seja de conhecimento dos autores, este estudo fornece a primeira avaliação da fobia a CT em Portugal.
Suporte financeiroNenhum
Contribuição dos autoresTiago Fernandes Gomes: Participação efetiva na orientação da pesquisa; obtenção, análise e interpretação dos dados; análise estatística; revisão crítica da literatura; elaboração e redação do manuscrito.
Katarina Kieselova: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Victoria Guiote: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.
Martinha Henrique: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Felicidade Santiago: Concepção e planejamento do estudo; aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; análise estatística; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.