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Disponível online em 14 de março de 2025
Primeiro caso de Trichophyton indotineae no Brasil: critérios clínicos, micológicos e identificação genética de resistência à terbinafina
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John Verrinder Veaseya,b,
Autor para correspondência
johnvveasey@gmail.com

Autor para correspondência.
, Renata Diniz Jacques Gonçalvesc, Guilherme Camargo Julio Valinotob, Gustavo de Sá Menezes Carvalhob, Giovanna Azevedo Celestrinod, Ana Paula Carvalho Reisd, Ana Paula Cordeiro Limae, Antonio Charlys da Costaf, Marcia de Souza Carvalho Melhemd, Gil Benardd, Maria Gloria Teixeira Sousad
a Clínica de Dermatologia, Hospital da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
b Disciplina de Dermatologia, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
c Clínica Privada, Piracicaba, Brasil
d Laboratório de Micologia Médica, Divisão de Dermatologia Clínica, Instituto de Medicina Tropical, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
e Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
f Laboratório de Virologia, Instituto de Medicina Tropical, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Recebido 29 Novembro 2024. Aceite 15 Janeiro 2025
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Prezado Editor,

Os dermatófitos resistentes à terbinafina são atualmente um problema de saúde global, particularmente Trichophyton indotineae. A terbinafina, potente antifúngico no combate aos dermatófitos, inibe a enzima esqualeno epoxidase (SQLE), restringindo o crescimento fúngico ao interferir na biossíntese do ergosterol; mutações pontuais nos genes SQLE são a principal causa de resistência aos antifúngicos.1Trichophyton indotineae, anteriormente denominado T. mentagrophytes variedade VIII, apresenta frequentemente mutações no gene SQLE.2,3 Apresentamos o primeiro relato de paciente diagnosticado no Brasil com dermatofitose causada por T. indotineae resistente à terbinafina.

Paciente do sexo masculino, de 40 anos, sem comorbidades, natural do Brasil e proveniente de Londres, relatou lesões eritemato‐descamativas pruriginosas nos membros inferiores e glúteos iniciadas em janeiro de 2024 (fig. 1). O paciente relatou viagens curtas e frequentes durante o segundo semestre de 2023 para Áustria, Eslováquia, Hungria e Polônia em agosto, e para Escócia e Turquia em novembro e dezembro. Ele procurou atendimento dermatológico em Piracicaba (SP, Brasil), onde foram observados, ao exame micológico direto, presença de hifas septadas hialinas, e na cultura utilizando‐se Agar Sabouraud e Mycosel®, crescimento de T. mentagrophytes. O paciente foi diagnosticado com quadro de dermatofitose; terbinafina foi prescrita na dose de 500mg/dia por 14 dias, em março de 2024.

Figura 1.

Aspecto clínico das lesões de dermatofitose causada por Trichophyton indotineae acometendo região posterior de membros inferiores.

(0.58MB).

Embora sem melhora clínica, o paciente retornou a Londres; em maio de 2024, retornou mantendo as lesões nas mesmas localizações (fig. 2). Nessa oportunidade, prescreveu‐se itraconazol 200mg/dia por 14 dias, com remissão clínica completa. No entanto, evoluiu com recaída após a descontinuação do tratamento, quando foi prescrito fluconazol 150mg/dia por sete dias, que se mostrou ineficaz. Com novo ciclo de tratamento com itraconazol na mesma posologia, o paciente evoluiu com o mesmo resultado: boa resposta inicial seguida de recaída quatro dias após a descontinuação do tratamento. Realizou‐se coleta de raspado cutâneo para nova análise micológica, e tratamento com itraconazol foi prescrito novamente. Houve melhora do quadro, e o paciente retornou à Inglaterra, perdendo mais uma vez o seguimento dermatológico.

Figura 2.

Aspecto clínico da recidiva da dermatofitose causada por Trichophyton indotineae acometendo face anterior da coxa direita.

(0.3MB).

Nesse cenário de dermatofitose disseminada refratária à terbinafina, mas suscetível ao itraconazol, evidência microbiológica sugestiva do complexo de espécies T. mentagrophytes/T. interdigitale, e histórico de viagens internacionais frequentes, fortemente sugeriu‐se tratar de um caso de T. indotineae. Com o material da segunda coleta foi confirmada essa suspeita, identificado o isolado como T. indotineae resistente a terbinafina e fluconazol pela análise dos exames micológicos (fig. 3) associados ao sequenciamento de DNA da região do espaçador transcrito interno (ITS) do DNA ribossômico. O gene SQLE também foi amplificado e sequenciado usando os primers descritos.4 As sequências foram depositadas no GenBank sob o número de acesso PQ634380 (T. indotineae) PQ655447 (SQLE). As sequências empregadas são mostradas na figura 4. Além disso, o teste de suscetibilidade antifúngica para terbinafina, fluconazol e itraconazol foi realizado pelo método de referência de microdiluição em caldo in vitro descrito pelo EUCAST (E.DEF 9.4).

Figura 3.

Exames micológicos de Trichophyton indotineae. (A) Exame microscópico direto (com 10% de KOH) em microscopia de luz (400×) evidenciando hifas septadas hialinas ramificadas e artroconídios. (B) Macromorfologia de cultura de fungos em meio Sabouraud de anverso branco aveludado e reverso com pigmento amarelo claro. (C) Micromorfologia em microscopia de luz (400×), corada com azul de lactofenol, evidenciando presença de numerosos microconídios piriformes e clavados e macroconídios septados em forma de fuso.

(0.39MB).
Figura 4.

Alinhamento do gene SQLE sob alinhamento de múltiplas sequências CLUSTAL no BioEdit. As sequências de aminoácidos de SQLE do isolado T. indotineae IMT‐1778 (MGS) foram comparadas com a sequência de referência da cepa T. mentagrophytes TIMM2789 (GenBank acc. n° KU242352.) e do isolado T. interdigitale DK‐Tinterdig‐WT (GenBank acc. n° OM313312.1), bem como sequências SQLE de cepas T. indotineae resistentes à terbinafina (GenBank acc. n° MW187976, MW187980, MW187981, MW187987, MW187998, MW188000, MW188003, MW188016, MW188020, MW188025, ON863900, ON863899, OQ054983 e OQ054984). As substituições de aminoácidos que foram consideradas diferentes no isolado IMT‐1778‐MGS são apresentadas, e suas posições são mostradas em caixas vermelhas.

(0.5MB).

O isolado pesquisado é resistente à terbinafina e fluconazol, com valores de concentração inibitória mínima (CIM) de ≥ 16μg/mL (valor limite superior) e 8μg/mL, respectivamente; e suscetível ao itraconazol (valor CIM de 0,064μg/mL). Os resultados do sequenciamento revelaram duas mutações de resistência à terbinafina (Phe397Leu e Thr414His).

Na última década, T. indotineae causou grandes surtos de infecções graves e difíceis de tratar por todo o mundo. As lesões podem ser atípicas com múltiplas morfologias, incluindo placas concêntricas eritematosas, escamosas, papuloescamosas e pustulosas, além de quadros modificados por uso de corticoides tópicos.5

Casos de T. indotineae resistentes à terbinafina descritos são frequentemente introduzidos por imigrantes de países endêmicos.5,6 A alta taxa de transmissão inter‐humana é um forte contribuinte para sua disseminação; casos familiares representam cerca de 50% dos pacientes, e o compartilhamento de fômites é um denominador comum.5–8 No entanto, poucos casos foram relatados até o momento, principalmente em virtude de identificação incorreta e subnotificação.6 Esse pode ser o cenário no Brasil, onde a dermatofitose resistente à terbinafina pode estar sendo negligenciada, visto que a identificação etiológica de dermatófitos permanece desafiadora, pois o sequenciamento de DNA não é usado rotineiramente no diagnóstico de micoses superficiais.

O surgimento de T. indotineae resistente à terbinafina é notável considerando sua frequência de até 75% em comparação com 44% para T. rubrum.9,10 Esse fenômeno pode estar ligado a uso inadequado de antibióticos, antifúngicos e corticosteroides, mudanças climáticas e uso indiscriminado de pesticidas e o retorno de movimentos migratórios intensos vistos após a pandemia de COVID‐19.7,8

Apresentamos o primeiro relato de dermatofitose causada por T. indotineae no Brasil, com a evolução típica de resistência terapêutica a diversos antifúngicos e resistência à terbinafina associada a mutações do gene SQLE. As caracterizações fenotípica e genotípica foram essenciais para o diagnóstico e escolha terapêutica adequados, mas a resistência à terbinafina dificulta as opções de tratamento e ressalta a necessidade de melhor vigilância, estratégias de prevenção e abordagens terapêuticas alternativas.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

John Verrinder Veasey: Concepção e o desenho do estudo; Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; Revisão crítica da literatura; Aprovação final da versão final do manuscrito.

Renata Diniz Jacques Gonçalves: Obtenção, análise e interpretação dos dados; Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; Aprovação final da versão final do manuscrito.

Guilherme Camargo Julio Valinoto: Aprovação final da versão final do manuscrito; Revisão crítica da literatura.

Gustavo de Sá Menezes Carvalho: Aprovação final da versão final do manuscrito; Revisão crítica da literatura.

Giovanna Azevedo Celestrino: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura.

Ana Paula Carvalho Reis: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura.

Ana Paula Cordeiro Lima: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura.

Antonio Charlys da Costa: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura.

Marcia de Souza Carvalho Melhem: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura.

Gil Benard: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura.

Maria Gloria Teixeira Sousa: Concepção e o desenho do estudo; Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Revisão crítica da literatura; Aprovação final da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Mycoses., 63 (2020), pp. 717-728

Como citar este artigo: Veasey JV, Gonçalves RDJ, Valinoto GCJ, Carvalho GSM, Celestrino GA, Reis APC, et al. First case of Trichophyton indotineae in Brazil: clinical and mycological criteria and genetic identification of terbinafine resistance. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2025.01.001

Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia, Hospital da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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