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Cartas ‐ Tropical/Infectoparasitária
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Disponível online em 24 de janeiro de 2025
Meta‐hemoglobinemia induzida pela dapsona em criança com hanseníase
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John Verrinder Veaseya,b, Bruna Cavaleiro de Macedo Souzaa,&#¿;
Autor para correspondência
dr.brunamacedo@gmail.com

Autor para correspondência.
, Guilherme Camargo Julio Valinotoa,b
a Clínica de Dermatologia, Hospital da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
b Disciplina de Dermatologia, Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Recebido 08 Março 2024. Aceite 13 Maio 2024
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Prezado Editor,

A meta‐hemoglobinemia pode resultar de processos herdados ou adquiridos.1,2 As formas adquiridas são as mais comuns, principalmente em virtude da exposição a substâncias que provocam a oxidação da hemoglobina direta ou indiretamente, como o caso da dapsona.1 O diagnóstico deve ser suspeitado em caso de cianose e hipoxemia inexplicáveis.2 Apresentamos uma paciente diagnosticada com hanseníase multibacilar que evoluiu com meta‐hemoglobinemia pelo uso da poliquimioterapia (PQT) para tratamento da sua infecção.

Paciente do sexo feminino, de 11 anos, 31kg, procedente do estado do Maranhão e residente da cidade de São Paulo há três anos, com antecedente familiar de tio e prima tratados para hanseníase no estado de origem. A paciente referia alterações de sensibilidade nos dedos e queimadura em mão esquerda, associado a surgimento de máculas hipocrômicas disseminadas em tronco (fig. 1). Foi realizado o teste da histamina em uma das lesões do dorso, que apresentou resposta incompleta da reação com ausência da segunda etapa do tríplice reação de Lewis (fig. 2), e biopsia cutânea que evidenciou dermatose histiocitária superficial e profunda com agressão neural e presença de bacilo álcool‐ácido resistente pelo método de Ziehl‐Neelsen, concluindo, portanto, o diagnóstico de hanseníase multibacilar. Foram coletados exames laboratoriais incluindo G6PD, sem alterações relevantes, e iniciado o tratamento com PQT infantil (dose mensal supervisionada: rifampicina 450mg, clofazimina 150mg e dapsona 50mg; dose autoadministrada diariamente: clofazimina 50mg e clofazimina 50mg) para tratamento de hanseníase multibacilar.

Figura 1.

Aspecto clínico do diagnóstico de hanseníase, com múltiplas máculas hipocrômicas distribuídas em tronco anterior e posterior.

(0.36MB).
Figura 2.

Teste de histamina em paciente com hanseníase. (A) Gota de histamina aplicada sobre lesão hipocrômica e sobre pele sã, em seguida realizadas puncturas pela histamina. (B) Presença de eritema reflexo em pele sã, não evidenciada na lesão de hanseníase. (C) Detalhe com pápula eritematosa em ambas puncturas, e eritema reflexo apenas na pele sã.

(0.33MB).

Logo que completou a terceira cartela de PQT, a paciente apresentou dispneia, fadiga e cianose central (fig. 3), buscando auxílio médico. Realizada investigação imediata, a paciente apresentava saturação periférica em ar ambiente de 88% com saturação de O2 em gasometria arterial de 100% e dosagem sérica de meta‐hemoglobina (MetHb) de 3,8% (referência: <2%). Com o diagnóstico confirmado de meta‐hemoglobinemia leve secundária à dapsona da PQT, permaneceu em observação com oxigenação em cateter e hidratação, revertendo o quadro em 24 horas. Substituída a dapsona por minociclina, a paciente segue em acompanhamento regular no serviço de saúde, tendo completado nove cartelas até o momento.

Figura 3.

Paciente pré‐tratamento (A e C) e no dia do diagnóstico da meta‐hemoglobinemia (B e D) apresentando cianose central e de extremidades, associado a queixa de dispneia e fadiga.

(0.46MB).

A ocorrência de casos de hanseníase em menores de 15 anos indica focos de transmissão ativa, importante sinalizador para o monitoramento da endemia.3,4 De 2012 a 2021, foram diagnosticados no Brasil 17.442 casos novos de hanseníase em menores de 15 anos, com redução de 64% na taxa de detecção de casos novos no período.5 Apesar das variações nas formas clínicas, dados de 2020 do Ministério da Saúde do Brasil revelam que 78,2% dos casos pediátricos são classificados como multibacilares, aumentando a propensão a reações, complicações e sequelas.5

O diagnóstico da hanseníase baseia‐se no aspecto clínico e é complementado por métodos propedêuticos de avaliação de sensibilidade, baciloscopia e biopsia cutânea.3,4 O uso do teste da histamina é de alta relevância em casos pediátricos, em que o paciente pode não compreender adequadamente a análise propedêutica neuro‐sensitiva, resultando em exames inconclusivos.6 A ausência do eritema reflexo na lesão suspeita de hanseníase demonstra o dano das terminações nervosas na vasodilatação cutânea, evidenciando o dano das fibras pelo bacilo. Além de fornecer uma comprovação da suspeita clínica, é de baixíssima morbidade quando comparado a outros procedimentos como realização de baciloscopia e biopsia cutânea.6 O caso apresentado ilustra claramente as vantagens desse exame.

O tratamento de primeira linha da hanseníase multibacilar é realizado com a PQT composta de rifampicina, dapsona e clofazimina ao longo de 12 meses.7 Exige acompanhamento próximo para ajuste de doses e identificação de potenciais efeitos colaterais – entre eles, a meta‐hemoglobinemia decorrente do uso de dapsona, o fármaco mais frequentemente associado a essa complicação.1,8

A meta‐hemoglobinemia é doença rara associada à oxidação do íon ferroso (Fe2+) da hemoglobina em férrico (Fe3+), convertendo‐a em MetHb, mais ávida pelo oxigênio e incapaz de transferi‐lo aos tecidos.2 A gravidade da doença depende da percentagem de MetHb, da taxa de aumento dos níveis de MetHb, da capacidade intrínseca do paciente para eliminá‐la e do estado funcional subjacente do paciente.2,8 A suspeita clínica surge nos pacientes com cianose e hipoxemia de etiologia incerta associada a uma diferença de saturação entre o oxigênio medido por oximetria de pulso e gasometria arterial.1,2,7 O caso apresentado ilustra claramente essa condição, confirmada com a dosagem de MetHb levemente acima do valor de referência. O controle dos quadros leves é realizado com cuidados de suporte e suspensão do medicamento relacionado, enquanto o azul de metileno e a vitamina C são indicados para as formas moderadas a graves.8–10

Para terapia substitutiva de pacientes que apresentam reação à dapsona da PQT, indica‐se uso de minociclina ou ofloxacina.7 Pelo fato de a paciente ser de idade pediátrica, optou‐se pela minociclina, uma vez que as quinolonas são relacionadas ao fechamento precoce das placas metafisárias, interrompendo precocemente o crescimento da paciente.6

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Bruna Cavaleiro de Macedo Souza: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

John Verrinder Veasey: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Guilherme Camargo Julio Valinoto: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Referências
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Como citar este artigo: Veasey JV, Souza BCM, Valinoto GCJ. Dapsone‐induced methemoglobinemia in a child with leprosy. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2024.05.006

Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia, Hospital da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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