Paciente de 18 anos, feminina, com diagnóstico prévio de síndrome de Parry‐Romberg (SPR) desde a infância, foi encaminhada à clínica para correção de assimetria facial. A paciente estava em uso de metotrexato 15mg/semana, sem evidência de progressão da doença nos últimos anos. Ela havia sido submetida a enxerto de gordura autóloga com resultados efêmeros e insatisfatórios.
Ao exame dermatológico, a paciente apresentava sinais de atrofia cutânea e muscular no lado direito da face, resultando em assimetria na altura das sobrancelhas, e atrofia nas regiões zigomática, subocular, mandibular e mentoniana direitas. Na região subocular direita, a atrofia cutânea se manifestou como hipopigmentação e exposição da rede vascular dérmica (fig. 1A).
(A) Linha de base em abril de 2021 mostrando atrofia da pele e dos planos profundos da hemiface direita em paciente com síndrome de Parry‐Romberg. (B) A paciente após o último tratamento de preenchimento em fevereiro de 2024, mostrando simetria facial melhorada, especialmente na região zigomática, sulco lacrimal e mento. Entre a primeira e a última foto, foram realizados 12 tratamentos com volume médio de 2mL por sessão, a cada 60 dias. A região do sulco lacrimal foi tratada com cânula romba 25G usando Restylane Lidocaína profundamente; a região zigomática e o mento foram tratados tanto supraperiostealmente (com agulha 27G usando Restylane Lyft) quanto na região subcutânea profunda (com cânula romba 22G usando Restylane Defyne).
Para simetrização facial, foi escolhido o preenchimento com ácido hialurônico (AH) – Restylane®, Galderma Laboratoires, Uppsala.
Desde o primeiro tratamento em abril de 2021, no qual 6,6mL de AH foram injetados, até fevereiro de 2024, a paciente retornou para 12 sessões adicionais. O tempo entre os tratamentos variou de 46 a 153 dias (mediana de 60 dias), e o volume de AH por sessão variou entre 0,75 e 3mL (mediana de 2mL). Todos os tratamentos foram guiados por ultrassom.
As injeções de AH foram administradas apenas na hemiface afetada. As regiões tratadas incluíram as áreas zigomáticas lateral e medial, sulco lacrimal e mento. Os detalhes do tratamento são descritos na figura 1B.
Em duas sessões, foi necessário injetar hialuronidase na área do mento para corrigir irregularidades causadas pela migração do AH.
Durante o tratamento na área do mento, foram observados sinais de isquemia local (fig. 2). No entanto, a paciente relatou que essa mesma região exibia periódica e espontaneamente esses sinais antes mesmo da primeira injeção de AH. De fato, o ultrassom com Doppler realizado durante o procedimento não mostrou oclusão arterial. Os sintomas regrediram após algumas horas de tratamento, mesmo sem injeção de hialuronidase.
A SPR é doença neurocutânea adquirida rara, de etiopatogenia desconhecida, tipicamente caracterizada por atrofia hemifacial progressiva. É comumente caracterizada como distúrbio autoimune dentro do espectro de doenças associadas à esclerodermia localizada en coup de sabre. Essa classificação é substanciada por evidências de reação inflamatória na histopatologia, presença de autoanticorpos séricos, coexistência de outras condições autoimunes e respostas positivas à imunossupressão. Manifestações extracutâneas da doença, incluindo alterações neurológicas, oculares e orais são comuns,1 mas não foi o caso da paciente do presente caso.
O tratamento clássico de simetrização facial é o enxerto de gordura autóloga, que não era indicado no presente caso em virtude da insatisfação prévia da paciente. O preenchimento com AH foi relatado anteriormente na literatura em quatro casos de SPR.2–4 Em nenhum deles o tratamento foi guiado por ultrassom, e nenhum relatou estar em tratamento imunossupressor. Não houve relato de progressão da doença associada ao tratamento estético. Não foram observadas infecções, rejeições ou outras complicações relacionadas a esse tratamento.
O uso de AH em pacientes com doenças do espectro da morfeia/esclerodermia foi revisado em 2020.5 A análise retrospectiva de 488 casos relatados, tratados com diferentes marcas e tipos de AH, não resultou em progressão da doença.
Algumas peculiaridades foram observadas no tratamento da paciente do presente caso: o tempo médio para absorção completa do AH após a injeção varia dependendo da composição molecular do AH,6 mas a repetição do tratamento deve ocorrer entre seis e 12 meses para indivíduos saudáveis. No presente caso, o tratamento foi repetido aproximadamente a cada dois meses. A figura 3 mostra a redução de volume na região zigomática direita apenas 80 dias após a injeção de AH. Isso leva ao questionamento se há maior rotatividade do AH injetado como parte da doença na SPR.
A mesma paciente com intervalo de 80 dias. No dia da primeira foto (A), 0,9mL de Restylane Defyne foi injetado na região zigomática direita (resultado não mostrado). Apesar disso, 80 dias após a injeção, a região zigomática (seta branca) aparece visivelmente mais deprimida (B) do que na foto anterior. Esse padrão de absorção foi observado ao longo dos três anos de seguimento, o que pode representar absorção acelerada do ácido hialurônico.
Além da dificuldade de movimentação da cânula durante o procedimento, a rigidez do tecido, associada a vasoespasmos periódicos, pode representar risco maior de compressão vascular pelo AH. Além disso, os vasoespasmos cutâneos espontâneos nesses pacientes podem ser fator de confusão com oclusão vascular verdadeira pelo AH durante o procedimento. A realização do procedimento guiado por ultrassom pode ajudar na diferenciação. A rigidez do tecido também pode explicar a migração frequente do AH, que, quando comprimido pelo movimento muscular contra tecidos adjacentes, pode herniar para áreas com menos resistência. Essa dificuldade pode ser ainda maior na região do mento, onde as fibras musculares e o tecido adiposo subcutâneo estão naturalmente entrelaçados, tornando o tecido mais compacto. Portanto, privilegiar produtos com maior integração tecidual pode ser uma boa estratégia de tratamento.
Considerando a importância da simetrização facial na qualidade de vida e dada a baixa incidência de efeitos adversos, o AH pode ser uma boa opção na SPR. Entretanto, em virtude da dificuldade técnica associada ao tratamento da SPR, recomenda‐se que seja realizado por profissionais experientes, com amplo conhecimento anatômico e preparados para lidar com eventos adversos, vasculares e infecciosos.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresRoberta Vasconcelos‐Berg: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito e revisão crítica de conteúdo intelectual importante; aprovação da versão final do manuscrito.
Barbara Varella Maire: Obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Alexander A. Navarini: Elaboração e redação do manuscrito e revisão crítica de conteúdo intelectual importante; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesRoberta Vasconcelos‐Berg é palestrante e consultora da Galderma Laboratoires. Barbara Varella Maire e Alexander A. Navarini declaram não haver conflito de interesses.