O albinismo oculocutâneo é distúrbio autossômico recessivo causado por mutações nos genes TYR, AOC2, TYRP1 e SLC45A2, levando à produção reduzida ou ausente de melanina nos melanócitos.1 A melanina absorve e espalha a radiação ultravioleta (RUV) e a luz visível na pele.2 Em virtude da falta de melanina, os indivíduos com albinismo são altamente suscetíveis aos efeitos nocivos da RUV, tornando a proteção solar uma prioridade para prevenir danos actínicos e neoplasias malignas da pele.1,3,4 A fotoproteção reduz a produção de vitamina D (VD) ao bloquear sua síntese na pele.3,5 Como as pessoas com albinismo evitam rigorosamente o sol, acredita‐se que elas correm o risco de ter baixos níveis de VD.6,7

A VD é lipossolúvel obtida principalmente da produção endógena da pele e, em menor grau, da dieta. A maior parte da VD sérica vem da conversão de 7‐desidrocolesterol em vitamina D3 na pele por meio da radiação UVB.8 Além de seu papel no metabolismo ósseo, a VD participa das funções de quase todos os sistemas do corpo.9 Sua deficiência tem sido associada a várias doenças, tornando importante detectar e tratar a deficiência de VD em grupos de alto risco.10

O objetivo principal deste estudo foi avaliar os níveis séricos de VD em pessoas com albinismo que foram aconselhadas sobre fotoproteção rigorosa e sem suplementação oral de VD. O objetivo secundário foi determinar o impacto de outras variáveis nos níveis séricos de VD. Este é um estudo observacional transversal prospectivo conduzido no Setor de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo. Os participantes foram recrutados aleatoriamente do Programa Pró‐Albino. Os critérios de inclusão foram ter albinismo e nenhuma suplementação de VD por pelo menos seis meses. Os critérios de exclusão incluíram gravidez e certas comorbidades.

As coletas de sangue foram realizadas de setembro de 2020 a agosto de 2022. São Paulo tem alta radiação solar durante todo o ano, com índice UVB médio de 11. As coletas foram realizadas sem considerar as quatro estações climáticas. Os participantes assinaram termos de consentimento informado, e o projeto foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Os participantes foram entrevistados sobre exposição solar por meio de um questionário. Foram avaliados a exposição solar diária, o uso de protetor solar, as medidas mecânicas de fotoproteção e a ocupação do paciente. O fotoenvelhecimento da pele foi avaliado pela escala GLOGAU, adaptada para albinismo, e a ingestão alimentar de VD foi avaliada por meio de um questionário de frequência alimentar. Dados demográficos e clínicos foram coletados durante as consultas médicas.

Os dados considerados incluíram idade, gênero, nível socioeconômico, local de nascimento, cor da pele, cor do cabelo, cor dos olhos, tabagismo, índice de massa corporal (IMC) e atividade física. Foram coletados 5mL de sangue venoso para análise dos níveis de VD. Os níveis séricos de 25(OH)D foram medidos usando o imunoensaio de micropartículas de quimioluminescência ARCHITECT‐OH‐Vitamin‐D. Os dados foram analisados usando Jamovi® em ambiente R.

Os dados contínuos foram resumidos por valores médios, intervalos de confiança e desvio padrão. Os dados categóricos foram descritos por sua frequência absoluta e proporção. Os dados contínuos foram testados para normalidade usando o teste de Shapiro‐Wilk, e testes paramétricos ou não paramétricos foram aplicados adequadamente.

A amostra consistiu em 42 indivíduos com média de idade de 22,03 anos, peso médio de 61,8kg, altura média de 1,51 m e IMC médio de 25 (tabela 1). A distribuição por gênero foi semelhante, com 52,4% femininos. A cor da pele mais comum foi branca (76,3%), e a cor da pele parental mais comum foi parda (53,4%). A maioria dos participantes relatou usar protetor solar (85,7%) e praticar medidas de fotoproteção. O nível sérico médio de 25(OH)D foi de 30 ng/mL.

Apenas um participante apresentou níveis de VD abaixo de 20 ng/mL, com 97,6% apresentando níveis acima de 20 ng/mL e 40% acima de 30 ng/mL (fig. 1). Não foram encontradas correlações significantes entre os níveis séricos de VD e variáveis como idade, gênero, cor da pele, atividade física ou grau de fotodano (tabela 2). Os níveis de VD foram semelhantes nas diferentes estações. Os dados foram submetidos a teste ANOVA unidirecional, que confirmou que não houve diferença estatisticamente significante nos níveis de VD entre as estações, com p=0,687 (fig. 2).

Figura 1.

Distribuição dos níveis de vitamina D na amostra. O nível sérico médio de 25(OH)D na amostra foi de 30 ng/mL, com 97,6% dos participantes apresentando níveis acima de 20 ng/mL, 60% níveis de 25(OH)D abaixo de 30 ng/mL e 40% acima de 30 ng/mL, com valor máximo de 85 ng/mL.

(0.06MB).

Figura 2.

Níveis séricos de vitamina D em diferentes estações climáticas. Os níveis de vitamina D foram semelhantes nas diferentes estações. Os dados foram submetidos ao teste ANOVA unidirecional, que confirmou que não houve diferença estatisticamente significante nos níveis de vitamina D entre as estações (p=0,687).

(0.08MB).

Apenas três estudos publicados na literatura avaliaram especificamente os níveis séricos de VD em pessoas com albinismo, todos os quais foram realizados em países africanos. Especificamente, esses três estudos concluíram que os níveis séricos de VD em pessoas com albinismo, quando comparados com os daquelas com pele pigmentada, eram mais elevados, mesmo com a suposta fotoproteção.4,5,7 Achados semelhantes foram observados neste estudo brasileiro, com a maioria dos participantes apresentando níveis normais de VD apesar das medidas fotoprotetoras. A falta de correlação entre os níveis de VD e as variáveis analisadas pode ser decorrente do pequeno tamanho amostral. Estudos mais extensos com amostras maiores e análises detalhadas podem fornecer mais informações.

Os níveis séricos de VD na população com albinismo objeto deste estudo estavam dentro da faixa de suficiência, mesmo sem suplementação oral e apesar das medidas fotoprotetoras. Esses valores não foram influenciados pelas variáveis analisadas. Pessoas com albinismo em regiões com alta radiação solar provavelmente não correm risco de deficiência de VD, e os valores normais de VD devem ser considerados equivalentes à população em geral. A suplementação empírica não é indicada, a menos que seja baseada em necessidades individuais avaliadas por meio de investigação clínica e medidas periódicas.