O penfigoide bolhoso (PB) é a doença bolhosa autoimune (DBA) mais comum.1 Critérios clínicos, histopatológicos e imunológicos compatíveis são necessários para diferenciar entre DBAs.1,2 Na investigação dos tipos com bolhas subepidérmicas, o nível de clivagem da bolha e o alvo exato dos autoanticorpos patogênicos (apontados pela deposição das imunorreações) são fundamentais para fazer um diagnóstico correto.1
O PB e a epidermólise bolhosa adquirida (EBA) podem assemelhar‐se clínica e histopatologicamente. Estudos adicionais, como imunofluorescência indireta (IFI) e/ou imunofluorescência direta (IFD) na pele do paciente utilizando a técnica de salt‐split skin, são necessários para diferenciar entre essas duas entidades.1,2 Entretanto, as técnicas requerem tecido fresco congelado e equipamento de laboratório sofisticado.3
A imuno‐histoquímica (IHQ) também tem sido usada para estudar a localização dos componentes da membrana basal e a presença de imunorreações em DBAs, particularmente em PB.3–5 O colágeno IV é o componente principal da junção dermoepidérmica, encontrado principalmente na lâmina densa.5 A realização de IHQ para colágeno IV em biópsias de pele fixadas em formalina e emblocadas em parafina oferece um meio econômico de diferenciar entre as DBAs subepidérmicas.3–6
O objetivo do presente artigo foi avaliar a utilidade da IHQ para colágeno IV em casos de PB atendidos na instituição dos autores. Para isso, foi conduzido estudo retrospectivo e observacional que incluiu todos os pacientes de PB diagnosticados entre janeiro de 2000 e junho de 2020.
O diagnóstico dos casos de PB foi estabelecido com base na combinação de critérios que abrangem a presença de características clínicas compatíveis, achados histopatológicos típicos e a presença de um padrão de IFD compatível (depósitos lineares de C3, IgG, IgM e/ou IgA ao longo da junção dermoepidérmica) e/ou IFI/ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA) positivo (detecção de anticorpos antimembrana basal epidérmica IgG circulantes por estudos de microscopia de IFI usando pele humana normal processada pela técnica de salt‐split skin e/ou detecção de anticorpos IgG anti‐BP180 e/ou anti‐BP230 por ELISA [teste de perfil anti‐pele MESACUP]).
Todos os casos com diagnóstico confirmado foram incluídos se, pelo menos, três dos quatro critérios estivessem presentes e fossem compatíveis: clínico, histopatológico, sorológico, incluindo IFI e/ou ELISA e IFD. A biopsia de pele corada pelo método de hematoxilina & eosina (HE) e a IFD foi realizada em todos os pacientes incluídos no estudo, e os resultados de pelo menos um estudo imunológico (IFI e/ou ELISA) precisavam estar disponíveis.
Para avaliar o nível da bolha e diferenciar o PB de outras doenças bolhosas subepidérmicas, a técnica IHQ para colágeno tipo IV foi realizada em cortes de tecido fixados em formalina e emblocados em parafina (Diagnostic Biosystems Mob229/PDM276, Mouse AntiHuman Collagen IV, purificado, anticorpo policlonal, IgG1, diluição 1/10‐1/40). A imunomarcação na porção dérmica da bolha (assoalho) foi considerada compatível com PB.
De um total de 257 casos de PB, a IHQ para colágeno IV foi realizada em 194 (tabela 1); nos 63 restantes, essa técnica ainda não estava disponível na instituição do autores na época da biopsia.
Características epidemiológicas e clinicopatológicas da IHQ para colágeno IV nos casos de PB avaliados
Número de pacientes, n (%) | |
---|---|
n=194 | |
Gênero masculino | 116 (59,8%) |
Idade (média±DP) (anos) | 75,89 (±9,57 DS) |
Comorbidades neurológicas | 77 (39,7) |
Comorbidades neoplásicas | 36 (18,6) |
Diagnóstico de DM2 | 80 (41,2) |
Apresentação clínica | |
Generalizada | 55 (28,4) |
Tronco e extremidades | 102 (52,5) |
Tronco | 10 (5,2) |
Extremidades | 26 (13,4) |
Outra | 1 (0,5) |
Envolvimento do couro cabeludo | 16 (9,8) |
Envolvimento da mucosa | 12 (6,2) |
Características histopatológicas (HE) | |
Bolha subepidérmica | 194 (100) |
Infiltrado inflamatório | 194 (100) |
Quantidade de infiltrado eosinofílico (HE) | |
Presente, muito acentuado | 131 (67,5) |
Presente, discreto | 59 (30,4) |
Ausente | 4 (2) |
Padrão de imunofluorescência direta (IFD) | |
IgG+C3 linear | 131 (67,4) |
C3 linear | 47 (24,2) |
IgG linear | 4 (2,1) |
IFD Negativa | 8 (4,2) |
Outro | 4 (2,1) |
C3, complemento C3; HE, Hematoxilina & eosina; IgG, imunoglobulina G; IgM, imunoglobulina M; IgA, imunoglobulina A; N, número total; DP, desvio padrão; %, porcentagem.
Bolhas subepidérmicas acompanhadas pelo infiltrado inflamatório característico estavam presentes em todos os pacientes. Em 67,5% a quantidade de infiltrado eosinofílico foi muito grande (> 21 eosinófilos/40× campo de grande aumento; fig. 1A); 93,7% apresentaram depósitos lineares de IgG e/ou C3 na membrana basal na IFD. Em 193 deles, o colágeno IV foi detectado no assoalho da bolha na técnica IHQ (fig. 1B).
(A) Histopatologia da bolha de paciente com PB (Hematoxilina & eosina, 10×): bolha subepidérmica com infiltrado inflamatório eosinofílico. (B) Imuno‐histoquímica para colágeno IV em PB (20×). Observe a localização do colágeno IV (linha marrom) no assoalho da bolha. (C) Imuno‐histoquímica para colágeno IV realizada em paciente com EBA (10×). A positividade é observada no teto da bolha e em estruturas dérmicas que contêm colágeno IV, como as paredes vasculares.
Em comparação os casos de EBA (confirmados pela presença de autoanticorpos contra o colágeno VII detectados por ELISA [teste de perfil anti‐pele MESACUP]) atendidos no mesmo período do estudo (n=5) evidenciaram imunomarcação para colágeno IV no teto da bolha (fig. 1C). A IFD de pele na técnica de salt‐split skin, provavelmente em virtude das limitações técnicas, levou à diferenciação entre PB e EBA em apenas um caso.
Em comparação com a IFD com técnica de salt‐split skin, a IHQ é uma técnica simples e reprodutível, que pode ser realizada em cortes histológicos da bolha fixados em formalina e emblocados em parafina, sem a necessidade de processamento adicional.6–8 Ao demonstrar a localização do colágeno IV pela IHQ, o nível de clivagem da bolha pode ser estabelecido e, portanto, pode ser útil no diagnóstico de DBA subepidérmicas.7,8
O colágeno IV está localizado na lâmina densa. Todas as estruturas relacionadas ao hemidesmossomo e à lâmina lúcida [incluindo o antígeno BP 1 (BPAG1/BP230) e o antígeno BP 2 (BPAG2/BP180), laminina 1γ, laminina 332, integrina α4β6] estão localizadas acima da lâmina densa; o colágeno VII, entretanto, está posicionado abaixo do colágeno IV.8 Portanto, ao realizar IHQ para colágeno IV nas DBA subepidérmicas, a imunomarcação estará presente no assoalho da bolha, exceto na EBA e no lúpus eritematoso (tabela 2).9,10
Imuno‐histoquímica para colágeno IV em doenças bolhosas autoimunes subepidérmicas
Doença bolhosa subepidérmica autoimune | Antígeno (alvo dos autoanticorpos patogênicos) | IHQ para colágeno IV (realizada em biopsia bolhas cutâneas fixadas em formalina) |
---|---|---|
Penfigoide bolhoso | BP180, BP230, p105, p200 (laminina 1γ) | Marcação no assoalho da bolha (parte dérmica) |
EBA | Colágeno VII | Marcação no teto da bolha (parte epidérmica) |
Penfigoide gestacional | BP180 | Marcação no assoalho da bolha (parte dérmica) |
Dermatite herpetiforme | Transglutaminase tecidual e epidérmica (TG2, TG3) | Marcação no assoalho da bolha (parte dérmica) |
Penfigoide da membrana mucosa | BP180, BP230, laminina 332, α4β6 integrina | Marcação no assoalho da bolha (parte do córion conjuntivo) |
Dermatite por IgA linear | BP180, BP230 | Marcação no assoalho da bolha (parte dérmica) |
Lúpus eritematoso sistêmico bolhoso | Colágeno VII | Marcação no teto da bolha (parte epidérmica) |
PB, penfigoide bolhoso; EBA, epidermólise bolhosa adquirida; IHQ, imuno‐histoquímica; TG, transglutaminase.
Essa técnica tem a limitação de que apenas a localização do colágeno IV está sendo marcada, e a presença de imunorreagentes ou depósitos não pode ser avaliada. Na técnica salt‐split skin, o nível de clivagem é induzido na lâmina lúcida e, por meio de IFD, a presença de imunodepósitos pode ser avaliada.
Este estudo apresenta várias limitações pela falta de grupo controle, número escasso de casos de EBA e ausência de outros pacientes com outras doenças bolhosas do grupo penfigoide ou não.
Embora amplamente conhecido,3–5,7,8 após revisão da literatura publicada e por meio das observações do autores, os mesmos consideram que a IHQ para colágeno IV deve ser mais frequentemente utilizada na investigação diagnóstica das DBAs.9,10 Destaca‐se que essa imunomarcação é uma primeira abordagem perfeita no estudo de uma lesão bolha, em geral, e, especialmente, na suspeita de DBA. Além disso, os resultados das técnicas referência (IFD e/ou IFD/IFI na técnica salt‐split skin) podem ser melhor interpretados juntamente com os achados da IHQ para colágeno IV.3–5,7,8,10
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLula María Nieto Benito: Concepção e planejamento do estudo; obtenção dos dados, contribuiu com dados ou ferramentas de análise, realizou a análise, elaboração e redação do manuscrito e aprovação da versão final do manuscrito.
Verónica Parra‐Blanco: Concepção e planejamento do estudo, Investigação, Validação, elaboração e redação do manuscrito, revisão e edição do manuscrito.
Ricardo María Suárez‐Fernández: Concepção e planejamento do estudo, obtenção dos dados, contribuiu com dados ou ferramentas de análise, realizou a análise, elaboração e redação do manuscrito e aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Nieto‐Benito LM, Parra‐Blanco V, Suárez‐Fernández RM. Collagen IV immunohistochemistry and autoimmune bullous diseases: defining the location of the subepidermal bullae. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2024.04.014.
Trabalho realizado no Hospital General Universitario Gregorio Marañón, Madri, Espanha.