A tecnologia e popularidade dos aparelhos celulares os tornaram ferramenta útil para a Telemedicina, que é a prática médica realizada a distância com o uso de tecnologia da informação, inclusive com o aplicativo WhatsApp que é gratuito, de simples manuseio e popular, chegando a ser um dos mais usados em todo o mundo.1,2
A telemedicina por celular, mobile‐Health (m‐Health), tem sido usada em algumas especialidades médicas, em especial na Dermatologia, em que a inspeção é essencial. Imagens de lesões registradas em fotografias podem ser suficientes para o diagnóstico, principalmente se corroborado pela interação por áudio ou texto, com informações clínicas.1
Durante a pandemia de COVID‐19, os médicos, as unidades de saúde e os pacientes não estavam preparados para o uso da Telemedicina, e o WhatsApp foi visto como interface possível, passando a ser usado com maior frequência para esse fim.1,2
Em outubro de 2020 foi iniciado um ensaio clínico com novas opções terapêuticas para leishmaniose cutânea (LC) que coincidiu com o avanço da pandemia de COVID‐19, o que dificultou o seguimento dos pacientes que teriam três avaliações (30, 90 e 180 dias após o início do tratamento). Alternativamente, recorreu‐se ao WhatsApp para, de maneira assíncrona, trocar mensagens e enviar imagens das lesões. Os faltosos eram contactados para reforçar a necessidade do retorno para avaliação clínica e laboratorial e reagendar consulta. Na oportunidade, era solicitado o envio de fotografias das lesões e, no caso de não comparecimento, a imagem enviada era considerada para avaliação clínica e o retorno, então, considerado virtual.3 O objetivo da presente publicação é descrever a utilidade da estratégia m‐Health na redução das perdas de seguimento do ensaio clínico acima citado.
Foram incluídos 49 pacientes no ensaio clínico, dos quais 35 (71,4%) foram avaliados por m‐Health em algum momento do seguimento: 18 do grupo experimento e 17 do grupo controle. De acordo com o tempo da avaliação, observou‐se número crescente de consultas por m‐Health: 10 no D30, 19 no D90 e 24 no D180. Com relação aos 24 pacientes cuja última avaliação foi via virtual, 21 já apresentavam a lesão cicatrizada na consulta anterior; no D90, dois estavam em processo de cicatrização e um havia apresentado falha terapêutica, na época. Foram considerados sem retorno ou faltosos (tabela 1) os que não compareceram presencialmente nem responderam à mensagem pelo celular. As imagens enviadas pelos pacientes foram consideradas adequadas e suficientes para avaliar o processo de cicatrização (fig. 1). Quatro pacientes não responderam aos contatos telefônicos para a última visita (D180) e, a esses, foi realizada visita domiciliar, dos quais dois estavam na residência e foram avaliados; um respondeu a contato por celular feito posteriormente; e o outro havia mudado de endereço e de celular, e foi considerado perda.
Distribuição dos pacientes de acordo com o tipo de retorno à consulta de seguimento com 30, 90 e 180 dias, após início do tratamento, em ensaio clínico para leishmaniose cutânea
Tipo de retorno | D30 | D90 | D180 |
---|---|---|---|
Presencial | 30 (61,2%) | 21 (42,8%) | 22 (45,0%) |
Virtual | 10 (20,4%) | 19 (38,8%) | 24 (49,0%) |
Visita domiciliar | – | – | 2 (4,0%) |
Sem retorno | 9 (18,4%) | 9 (18,4%) | 1 (2,0%) |
Estudo sobre a implementação da Teledermatologia com 20.912 consultas presenciais e 4.512 não presenciais concluiu que a Teledermatologia parece ser ferramenta eficiente na resolução de problemas dermatológicos, com resposta rápida, eficaz e de boa qualidade para atenção às doenças da pele.4
A LC é doença tropical negligenciada. Na Amazônia, o ciclo de transmissão da LC ocorre na floresta, atingindo, na grande maioria, pessoas que utilizam o extrativismo para subsistência e que, pelas condições geográficas e de distanciamento, têm dificuldades tanto para realizar o tratamento quanto para se manter em seguimento em ensaios clínicos, que idealmente necessitam de 180 dias de seguimento.5,6 Ensaio clínico realizado na região, sem o uso da Telemedicina e fora do contexto de pandemia, apresentou 7% de perdas de seguimento.7
Estudo realizado em áreas rurais da Colômbia avaliou que a implementação de estratégia m‐Health em LC aumentou significantemente a proporção de pacientes em vigilância (de 4,2% em atendimento padrão para 82,5%), bem como a proporção de pacientes com registros de adesão ao tratamento, de reações adversas aos medicamentos e a resposta terapêutica.8
O uso do aplicativo WhatsApp no modelo assíncrono ou Store‐And‐Forward System (SAF) da Telemedicina utilizado, em que a informação ou imagem é armazenada e avaliada depois, em outro horário e local, mostrou‐se ferramenta perfeitamente viável na região, principalmente por não depender da velocidade da internet. As condições da maioria das áreas rurais do Amazonas, além das atividades laborais desenvolvidas na agricultura, não permitem acesso para a realização de synchronous consultation (video‐call), na qual a interação médico‐paciente ocorre em tempo real.
O impacto da pandemia de COVID‐19 na pesquisa foi demonstrado por Lasch et al. pela redução do número de ensaios clínicos fase II e fase III iniciados na Europa e nos Estados Unidos como um todo e de ensaios clínicos não relacionados com a COVID‐19.9
A qualidade das imagens e a adesão dos pacientes são importantes para o sucesso do método. Observamos boa resposta ao contato telefônico e, apesar da ausência de recomendações das técnicas para as fotografias, as imagens enviadas possibilitaram avaliar os aspectos clínicos evolutivos das lesões e foram úteis para a tomada de decisão. Em alguns casos, foi necessário apenas a aproximação da imagem. Em condições ideais, os pacientes podem ser orientados a captar imagens mais próximas do padrão almejado.
Conclui‐se que a estratégia m‐Health com o aplicativo WhatsApp viabilizou o ensaio clínico com LC em área remota e em situação de pandemia, uma vez que possibilitou resgatar, 24 dos 27 pacientes que estavam faltosos para a última consulta. Vislumbra‐se, portanto, a perspectiva da utilização dessa estratégia em futuras pesquisas clínicas em áreas de difícil acesso, o que pode ser um estímulo para a realização de mais estudos nessas regiões.
Este estudo faz parte de projeto maior, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa CEP‐FUHAM: CAAE 36533620.3.1001.0002; parecer n° 4.663.792.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresSilmara Navarro Pennini: Concepção e desenho do estudo; obtenção, levantamento, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e terapêutica de casos estudados; redação e aprovação da versão final do manuscrito.
Jorge Augusto de Oliveira Guerra: Participação intelectual em conduta terapêutica; redação e aprovação da versão final do manuscrito.
Paula Frassinetti Bessa Rebello: Revisão crítica da literatura; participação intelectual em conduta propedêutica e terapêutica e redação.
Marília Rosa Abtibol‐Bernardino: Obtenção, análise e interpretação dos dados.
Amanda Canto Duarte: Revisão crítica da literatura; obtenção e análise dos dados.
Higor Marques de Queiroz: Revisão crítica da literatura e do artigo.
Anette Chrusciak‐Talhari: Participação intelectual em conduta terapêutica.
Maria das Graças Vale Barbosa Guerra: Redação, revisão crítica do artigo.
Sinésio Talhari: Orientação da pesquisa; redação e Revisão crítica do artigo; aprovação da versão final do manuscrito.
Como citar este artigo: Pennini SN, Guerra JAO, Rebello PFB, Abtibol‐Bernardino MR, Duarte AC, Queiroz HM, et al. Telemedicine (mobile‐Health) as an alternative in the follow‐up of patients in a randomized clinical trial for the treatment of cutaneous leishmaniasis in the state of Amazonas, Brazil. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2024.08.003
Trabalho realizado na Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta e Fundação de Medicina Tropical Dr Heitor Vieira Dourado, Manaus, AM, Brasil.